Poucos atores em atividade tem o
alcance dramático de Ben Foster. Isso é um fato. Reconhecido pelas suas
intensas performances, algumas indiscutivelmente viscerais, o expressivo ator
norte-americano construiu uma carreira recheada de pequenos grandes filmes.
Embora não tenha dado sorte quando decidiu se arriscar no universo ‘mainstream’,
ele tem se sentido muito à vontade no revigorado cinema ‘indie’,
encontrando nas mãos de cineastas autorais o tipo de papel desafiador que o
colocou entre os grandes da sua função na atualidade. Um status que, sabe lá o porquê,
ainda não se refletiu em Hollywood. Mesmo reconhecido pela crítica e por parte
do público, Ben Foster segue “relegado” a uma espécie de segundo escalão dentro
da indústria. O que, a meu ver, é um verdadeiro pecado, especialmente quando
nos deparamos com os seus magníficos últimos trabalhos, o drama familiar Leave no Trace (2018) e o realístico thriller Galveston (2018). Lançados diretamente
nos serviços de streaming no Brasil, os dois filmes até entraram no radar da
temporada de premiações, Foster chegou a ser tratado como um postulantes a
uma indicação, mas nada de muito concreto. Em constante amadurecimento enquanto
artista, ele mostrou nestas duas sólidas produções a sua face mais contida, elevando
o patamar da sua filmografia ao abraçar a fragilidade dos seus personagens, o
senso de humanidade dos dois longas. O tipo de excelência que só comprova a
minha tese que estamos diante do ator mais subestimado em Hollywood na
atualidade.
Um sentimento que, verdade seja
dita, não vem de hoje. Lá atrás, em 2013, eu já colocava Ben Foster entre os atores mais subestimados da sua geração naquele momento. Diante do elevado nível
dos seus últimos trabalhos, entretanto, é duro perceber que o seu status pouco
mudou desde então. Dono de uma presença ímpar, o que o transformou num grande
ladrão de cenas em projetos que não foram pensados para ele brilhar, Foster
começou como muitos na televisão. Após alguns trabalhos ainda jovens, ele estreou
na tela grande no final do século passado com o elogiado Ruas da Liberdade
(1999). Sob a batuta do experiente Barry Levinson, Foster deixou a sua marca e
conseguiu garantir novas chances em títulos como a comédia ‘teen’ Volta por
Cima (2001), o suspense ‘cult’ 11:14 (2003) e a subestimada adaptação de O
Justiceiro (2004). Foram os seus dois próximos projetos, porém, que me fizeram
enxergar o seu verdadeiro talento. No papel, Refém (2005) tinha tudo para ser
um filme B policial estrelado por um Bruce Willis no piloto automático. Um
derivado que nasceu para surfar na onda “claustrofóbica” do bem-sucedido O
Quarto do Pânico (2002). Uma abordagem requentada que, verdadeiramente, foi refrescada
pela insana performance de Ben Foster. Na pele de um perverso adolescente, ele
se transforma naturalmente no grande antagonista do longa, exibindo o seu
domínio sobre o ‘overacting’ em alguns dos mais nervosos momentos da produção. Uma
veia expansiva que se fez presente no seu trabalho seguinte, o desconcertante
Alpha Dog (2006). Num thriller inspirado em fatos, Foster, sob a batuta do
então promissor Nick Cassavetes, atraiu os holofotes ao viver o raivoso irmão
do protagonista (foto acima), um jovem amargurado disposto a tudo para encontrar o paradeiro
do sequestrado. Vociferando em cena, ele precisou de poucas sequências para se
destacar, explodindo sempre que necessário numa performance física digna dos
mais variados elogios.
Dois trabalhos que,
coincidentemente ou não, abriram as portas para a primeira megaprodução da sua
carreira, o desastrado X-Men: O Confronto Final (2006). O que era para ser a
sua chance de alçar voos mais altos, entretanto, se tornou uma frustração para Ben
Foster quando ele mais uma vez se viu relegado a posição de coadjuvante. No
caso o inexpressivo Anjo, um mutante com bem pouco a acrescentar à trama. Sem
espaço para brilhar aqui, Foster teve sorte melhor no projeto seguinte, o
excepcional (e subestimado) faroeste Os Indomáveis (2007). Dirigido por James
Mangold (Logan), o longa estrelado por Russel Crowe e Christian Bale deu a
chance que ele precisava para se destacar. E Foster não se intimidou. Mesmo
diante de nomes tão talentosos, o ator “engoliu” os seus parceiros de cena ao encarar
o verdadeiro antagonista da produção (foto acima), dando vida a um tipo instável, passional
e genuinamente ameaçador. Uma performance bem superior àquilo que o texto
parecia exigir do seu personagem. Nos anos seguintes, aliás, Ben Foster se acostumou
a elevar o nível das suas produções, entregando muito mais do que esperado em
títulos como 30 Dias de Noite (2007) e Assassino a Preço Fixo (2011). Neste
meio tempo, no entanto, o ator norte-americano conquistou o primeiro grande
papel da sua carreira enquanto protagonista no denso drama O Mensageiro (2009).
Indicado a duas estatuetas do Oscar, uma delas para o coadjuvante Woody
Harrelson, o longa dirigido por Oren Moverman investigou as feridas causadas
pela guerra do Afeganistão sob uma nova perspectiva ao narrar as desventuras de
dois militares obrigados a informar as famílias que seus filhos foram mortos em
território estrangeiro. Na pele de um novato na função, Foster exibiu o seu
lado mais contido ao interpretar um homem em crise moral após se envolver com
uma resignada viúva. Muito mais do que um romance em tempos turbulentos, o
drama é cuidadoso ao se debruçar sobre a dor dos seus personagens dentro de um
contexto particular, refletindo sobre a natureza da guerra, a família e a
perspectiva dos envolvidos com rara sutileza. Um baita filme!
Ao contrário do que costuma acontecer
com muitos, porém, a temporada de premiações não trouxe frutos para Ben Foster.
Embora reconhecido pelo público e pela indústria, ele seguiu sem espaço entre
os gigantes. Nos anos seguintes, na verdade, ele colecionou papéis menores em
produções periféricas. Foi assim no cult espacial Sequestro no Espaço (2009),
no drama 360 (2011), no policial Um Tira Acima da Lei (2011), no thriller
Contrabando (2012) e no suspense Versos de Um Crime (2012). Um status
incompatível com um ator que havia estrelado um drama recém-indicado ao Oscar.
O que, felizmente, nunca parece ter sido um problema para Foster. Em entrevista
recente ao The Playlist, ele admitiu que sempre esteve aberto a tudo,
principalmente quando a história lhe atrai. “Eu vou fazer teatro. Eu vou fazer
TV. Eu vou fazer um filme. Eu faria um maldito show de marionetes no
estacionamento se eu gostasse das pessoas com quem estou trabalhando. É tudo
sobre história e eu estou no jogo para qualquer coisa. ”, disse o ator se
referindo a possibilidade de atuar em outras mídias e também em produções
menores. Por mais que nunca tenha fechado as portas para o mercado blockbuster,
nos últimos anos ele participou de projetos como o impactante O Grande Herói
(2013), o subestimado Horas Decisivas (2016), o incompreendido Warcraft (2016)
e o esquecível Inferno (2016), ao que parece Foster decidiu dar prioridade aos
projetos mais independentes. O que, de fato, explica a subida do nível de
qualidade dos seus últimos trabalhos. A começar pelo extraordinário A Qualquer Custo (2016). Livre das amarras do ‘mainstream’, o talentoso diretor David
Mackenzie reuniu um elenco de peso para contar a jornada de dois irmãos vítimas
do sistema (foto acima) obrigados a fazer de tudo para recuperar o rancho da sua família.
Dividindo a tela com o igualmente talentoso Chris Pine, Foster causou um misto
de sensações ao criar um personagem único, um anti-herói com tendências sociopatas
incapaz de enxergar o quão tênue pode ser a linha que separa a justiça da
vingança. Um trabalho memorável que, merecidamente, rendeu a Foster o Spirit
Award (o Oscar do cinema ‘indie’) de Melhor Ator Coadjuvante.
Faltava a Ben Foster, porém,
assumir o protagonismo das suas produções. Após (mais uma vez) roubar a cena em
uma participação pontual no competente western revisionista Hostis (2017), o
ator decidiu redefinir o patamar da sua carreira por conta própria ao estrelar
o drama familiar Leave no Trace (Sem Rastros, no Brasil). Dando vida a um tipo
novo em sua filmografia, um errático pai de família disposto a criar a sua
filha longe do tumultuado estilo de vida urbano, Foster abraçou a complexidade
do seu personagem com louvor, reforçando o potencial dramático da obra ao
tornar tudo o mais intenso possível. Sob a sensível batuta de Debra Ganik, do
igualmente denso Inverno da Alma (2010), o ator entregou uma atuação de uma
introspecção absurda, fazendo jus a qualidade do texto ao nos permitir enxergar
o sofrimento de um homem quebrado pela guerra. Dividindo a tela com a
promissora Thomasin McKenzie (foto acima), numa performance igualmente primorosa, Foster viu
o filme ser lançado e aclamado em festivais como Sundance e Cannes, o que
causou certa esperança quanto ao futuro da obra. Infelizmente, no entanto,
Leave no Trace não conquistou dentro da indústria o sucesso conseguido junto à
crítica. Esnobado na temporada das grandes premiações, esta pequena pérola
ganhou um lançamento reduzido ao redor do mundo e só não caiu no esquecimento
graças ao fortalecimento dos serviços de streaming. Algo semelhante, aliás,
aconteceu com o mais recente trabalho de Foster, o corajoso Galveston. Outra
vez na pele de uma improvável figura paterna, o ator, que se tornou pai na vida
em real em 2017, emplacou uma nova performance memorável ao interpretar um criminoso
em fuga relutante em abandonar uma jovem prostituta que cruzou o seu caminho. Conduzido
pela também atriz Melánie Laurent (Bastardos Inglórios), Foster, ao lado da
força da natureza chamada Elle Fanning (foto abaixo), entrega uma película de difícil
digestão, um thriller dramático robusto, com lampejos de visceralidade, que não
parece interessado em iludir o seu público. Uma produção totalmente subestimada
que, como de costume na carreira do ator norte-americano, passou longe de
conquistar a atenção merecida.
Um daqueles raros atores que,
como bem definiu o crítico Matt Zoller Seits, do site Roger Ebert, fazem um
filme ruim valer a pena, Ben Foster é um caso que merece ser melhor estudado. Embora
um grande realizador não precise necessariamente se tornar uma estrela do
cinema (ou ganhar prêmios) para prosperar, é complicado perceber que, no ano em
que um empolgado Rami Malek ganhou o Oscar, o SAG e o Globo de Ouro de Melhor
Atuação pelo seu esforçado trabalho no questionável Bohemian Rhapsody, uma
performance tão profunda quanto a de Foster em Leave no Trace foi sumariamente esnobada.
Tem algo muito errado nisso. Menos mal que, reconhecido por Hollywood ou não,
ele segue enfileirando performances de rara intensidade, escrevendo a sua
particular história sem depender dos holofotes do sucesso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário