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quarta-feira, 20 de maio de 2020

Do Fundo do Baú | Sonhos (1990)

Ter uma pérola como Sonhos (1990) disponível no Youtube me faz querer agradecer o autor da postagem. No auge da sua maturidade, o legendário diretor Akira Kurosawa reflete sobre as múltiplas facetas do ser humano com misto de peso e poesia. Um filme cujo a mensagem crítica e pessoal não envelheceu um segundo sequer nas últimas duas décadas. Com uma visão subjetiva sobre a existência humana, o realizador nipônico transforma os seus sonhos (e também pesadelos) em contos densos, imaginativos e provocantes. 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Do Fundo do Baú | À Meia Noite Levarei sua Alma (1964)


A figura do Zé do Caixão sempre me causou um misto de espanto e curiosidade. A criação do saudoso cineasta José Mojica Marins tinha esse poder. Um personagem que transcendeu a barreira do cinema. Virou um ícone, uma lenda do cancioneiro popular, um símbolo de algo genuinamente assustador. Muitos o conheciam sem sequer ver seus filmes. O que, infelizmente, não era tão incomum assim. Na minha infância, o Zé do Caixão que tenho como referência era o da TV. Dos programas, das entrevistas, das reportagens cômicas\sinistras. Seus filmes eram uma raridade na TV aberta. Entre os anos 1980 e 1990, com a derrocada da Embrafilme, Mojica teve que se “virar” em outros subgêneros, entre eles o do cinema erótico. Suas obras se tornaram mais extremas. Nunca tive estômago para este tipo de produção. Basta se deparar com os seus primeiros filmes, entretanto, para percebermos a autenticidade e o visionarismo no cinema de José Mojica Marins.

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Do Fundo do Baú | Mercenários Das Galáxias

Com a assinatura do mestre dos filmes B Roger Corman, Mercenários das Galáxias (1980) é o tipo de produção que envelheceu mal, mas que, ainda assim, manteve o seu charme. Óbvio que os efeitos visuais soam incrivelmente datados, as sequências espaciais se revelam limitadas e por vezes confusas, o trabalho de maquiagem e direção de arte condizente com um filme de baixo orçamento, alguns personagens flertam com o mau gosto, mas, em meio a isso, existe uma premissa ainda hoje cativante, uma releitura no formato 'space-opera' do clássico do western Sete Homens e um Destino (1960). 

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Do Fundo do Baú | Rock ‘n’ Roll High School


É nítido que Rock ‘n’ Roll High School (1979) não envelheceu tão bem. A premissa é simplória. Os personagens demasiadamente caricatos. O humor soa por (muitas) vezes datado. Ainda assim estamos diante de uma comédia musical 'high school' sobre a banda The Ramones. Em outras palavras, impossível não se divertir. Além de não se levar a sério por um segundo sequer, o grande trunfo do longa dirigido por Allan Arkush e Joe Dante está na propriedade com que o roteiro captura o espírito anárquico da banda e o imprime na tela. Criativo ao propor um "duelo de classes" nos corredores da escola, a dupla de realizadores esbanja perspicácia ao transformar o conservadorismo no grande vilão da história, encontrando na rixa entre a tirânica diretora vivida pela expansiva Mary Woronov e pela rebelde aluna interpretada pela radiante P.J Soles no agente catalisador da trama.

quarta-feira, 12 de junho de 2019

Do Fundo do Baú | A Cegonha Não Pode Esperar (1988)


Dirigido pelo talentoso John G. Avildsen, dos clássicos modernos Rocky: Um Lutador (1976) e Karate Kid (1984), A Cegonha não pode Esperar (1988) é uma daquelas pérolas oitentistas totalmente subestimadas. Além de marcar o último grande papel da estrela dos anos 1980 Molly Ringwald dentro do universo dos filmes 'high-school', o longa foge do lugar comum ao trazer a maturidade para este popular subgênero, refletindo sobre a maternidade na adolescência numa comédia romântica leve, engraçada, mas consciente das suas responsabilidades. 

Embora, na transição para o último ato, o roteiro assinado por Tim Kazurinsky e Denise DeCluese agarre nos melodramas sentimentais típicos do segmento sem grande pudor, John G. Avildsen é cuidadoso ao traduzir o impacto de uma gravidez inesperada na rotina de dos Annie (Molly Ringwald) e Stan (Randal Batinkoff), uma dupla cheia de sonhos e metas a alcançar. Impulsionado pela radiante presença da estrela de Gatinhas e Gatões e Clube dos Cinco, que, infelizmente, não conseguiu repetir na sua fase adulta o sucesso conseguido na "adolescência", o realizador esbanja sinceridade ao mostrar a realidade dos fatos, ao explorar temas espinhosos como a possibilidade do aborto, a adoção, os conflitos familiares, o casamento precoce, as repentinas mudanças de perspectivas de vida e (logicamente) a árdua rotina materna\paterna. 

terça-feira, 2 de abril de 2019

Do Fundo do Baú (Agnès Varda)


O mundo do cinema perdeu na última semana uma das suas vozes femininas mais influentes. Uma das grandes expoentes da Nouvelle Vague, Agnès Varda partiu deixando um legado de pequenas grandes obras numa época em que pouquíssimas mulheres tinham voz atrás das câmeras. Consciente disso, a realizadora francesa nunca se privou em valorizar a representatividade dentro do cinema. Seus filmes espelhavam a realidade das mulheres da sua geração e também das seguintes. Peça chave de um movimento que, ao lado do Neorrealismo Italiano, mudou a forma de se fazer cinema ao redor do mundo, Varda levantava a bandeira do feminino, independentemente de posição social, levando para a tela grande a rotina de mulheres comuns que durante muito tempo foram simplesmente esquecidas. Numa postagem de despedida via Instagram, Martin Scorsese, um dos muitos mestres influenciados pelo trabalho de Varda, sintetizou como ninguém o cinema desta grande realizadora. “Eu duvido que Agnès Varda tenha seguido os passos de qualquer outra pessoa, em qualquer canto de sua vida ou arte. Ela mapeou e trilhou seu próprio caminho em cada passo da sua jornada, ela e sua câmera. Cada uma de suas notáveis ​​obras eram feitas à mão, tão bem equilibradas entre documentário e ficção. Que trabalho ela deixou para trás: filmes grandes e pequenos, divertidos e duros, generosos e solitários, líricos e inflexíveis ... e vivos. E para todos os jovens cineastas: você precisa assistir as películas de Agnès Varda”. Um recado que, naturalmente, deve se estender para os fãs da Sétima Arte. Até porque, infelizmente, muitos dos seus filmes nunca encontram a atenção do grande público, ficando, em muitos casos, reduzido aos nichos, ao pedantismo dos circuitos artísticos. Aproveitando que a Rede Telecine decidiu adicionar alguns dos mais elogiados trabalhos de Agnès Varda, neste Do Fundo do Baú uma análise sobre os clássicos Cléo das 5 às 7 (1962), As Duas Faces da Felicidade (1965) e Os Renegados (1985). Uma trinca de obras que sintetiza bem a arte de Varda e a sua capacidade de repercutir a nossa realidade seja num drama reflexivo e existencial, seja num romance lírico e tragicômico, seja num retrato social nu e cru. 

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Conheça O Parque Macabro (1962), o filme que influenciou obras como O Sexto Sentido e Os Outros


George A. Romero, publicamente, nunca escondeu que buscou em O Parque Macabro (1962) a inspiração para tirar do papel a sua grande obra-prima, o icônico A Noite dos Mortos-Vivos (1968). E as referências são claras. O cenário naturalmente 'creep'. A semelhança física entre as instáveis protagonistas. Os pálidos "antagonistas". Um forte comentário social. É possível enxergar muitos paralelos entre estas duas influentes obras. O impacto de Carnival of Souls (no original), entretanto, foi muito além da obra de Romero. Na verdade, bastam alguns minutos de projeção para percebemos que estamos diante de uma produção muito à frente do seu tempo. Vamos aos fatos. Se você gostou de títulos como O Sexto-Sentido, Os Outros, A Espinha do Diabo e O Orfanato, o suspense 'indie' dirigido por Hank Harvey merece entrar na sua lista.

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Entre o Horror e a Crítica Social: os Cinquenta anos do Influente A Noite dos Mortos Vivos


A Noite dos Mortos Vivos ajudou a redefinir o cinema de Horror. Isso é um fato inquestionável. Lançado há longínquos cinquenta anos, o longa dirigido pelo saudoso George A. Romero se revela uma obra ainda hoje memorável, principalmente pela maneira com que este clássico do cinema ‘indie’ assumiu uma posição de vanguarda ao adicionar novos e influentes elementos no gênero. Numa análise mais óbvia, é fácil dizer que esta produção de baixíssimo orçamento se tornou uma espécie de “pai” dos filmes de zumbis modernos. Influenciado por títulos como I Am The Legend (que inspirou títulos como Mortos que Matam, A Última Esperança da Terra e o recente Eu sou a Lenda) e pelos quadrinhos de Contos da Cripta, o filme resolveu romper com o aspecto místico que cercava a mitologia. Numa época em que os filmes de terror eram em sua maioria “limpos”, Romero resolveu trazer a “sujeira” para o segmento, valorizando o elemento ‘gore’ de forma poucas vezes vista até então. Nas suas mãos os zumbis se tornaram as criaturas que conhecemos hoje, uma ameaça lenta, decrépita e sedenta por carne que causou repulsa numa legião de espectadores ao longo dos tempos. Usando tinta vermelha, calda de chocolate e até o almoço da sua equipe, o que explica o minúsculo custo de produção de US$ 120 mil, Romero tirou do papel algo realmente único, embrulhando os nossos estômagos ao não furtar o espectador dos fatos, do ataque das suas ferozes criaturas. 

sábado, 20 de outubro de 2018

Precisamos falar sobre Destino à Lua (1950), o filme que “levou” a corrida espacial para Hollywood

Neste final de semana chegou aos cinemas o aguardadíssimo First Man, um drama íntimo e humano sobre a incrível jornada Neil Armstrong (Ryan Gosling), o primeiro homem a pisar na lua. Em 20 de Julho de 1969, o mundo praticamente parou para assistir o épico feito dos tripulantes da nave Apollo 11, que, após anos de dedicação, esforço e sacrifício, conseguiram "dar um pequeno passo para (um) homem, um salto gigantesco para a humanidade". Em Hollywood, porém, os homens chegaram à lua bem antes do previsto. E num filme muito à frente do seu tempo. Considerado a primeiro grande obra de ficção realística sobre a então embrionária corrida espacial, Destino à Lua (1950) é o tipo de produção que merece ser redescoberta.

Dirigido por Irving Pinchel (Martin Lutero, Casei-Me como um Nazista), o longa se antecipou aos fatos ao projetar algo que só viria a acontecer quase duas décadas mais tarde. Numa época em que as noções sobre a viagem ao espaço eram basicamente teóricas, o realizador surpreendeu ao entregar uma película preocupada em respeitar às leis da física, em expor da forma mais verossímil possível os bastidores de uma viagem ao desconhecido. Para se ter uma noção do vanguardismo da obra, só em 1958 a NASA foi criada. Só em 1961 um homem, o russo Yuri Gagarin, se tornou o primeiro a ser lançado no espaço. Ou seja, por mais que na teoria os conceitos de viagem na estratosfera já fossem testados, na prática, na época da realização do filme, pouco se sabia sobre como "filmar" uma ida ao espaço. Era tudo muito novo e especulativo. Diante disso, Pinchel ganhou espaço para criar. O que, de maneira alguma, distanciou o filme do terreno da plausibilidade. 

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Do Fundo do Baú (Nasce uma Estrela)

No último fim de semana chegou aos cinemas o aguardado Nasce uma Estrela, um elogiado drama musical que, dentre os seus (evidentes) muitos predicados, traz a estrela do pop Lady Gaga no seu primeiro grande papel enquanto atriz. Dirigido pelo eclético Bradley Cooper, o longa foi recebido com entusiasmo durante a última edição do respeitado Festival de Veneza, arrancando calorosos aplausos por oito minutos e muitos elogios às performances musicais do casal de protagonistas. O que muita gente não sabe, entretanto, que Nasce uma Estrela não nasceu (com o perdão da redundância) de uma história original. Na verdade, esta é a quarta adaptação envolvendo a jornada de uma sonhadora aspirante ao estrelato que, após se unir a um astro decadente, se depara com o melhor e o pior do mundo do showbiz. Em 1954, por exemplo, com a estrela de O Mágico de Oz (1939) Judy Garland e James Mason como protagonistas, Nasce uma Estrela ganhou a sua versão mais aclamada, principalmente pela visão corrosiva com que o diretor George Cukor traduz a face mais corrosiva de Hollywood. Sim, nessa versão a protagonista queria ser uma estrela do cinema, o que, na época, fazia muito mais sentido diante da pouca representatividade feminina dentro do mundo da música. Já na década de setenta, mais precisamente em 1976, o novo Nasce uma Estrela finalmente adentrou o cenário musical, usando o efervescente cenário do rock como o palco perfeito para construção de uma obra fruto do seu tempo. Com Barbara Streisand na pele da cantora em potencial e Kris Kristofferson como um astro em declínio, o filme dirigido por Frank Pierson não teve o mesmo retorno da crítica, mas levou o Oscar de Melhor Canção Original com a balada Evergreen. Nada mais justo, porém, do que analisar o filme que “pavimentou” a estrada para esta trinca de remakes. Neste Do Fundo do Baú, iremos então analisar a versão mais clássica de Nasce uma Estrela (1937), que, há oito décadas, com Janet Gaynor e Fredric March nos papéis principais, já mostrava os dois lados da moeda no mundo da fama. 

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Do Fundo do Baú (Agarra-Me se Puderes)


Com carisma, charme e um indiscutível talento, Burt Reynolds foi um genuíno astro midiático. O ator, que faleceu na última sexta, aos 82 anos, vítima de uma parada cardíaca, esteve no olho do furacão em Hollywood nos anos 1970 e 1980. Com filmes como Golpe Baixo (1974) e Agarra-me Se Puderes (1977), Reynolds assumiu o status de ‘sex-symbol’, construindo um arquétipo descolado e aventureiro que viria a se tornar uma rotina na sua filmografia. Embora no início da sua carreira ele tenha se arriscado por papeis mais desafiadores, vide o elogiado drama Amargo Pesadelo (1972), Burt Reynolds decidiu fazer o que gostava. No seu livro de memórias But Enough About Me, o astro admitiu que “não estava interessado em se abrir como ator. Estava interessado em se divertir”. Uma postura que o levou a recusar alguns personagens marcantes, entre eles o icônico mercenário Han Solo em Star Wars, o expansivo McMurphy em Um Estranho no Ninho, o astronauta Garrett Breedlove em Laços de Ternura e o ‘bad-ass’ John Mclane em Duro de Matar. O que explica, inclusive, o nível de qualidade da sua filmografia, uma trajetória marcada por blockbusters inicialmente marcantes e bem-sucedidos, mas que, com o passar do tempo, foram se tornando cada vez menores e menos populares. Mesmo nesses momentos de “baixa”, entretanto, Reynolds não saia dos holofotes. 

domingo, 22 de julho de 2018

Do Fundo do Baú (François Truffaut)


Há exatos sete dias, a França levantava o cobiçado caneco de campeã na Copa do Mundo 2018. E como um grande fã de esportes que sou, decidi prestar uma singela reverência ao país que - dentre outros feitos cinematográficos - nos brindou com o precioso movimento da Nouvelle Vague. Indo de encontro ao modelo ‘hollywoodiano’ de se pensar o cinema, os críticos da revista Cahiers du Cinema, uma das mais importantes publicações do segmento, decidiram trocar a teoria pela prática. As redações pelo set de filmagens. Influenciados pelos conceitos defendidos pelo literário André Bazin, nomes como Jean-Luc Godard (Acossados), Alain Resnain (Hiroshima Meu Amor), Eric Rohmer (Uma Noite em Casa de Maude) e (claro!) François Truffaut surfaram numa “nova onda” mais democrática. Dispostos a refletir sobre a vida nos grandes centros urbanos, este seleto grupo passou a investir em histórias pequenas, mundanas, se debruçando sobre a inquietação humana em produções baratas, com cenários reais, atores desconhecidos e um íntimo viés naturalista. A realidade passou a ser o cerne da questão. Além disso, os principais porta-vozes deste celebrado movimento saíram em defesa da renovação estética, revigorando a forma de se fazer cinema ao investir em planos engenhosos, enquadramentos modernos e numa linguagem universal. Uma proposta “faça você mesmo” que inspirou diversos outros grandes realizadores e correntes, incluindo o nosso Cinema Novo, a Nova Hollywood e o bem-sucedido mercado ‘indie’ norte-americano. Dos integrantes da ‘Nouvelle Vague’, porém, Truffaut sempre me pareceu o realizador mais “acessível”. Não que os outros não sejam. Mas o homem por trás dos clássicos Farenheint 451 (1966) e A Noite Americana (1973) foi o que, a meu ver, mais buscou o contato com o grande público. Embora tenha falecido novo, aos 52 anos, vítima de um câncer no cérebro, ele não titubeou em dialogar com as grandes plateias, buscando ir além dos pequenos nichos, do pedante “cinema de arte”. Suas produções, ainda que tecnicamente virtuosas, eram puras, francas e universais. A simplicidade narrativa era a alma do seu negócio. Mais tarde, já na década de 1970, Truffaut chegou a flertar com a (remodelada) Hollywood, ganhando um papel de destaque no clássico Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1978). Ali, o então jovem Steven Spielberg, parecia prestar uma digna homenagem a uma das suas principais influências, um dos pilares na renovação cinematográfica na segunda metade do século XX. Dito isso, neste Do Fundo do Baú, decidi falar um pouco mais sobre a carreira do mestre François Truffaut analisando três das suas mais marcantes produções. 

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Do Fundo do Baú (O Assalto ao Trem Pagador)

Na última semana o cinema brasileiro perdeu uma das suas vozes mais singulares, o crítico cineasta Roberto Farias (Pra Frente Brasil, Os Trapalhões e o Auto da Compadecida). Numa época em que os movimentos do Cinema Novo e do Cinema Marginal surgiam como um contraponto as desgastadas chanchadas, o saudoso realizador se posicionou entre os grandes sem escolher lados, transitando das obras mais questionadoras aos títulos mais populares numa carreira recheada de títulos de sucessos. O que fica bem claro no seu primeiro grande trabalho, o poderoso O Assalto ao Trem Pagador (1962). Lançado num momento de reafirmação do cinema nacional, O Pagador de Promessas (1962), por exemplo, neste mesmo período ganhava o mundo ao levar a Palma de Ouro no Festival de Cannes, o longa conquistou o público e a crítica graças a sagacidade de Farias ao entregar uma obra universal que não parecia interessada em pertencer a uma única corrente cinematográfica. Aliando o vanguardismo estético do Cinema Novo ao forte (e franco) viés social do Cinema Marginal, o realizador “esmurra” o estômago do espectador ao mostrar, a partir de uma história real, o impacto da desigualdade social sob um prisma íntimo e assustadoramente atual. Falando a “língua” do povo, Farias nos brinda com uma crônica sobre a vida dos marginalizados na década de 1960, refletindo sobre questões raciais e políticas num thriller de assalto que – infelizmente – insiste em não envelhecer. 

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Do Fundo do Baú (O Planeta dos Macacos)

Preconceito, repressão, intolerância religiosa, segregação... Há cinquenta anos uma inusitada produção já ousava discorrer sobre temas tão (infelizmente) atuais com originalidade e contundência. Inspirado no romance escrito por Pierre Boulle, o clássico O Planeta dos Macacos (1968) completa cinco décadas se mantendo como um marco dentro da ficção científica. Lançado num momento de ebulição social nos EUA, incluindo a Guerra do Vietnã, o auge da luta pela igualdade racial e pelos direitos civis da população negra, o longa dirigido por Franklin J. Schaffner causou um inegável choque ao usar o cinema de gênero para refletir sobre alguns dos mais enraizados conflitos presentes na sociedade americana. Ao tratar o homem branco como um ser involuído, dominado por um inteligente grupo de primatas, a película estrelada por Charlton Heston colocou o dedo na ferida ao questionar a ignorância humana, usando a tão temida ameaça atômica num contexto sociopolítico que insiste em não se renovar. 

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Do Fundo do Baú (Sou ou Não Sou?)

Só mesmo um mestre da comédia como Mel Brooks para tirar do papel uma produção como Sou ou Não Sou (1983), To Be or Not to Be no original, uma refilmagem impagável do clássico homônimo de 1942. Numa clara mostra que, quando bem idealizados, alguns remakes são totalmente justificáveis, o longa dirigido por Alan Johnson esbanja maturidade ao extrair o humor de uma premissa naturalmente dramática. Com um excepcional 'timing cômico', o realizador tira o máximo do seu talentoso elenco ao narrar as desventuras de uma trupe teatral polonesa durante a invasão alemã na Segunda Guerra Mundial, equilibrando realidade e escapismo numa película envolvente, tensa e naturalmente engraçada. Um filme que, embora não seja tão denso quanto o original, consegue resgatar o espírito do original ao valorizar a arte em meio ao horror. 

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Do Fundo do Baú (Era uma Vez no Oeste)

Um realizador no auge da sua forma técnica, o mestre Sergio Leone explorou o dispositivo cinema em sua máxima potência no épico Era Uma Vez no Oeste. Após amadurecer a sua arte na fantástica Trilogia dos Dólares (leia a nossa opinião aqui), o diretor italiano nos brindou com o western definitivo, uma película densa, grandiosa e tecnicamente primorosa. Com personagens icônicos, uma fotografia inacreditavelmente bela e um roteiro recheado de envolventes nuances, Leone exibiu o seu vasto repertório fílmico ao extrair a tensão por trás de uma história de vingança e ambição, "assinando" uma verdadeira carta de amor a este clássico segmento. 

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Do Fundo do Baú (Aliens: O Resgate)

Uma reinterpretação anabolizada do clássico primeiro longa, Aliens: O Resgate é uma continuação exemplar. Sob a batuta do midas James Cameron (O Exterminador do Futuro, Titanic, Avatar), o segundo filme da franquia trouxe um novo ar para a série, substituindo o terror Sci-Fi pelo suspense de ação sem descaracterizar o conteúdo original. Mais do que ampliar o escopo da trama, o talentoso realizador mostrou o seu reconhecido virtuosismo ao resgatar alguns dos principais ingredientes de Alien: O Oitavo Passageiro (1978), entre eles a atmosfera claustrofóbica, o imersivo cenário espacial, a diversidade de personagens e a crítica envolvendo os interesses escusos das grandes corporações, os inserindo num contexto mais frenético e escapista. Uma roupagem tipicamente oitentista. O resultado é uma sequência com aura original, um filme explosivo que transformou a 'bad-ass' Ellen Ripley numa das personagens femininas mais influentes da cultura pop. 

sábado, 22 de abril de 2017

Do Fundo do Baú (Um Estranho no Ninho)

Um dos três* únicos filmes a levar para a casa as cinco principais estatuetas do Oscar, entre elas a de Melhor Filme e Direção, Um Estranho no Ninho (1975) é um drama com o selo de insanidade do extraordinário Jack Nicholson. Antes de brilhar na pele de um instável pai em O Iluminado (1980), como o icônico Coringa em Batman (1989), como um metódico vizinho em Melhor é Impossível (1997) e como um excêntrico mafioso em Os Infiltrados (2006), este inestimável nome do cinema americano abraça a loucura ao entregar uma das performances mais humanas da sua carreira. Sob a batuta do excelente Milos Forman, do épico musical Amadeus (1984), Nicholson enche a tela de energia ao dar vida a um homem capaz de enxergar toda a crueldade presente numa instituição para doentes mentais. Mais do que um grito de alerta envolvendo a maneira inacreditável com que os pacientes eram tratados na época, Um Estranho no Ninho é um longa sobre companheirismo e igualdade. Um relato comovente potencializado pelas extraordinárias atuações e pela honestidade com que aborda um tema tão delicado. 

segunda-feira, 6 de março de 2017

Do Fundo do Baú (A Escolha de Sofia)

Se você que entender os motivos que levaram a "superestimada" Meryl Streep a vinte indicações ao Oscar, assista A Escolha de Sofia (1982) e encontre as suas respostas. Numa incrível composição de personagem, ela nos brinda com uma figura doce e amargurada, uma mulher magnética que naturalmente segura as rédeas da densa obra do diretor Alan J. Pakula (Todos os Homens do Presidente). Por mais que as duas horas e meia de película soem exageradas, Streep dita o tom deste drama instigante e nebuloso, um longa intimista capaz de transitar por temas espinhosos com comedimento e elegância. Impulsionado pela revigorante performance do jovem Kevin Kline e pela comedida presença de Peter MacNicol, o realizador norte-americano impressiona ao mostrar pleno domínio sobre a sua narrativa, sobre as emoções dos seus personagens, realçando os elementos mais conflitantes ao construir um afetuoso e instável triângulo afetivo. 

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Do Fundo do Baú (A Princesa Prometida)

Responsável por dar um novo sentido para o desgastado gênero capa e espada, A Princesa Prometida (1987) esbanja irreverência ao transitar por um terreno quase sagrado em Hollywood. Numa mistura de Don Juan de Marco com Monthy Phyton, o longa dirigido por Rob Reiner (Isto é Spinal Tap) não se leva a sério por um segundo sequer ao satirizar um segmento quase esquecido, absorvendo o senso de descompromisso presente nas mais cultuadas produções oitentistas ao entregar uma obra recheada de personalidade. Fazendo um uso perspicaz dos estereótipos, o realizador norte-americano subverte a popular história da donzela indefesa ao investir em personagens marcantes, num texto afiado e na capacidade de rir da faceta mais brega deste envelhecido gênero. E como se não bastasse a impagável presença de Cary Elwes, hilário na pele de um herói desastrado e autoconfiante, A Princesa Prometida se revela ainda uma aventura tecnicamente expressiva, um filme imponente capaz de traduzir o teor mitológico presente na sua carismática premissa.