sexta-feira, 10 de julho de 2020

Crítica | The Old Guard

Quem vive para sempre?


Filmes com protagonistas ‘overpower’ costumam ser sempre desafiadores para os roteiristas. Neles é bem mais difícil trabalhar elementos básicos dentro do gênero, como a construção da atmosfera de perigo e a identificação público\personagem. A invulnerabilidade tende a torná-los menos humanos. O que, felizmente, não acontece em The Old Guard. Com um óbvio potencial de franquia, a produção original Netflix acerta naquilo que costuma ser um grande empecilho.

A partir de uma mitologia própria e instigante, o thriller de ação estrelado por uma imparável Charlize Theron é inteligente ao enxergar o preço da imortalidade. Sob a esperta batuta de Gina Prince-Bythewood, The Old Guard consegue (ainda que superficialmente) notar o viés dramático escondido no plot. Baseado na graphic novel homônima do também roteirista Greg Rucka, o argumento troca a vulnerabilidade física pela emocional. O grupo de guerreiros imortais liderado pela ‘badass’ Andy (Charlize Theron) se manteve imune a qualquer tipo de violência por milênios, mas não às sequelas do prolongamento da vida. Com uma abordagem dinâmica e intuitiva, Prince-Bythewood é cuidadosa ao humanizar os seus protagonistas. Após um primeiro ato um tanto impessoal, o filme cresce à medida que o roteiro investiga o passado deles, os segredos em torno desta condição especial e os obstáculos que eles tiveram que enfrentar pelo caminho.


The Old Guard é perspicaz ao valorizar o contexto histórico, ao construir o elo a partir da perversidade humana enfrentada pelo quarteto ao longo dos tempos. Além de sólido, o elemento trágico no passado de Andy e Booker (Matthias Schoenaerts) ajuda a reinterpretar a real situação deles. A vida eterna pode ser desgastante, entediante e também torturante. O perigo assume uma forma dilacerante. A interação entre os guerreiros da tal velha guarda reflete muito isso. Tudo o que eles têm são uns aos outros. Sozinhos eles estão mais vulneráveis. Gina Prince-Bythewood, nas entrelinhas, flerta até com o niilismo. Após tantas guerras infrutíferas, eles só queriam existir em liberdade. Sem motivações, sem crenças, sem qualquer apreço pela humanidade. Isso até a descoberta de uma nova imortal, a corajosa Niles (Kiki Lane). A cineasta foca na empatia. É ela que catalisa a trama. Que os revigora. Que os humaniza. 


Nos momentos em que se distancia do entrosado grupo de imortais, no entanto, The Old Guard se rende ao convencional. Mesmo com personagens sólidos em mãos, vide o agente da CIA vivido pelo talentoso Chiwetel Ejiofor, o roteiro abraça o maniqueísmo barato no que diz respeito ao antagonismo. Por mais que as motivações genética sejam interessantes, Prince-Bythewood sacrifica a complexidade ao torná-los meros vilões imorais. O que, numa época de negação a ciência, se revela até um pouco inconsequente. Além disso, apesar da intrigante mitologia, as duas horas de duração soam um tanto exageradas, o que ajuda a explicar as perceptíveis oscilações no que diz respeito ao ritmo.


Se falta fôlego ao por vezes expositivo script, o mesmo não podemos dizer das competentes sequências de ação. Guiada pela assombrosa fisicalidade de Charlize Theron, Gina Prynce-Bythewood transita do fantástico para o urbano com categoria. Os combates são táticos e agressivos. Um senso de letalidade potencializado pelas expressivas coreografias de luta (a cena do avião é empolgante) e pelo pulso imagético da diretora. A ação, embora feroz, nunca soa confusa ou desordenada aos olhos do público. Com uma trilha sonora um tanto deslocada e um roteiro previsível ao subaproveitar o potencial dramático dos seus personagens, The Old Guard se sustenta no senso de humanidade da premissa, na sua particular mitologia e (claro!) no star power desta atriz maravilhosa chamada Charlize Theron. 

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