domingo, 29 de dezembro de 2019

Dez Grandes Surpresas Cinematográficas de 2019


Sem medo de errar, 2019 nos presenteou com uma das melhores safras cinematográficas da década. Foram tantos grandes longas, tantos projetos de qualidade, que fica até difícil preparar as sempre muito aguardadas listas de fim de ano. Antes de revelar o meu Top 10 com os Melhores Filmes, porém, é legal dar espaço as surpresas do ano. Ao tipo de produção que chegou sem causar alvoroço, que sequer estava no radar do grande público, mas que contornou as baixas expectativas para deixar o seu nome marcado. Quer dizer, pelo menos no ponto de vista deste que aqui escreve. Sem obedecer nenhuma grande regra, conheça a minha lista com dez (e mais algumas) das grandes surpresas cinematográficas lançadas no Brasil em 2019. Tem sucesso de público, tem blockbuster subestimado, tem indicado ao Oscar, tem filme aclamado (e detonado) pela crítica, tem aqueles que pouca gente viu e também aqueles que merecem um lugar ao sol. Enfim, tem filme para todos os gostos e (melhor) já disponíveis nas principais plataformas de streaming. Dito isso, começamos com...

- Bacurau (Onde Assistir: Google Play, Looke)


Alguns filmes estão interessados em propor um diálogo. Outros em passar a sua mensagem. Custe o que custar. Bacurau é o mais novo representante desta lista. Sem um pingo de condescendência, o longa dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles busca em símbolos tipicamente brasileiros a força motriz para tirar do papel um sonoro e agressivo grito de resistência em prol dos esquecidos. Com um pé no Western e outro no Horror Social, o filme usa a violência como um inclemente instrumento de reflexão, indo além do choque pelo choque ao tratar o banho de sangue como uma resposta à altura dos oprimidos. Daqueles que, após anos lutando por dignidade e igualdade, resolvem se insurgir contra alguns velhos e reconhecíveis fantasmas. A morte, aqui, sugere defesa, mas também revolta, raiva, dor... Bacurau, concorde ou não com a sua mensagem final, responde na mesma moeda a fim de reequilibrar uma ingrata balança desnivelada pela ausência do estado, pela desigualdade, pela falta de oportunidades e pela repressão. Leia a crítica completa aqui.

- Os Aeronautas (Onde Assistir: Amazon Prime Video)


Um dos filmes mais subestimados de 2019, Os Aeronautas é uma experiência cinematográfica ímpar. Disposto a capturar os perigos em torno dos intrépidos voos de balão a gás no século XIX, o diretor Tom Harper coloca o espectador dentro do cesto numa viagem científica rumo ao desconhecido. Estamos diante de uma obra capaz de causar o tipo de angústia genuína que tem andado tanto em falta no cinema. Usando e abusando dos ângulos vertiginosos, dos planos panorâmicos e do precioso CGI, Harper extrai o máximo no aspecto sensorial ao traduzir as emoções dos seus personagens. O misto de encantamento, coragem, medo, desespero e principalmente a noção de perigo constante. Por mais que o recurso do flashback (usado em demasia) disperse parte da tensão das enervantes sequências aéreas, o cineasta compensa ao se mover pelo limitado cenário principal (o balão) com fluidez, um extraordinário senso de profundidade e enquadramentos sempre imagéticos. Nem só de desespero e situações atordoantes, na verdade, vive Os Aeronautas. Harper é virtuoso ao capturar também a beleza dos voos. Ao trabalhar elementos como a iluminação das cenas, os efeitos da natureza e o impacto da atmosfera nos seus personagens. A luminosa fotografia em tons dourados de George Steel consegue colocar o público dentro do balão ora nestas passagens mais fascinantes, ora nos momentos em que o caos é inevitável. O tipo de filme que você assiste na ponta da cadeira. Ou afundado nela, dependendo da sua reação. É bom frisar, porém, que Os Aeronautas não funciona somente graças ao visual. Embora o argumento seja montado numa estrutura tradicionalista, Harper compensa ao subverter a ordem dos fatos. A expedição exposta no filme realmente aconteceu, mas guiada por Henry Tracy Coxwell e James Glaisher. Numa bem-vinda liberdade poética, porém, o realizador atualiza a natureza da trama ao criar uma protagonista mulher e homenagear através dela os feitos de algumas aeronautas da época. Inspirado em personalidades como Margaret Graham e Sophie Blanchard, Harper foge do lugar comum ao enxergar a oportunidade de ir além e, mesmo que nas entrelinhas, falar sobre machismo, empoderamento e os obstáculos impostos a tantas mulheres. O resultado não poderia ser mais certeiro. Amelia Wren é o coração da obra, uma personagem intrépida e com voz de comando interpretada com energia por Felicity Jones. Por mais que Eddie Redmayne esteja bem e a química entre os dois seja óbvia, a atriz convence como uma aeronauta destemida, extravagante e ao mesmo tempo traumatizada, elevando o nível do arco central ao dar um novo sentido a mensagem final da obra. Com uma direção de arte caprichadíssima, Os Aeronautas provoca um misto de sensações ao valorizar o aspecto vertiginoso da premissa sem sacrificar o elemento humano.

- Meu Nome é Dolemite (Onde Assistir: Netflix)


Se tem uma coisa que Hollywood curte é o bom e velho ‘comeback’. A popular volta por cima. Quantos títulos foram produzidos sobre potenciais fracassos que se tornaram sucessos? Sobre os “vira-latas” que na base da superação chegaram ao topo contra tudo e contra todos? Inúmeros. Na música, no mundo dos negócios e (claro!) no cinema. Há pouco menos de dois anos, por exemplo, vimos um dos piores filmes já produzidos (o cult The Room) ser redimensionado aos olhos do ‘mainstream’ no aclamado O Artista do Desastre (2017). A indústria do entretenimento gosta de falar sobre os seus ‘cases’ mais inusitados tanto quanto as suas maiores estrelas. Algo que vemos mais uma vez no irreverente Meu Nome é Dolemite. Muito mais do que uma cinebiografia padrão, o longa dirigido por Craig Brewer (Ritmo de um Sonho) supera todas as expectativas ao usar o ponto de vista do seu resiliente biografado na construção de um relato efervescente sobre o blaxploitation. Indo muito além da “casca” trash e pretensamente vulgar para muitos, o realizador invade os bastidores de uma das produções mais rentáveis deste período com um olhar atento para a representatividade daquele movimento, refletindo sobre empoderamento e a identidade afro-americana numa comédia dramática enérgica, engraçada e ao mesmo tempo consciente do impacto cultural de uma figura como Billy Ray Moore. Uma produção com inúmeros predicados estéticos e narrativos, mas cujo a alma reside na elétrica presença de Eddie Murphy, magnífico ao capturar a extravagância deste período com a seriedade que o tema (e por consequência o filme) pedia. Leia crítica completa aqui.

- Todos Já Sabem (Onde Assistir: Amazon Prime Video)


O melhor thriller de sequestro desde Os Suspeitos (2013), Todos Já Sabem é o tipo de produção que entrega bem mais do que dela se espera. Reconhecido mundialmente pela complexidade dos seus filmes, Asghard Fahardi (O Apartamento, A Separação) opta por se distanciar gradativamente do viés ‘whodunnit’ ao transformar o desparecimento de uma adolescente no agente catalisador para a construção de um duelo de classes dentro de complexo um núcleo familiar. Com um elenco de primeira em mãos, Javier Bardem, Penelope Cruz, Ricardo Darin e Bárbara Lennie enchem a tela de intensidade, o cineasta iraniano capricha no drama ao construir um ‘plot’ que não precisa se sustentar no clima de mistério. Muito pelo contrário. O sumiço desencadeia dúvidas, velhas feridas, rixas históricas, conflitos bem íntimos. Nas entrelinhas Fahardi é inteligente ao usar os seus profundos personagens para refletir sobre a desigualdade, a decadência da “nobreza” local, o desprezo da elite, os efeitos da crise econômica. Tudo conspira não só para o desenvolvimento do drama, mas principalmente para a construção do clima de desconfiança. As dúvidas, aqui, recaem sobre os personagens com naturalidade. As feridas são reais e reconhecíveis. Como de costume na sua filmografia, aliás, Fahardi convida o público a participar da investigação, nos oferece o bastante para que possamos criar\desfazer suspeitas, se concentrando nas motivações ao tornar tudo sempre muito plausível. Em nenhum momento o diretor joga sujo com o público. O resultado é um clímax realisticamente sucinto, um desfecho sóbrio com a assinatura de um realizador com um forte senso de consequência. No fim, o sequestro está longe de ser o principal problema desta família.

- Dois Papas (Onde Assitir: Netflix)


Em tempos de tamanha polarização, Dois Papas promove algo por si só revigorante: coloca dois homens totalmente distintos frente a frente e os ouve. Sem julgamentos. Sem condescendência. Sem reduzir as suas respectivas visões de mundo. Usando a realidade como um inteligente instrumento de ficção, o longa dirigido por Fernando Meirelles causa um fascínio natural ao tratar o diálogo como uma ponte reveladora entre duas almas separadas por um poderoso título. Por mais que a produção original Netflix não se furte em mergulhar nos bastidores da turbulenta transição entre os papas Bento XVI e Francisco, o realizador brasileiro é astuto ao deixar o mais alto cargo dentro da Igreja Católica em segundo plano. Com um olhar humano sobre os fatos e os seus personagens, Meirelles invade a intimidade destes dois clérigos a fim de os desvendar perante o público, entender os seus medos, frustrações, culpas e a realidade que os cercava. O resultado é um drama “semibiográfico” honesto e político que foge do lugar comum religioso ao se encantar muito mais pela face mundana dos bispos do que propriamente pela santidade do que eles representam. Um filme para Católicos, Cristãos, ateus e qualquer um que goste de um grande filme\história. Leia a minha crítica completa aqui.

- Fora de Série (Onde Asssitir: Looke, Microsoft Store, ITunes)


Um demolidor de rótulos, Fora de Série causa um encantamento natural (e praticamente instantâneo) ao se apropriar das convenções de gênero dos filmes de formatura com extrema autenticidade. Muito mais do que uma versão feminina de Superbad: É Hoje (2008), o surpreendente longa dirigido por Olivia Wilde reflete sobre este tradicional rito de passagem com um irreverente olhar feminino sobre o tema. Fazendo um brilhante uso do elemento satírico, o exagero proposto pelo inteligentíssimo roteiro assinado por Emily Halpern, Sarah Haskins, Susanna Fogel e Katie Silberman só ajuda a potencializar os dilemas de duas estudiosas amigas que aos 45 minutos do segundo tempo descobrem que aproveitaram bem pouco do ensino médio. Com muito a dizer sobre os anseios da juventude atual, o longa renega a toxicidade do gênero ‘high school’ ao, por trás das memoráveis gags e do show de absurdos, enxergar a verdade dos seus carismáticos personagens. Consciente de que ninguém merece ser reduzido a um arquétipo, Wilde mergulha nesta complexa fase da vida de peito aberto, indo muito além da casca ao defender o efeito revelador que algumas experiências podem ter na nossa formação. Leia a crítica completa aqui.

- Corações Batendo Alto (Onde Assistir: Telecine)


São por filmes assim que mantenho esse pequeno blog em atividade. Em meio ao frenesi das cada vez mais imponentes produções, está cada vez mais difícil assistir no cinema obras espontâneas, despretensiosas, honestas em sua proposta. Quem lê os meus posts por aqui sabe que eu sou um entusiasta dos grandes blockbusters, do escapismo, do senso épico dos filmes de super-heróis, da magia das produções Disney, da releitura de verdadeiros clássicos. É triste ver, entretanto, que diante do apetite voraz da indústria pelo lucro fácil, a autenticidade tem se perdido pelo caminho. Tem ficado reduzida ao revigorante e seleto mercado ‘indie’. Uma corrente que, felizmente, tem encontrado uma limitada, mas audível voz nos serviços de streaming. O que fica bem claro quando nos deparamos com esta pequena pérola chamada Corações Batendo Alto. Lançado diretamente no mercado doméstico no Brasil, o longa dirigido pelo promissor Brett Haley (do ótimo O Herói) comove ao imprimir em cada diálogo e em cada cena um grau de sinceridade reconfortante. A partir de uma premissa amplamente explorada pelo gênero, o duro processo de transição da adolescência para a vida adulta, o realizador é criativo ao propor um cativante choque geracional entre um pai sonhador e a sua prática filha, usando a música como uma espécie de agente catalisador ao defender que algumas mudanças são irremediáveis. O resultado é uma obra intimista, um drama familiar vibrante, com atuações fortes, uma direção sensível e uma abordagem verdadeira que tem muito a dizer sobre esta dura fase da vida. Leia a crítica completa aqui

- Maus Momentos No Hotel Royale (Onde Assistir: Telecine Play)


Logo que saiu o magnífico primeiro trailer de Maus Momentos no Hotel Royale, a minha impressão foi instantânea: estava diante de um dos grandes ‘hits’ cinematográficos de 2018. Tudo nele parecia excelente. O imponente elenco. A instigante premissa. A singular aura setentista. Somado a isso, o longa trazia consigo a marca Drew Goddard, um realizador que, embora com poucos trabalhos, causou frisson junto ao público com títulos como Cloverfield: O Monstro, o cultuado O Segredo da Cabana e o memorável Perdido em Marte. Em outras palavras, um projeto que nasceu cercado de expectativas. Aconteceu com Maus Momentos no Hotel Royale, porém, algo capaz de causar arrepios na espinha de qualquer produtor. O filme não foi destruído pela crítica, nem tão pouco detonado pelo público. Pior! Ele simplesmente não foi assistido. Numa conjunção de fatores que geralmente acometem os ‘cult movies’, a película passou pelas salas de cinemas estadunidenses com uma velocidade incomum para o tamanho dos nomes envolvidos na obra. Eclipsado pelo lançamento de dois dos maiores sucessos de público do ano passado, o lucrativo Venom e o laureado Nasce Uma Estrela, o thriller rendeu parcos US$ 17 mi nos EUA, um desempenho que abreviou qualquer chance da fita prosperar ao redor do mundo. Pior para os fãs do gênero. Lançado diretamente via streaming no Brasil, Maus Momentos no Hotel Royale é uma daquelas produções criminosamente subestimadas. Mais uma vez brincando com as expectativas do público, Goddard provoca ao investir numa obra tensa, charmosa e indiscutivelmente intrigante. Um jogo de gato e rato insinuante que se revela também inesperadamente denso e contextualizado. O amadurecimento de um diretor que, no seu segundo grande projeto, decidiu não reduzir tudo ao fator surpresa. Leia a crítica completa aqui.

- Oitava Série (Onde Assistir: HBO Go)


Um retrato definitivo sobre os anseios, incoerências e frustrações das novíssimas gerações, Oitava Série é o tipo de filme que deveria fazer parte do currículo escolar tamanho o grau de verossimilhança com que aborda o tema proposto. Sob uma perspectiva quase naturalista, o aclamado longa dirigido por Bo Burnham causa um misto de sensações ao narrar as desventuras de uma introspectiva jovem disposta a, na última semana do Ensino Fundamental, colocar em prática as lições dos seus pueris vídeos de autoajuda. Embora situado numa realidade bem atual, um ambiente de conexões afetivas frágeis regido por redes sociais e pelo “colorido” mundo do Instagram, é muito fácil para qualquer um se identificar com a figura de Kayla (Elsie Fisher). Reconhecer os seus conflitos. As gerações podem mudar, o contexto pode mudar, mas, no fim, as expectativas e medos em torno da juventude não costumam ser tão diferentes assim. Sem medo de pesar a mão, o realizador causa um choque natural ao traduzir o vazio em torno da vida dos jovens aqui mostrados, adolescentes de 13\14 anos dispersos, fúteis e incapazes de terem uma interação social mais real. Por mais que, obviamente, Burnham peque pelo exagero, as intenções não deixam de ser justas, principalmente quando percebemos os perigos em torno de tamanho distanciamento. Os laços soam propositalmente falsos. Um ambiente hostil potencializado pela primorosa performance de Elsie Fisher. Não sei qual o grau de semelhança entre a identidade da protagonista e da sua personagem, mas, ao longo das envolventes 1h e 30 min de película, a impressão que fica é que estamos diante de uma não atriz. Elsie anda como uma jovem introspectiva, age e reage como tal. Por mais que a estilosa condução de Burnham torne tudo vistoso aos olhos do público, a fotografia de Andrew Wehde, em especial, faz um primoroso uso da iluminação dos objetos cênicos (celular, laptops) para realçar as expressões da adolescente, Oitava Série não parece interessado em investir em filtros. A realidade, aqui, é factível. Kayla tem espinhas, é irritante em alguns momentos, solitária em outros. E, no final das contas, ela segue sendo ela. Não existem grandes lições, nem tão pouco grandes mudanças. Tudo não passa de uma das mais complicadas fases das nossas vidas. 

- Cafarnaum (Onde Assistir: Google Play)


Escrever sobre Cafarnaum é algo muito difícil. Estamos diante de uma obra que fala por si só. Um filme enfático. Corajoso. Com um viés crítico implacável. Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, o longa dirigido por Nadine Labaki invade a realidade dos marginalizados ao escancarar as mais profundas feridas causadas pela desigualdade social. Consciente da sua responsabilidade enquanto porta-voz das mais inocentes vítimas da marginalização, as crianças, a realizadora libanesa desconcerta ao imprimir em tela uma realidade universal, desoladora, um retrato doloroso sobre um jovem astuto disposto a processar os seus país na justiça por negligência parental. Com a propriedade necessária para questionar o círculo vicioso por trás da situação do protagonista, Labaki se insurge contra o abandono familiar\estatal sem um pingo de condescendência, provocando reações conflitantes ao expor sob a desprotegida perspectiva infantil o quão perversa pode ser a vida. Um verdadeiro manifesto em prol dos esquecidos (crianças, imigrantes ilegais, marginalizados), Cafarnaum impacta ao propor um choque de realidade urgente, incisivo e indiscutivelmente pesado. Com personagens de uma complexidade ímpar e um elenco recheado de não atores, o que, diga-se de passagem, explica o nível de sinceridade impresso em tela, a realizadora entrega um filme para todos os públicos, uma obra acessível, universal e dinâmica que merece ser tratada como um silencioso pedido de ajuda. Leia a crítica completa aqui.

Menções Honrosas

- Wi-Fi Ralph (Onde Assistir: Amazon Prime Video)


Wifi-Ralph é o que eu chamo de uma continuação corajosa. Mais do que simplesmente expandir o universo do original, uma estratégia comumente explorada em títulos do gênero, o longa dirigido por Phil Johnston e Rich Moore quebra as expectativas do público ao usar a internet como um verdadeiro agente catalisador da história. Ao contrário do divertidíssimo primeiro longa, ambientado numa nostálgica loja de fliperamas, WiFi-Ralph amplia as suas fronteiras ao “invadir” o mundo do World Wide Web. Curiosamente, no entanto, a dupla de realizadores usa o expansivo cenário para se concentrar ainda mais na intimidade dos protagonistas, os amigos Ralph (John C. Reilly) e Venellope (Sarah Silverman). Por trás das inúmeras referências pop, a “internet” é transformada com perspicácia num gigantesco parque temático repleto de gigantescos prédios, carros voadores, avatares, ícones e spams, Johnston e Moore enxergam a oportunidade para tecer um inteligente comentário sobre a toxicidade nos relacionamentos\ambientes virtuais. Cansada da mesmice, Venellope encontra num violento jogo de corrida, um game de mundo aberto do tipo GTA, a chance de “correr em novas pistas”. Algo que, naturalmente, ameaça o estreito elo entre ela e o bonachão Ralph. Mesmo sob uma óptica lúdica, os diretores fogem do lugar comum ao expor o pior desta relação. Wifi-Ralph é astuto ao tocar em temas como o ciúme, a possessividade, o medo de perder, o egoísmo. É legal ver como, em meio a questões um tanto quanto reconhecíveis, os cineastas se arriscam ao renegar algumas convenções do gênero. Nem tudo é motivo para piada aqui. O senso de aventura é menos escapista do que o original. E, para a minha surpresa, o longa é audacioso ao dispensar a figura de um antagonista clássico. O que faz todo o sentido. Por mais que não seja tão engraçado\empolgante quanto o original, WiFi-Ralph compensa ao nos brindar com uma jornada cativante por um “universo” mais atual. Uma aventura repleta de referências (as Princesas da Disney são a cereja do bolo), com uma dinâmica própria, conflitos densos, personagens outra vez cativantes e uma série de espertos comentários sobre o efêmero mundo da Internet.

- Klaus (Onde Assistir: Netflix)


E um dos filmes mais políticos do ano é... Klaus. Muito mais do que uma animação natalina, o longa dirigido por Sergio Pablos conseguiu atualizar o teor edificante dos títulos do gênero ao sugerir um cenário totalmente reconhecível. Por mais que o longa funcione enquanto uma aventura lúdica, impressiona a capacidade do argumento em enxergar a oportunidade de ir além. A mensagem de união natalina poucas vezes foi explorada dentro de um contexto tão real e urgente. Com personagens marcantes, um senso de humor inteligente e um visual autêntico, Pablos nos leva para uma pequena ilha destruída pela polarização. Com as duas principais famílias da região em pé de guerra, um relapso carteiro se vê obrigado a encontrar um elo entre os dois lados para conseguir alcançar uma audaciosa meta. Neste mundo em que extremistas se alimentam da polarização, da ignorância e da violência para se perpetuarem no poder, Jesper encontra na figura de um fabricante de brinquedos a oportunidade de conquistar ao menos a criançada, iniciando um movimento capaz de mudar o ‘status quo’ deste vilarejo. Mesmo sem renegar clássicos símbolos natalinos, Sérgio Pablos é astuto tocar em temas atuais, refletindo sobre os perigos em torno da polarização e da falta de diálogo com inteligência, objetiva e um genuíno viés social. Neste lugar em que escolas viram peixarias, em que a lei do mais forte fala mais alto, em que o isolamento\fuga é a única alternativa, Klaus é enfático ao se insurgir contra este reconhecível ‘modus operandi’, nos presenteando com uma preciosa mensagem de união. E, além disso, um belo e comovente filme natalino.

- Obsessão (Onde Assistir: Amazon Prime Video)


Quem disse que uma mesma história não pode ser contada várias vezes? No papel, Obsessão pode até se revelar o tipo de produção que nasce uma sensação de já vi isso antes. Bastam alguns poucos minutos de projeção, entretanto, para percebermos que estamos diante de uma obra com algo a acrescentar. Conduzido com elegância pelo talentoso diretor Neil Jordan (Entrevista com Vampiro), o longa se apropria de um ‘plot’ requentado com sofisticação, conseguindo angustiar sem sacrificar a beleza estética num thriller com uma forte veia clássica. Um jogo de gato e rato instigante que, graças a assinatura perspicaz do cineasta, combinada com as soberbas performances de Isabelle Huppert e Chloe Grace Moretz, compensa a previsibilidade narrativa com estilo, tensão e refinamento. Leia a crítica completa aqui.

- Um Ladrão com Estilo (Onde Assistir: Telecine Play)




Toda jornada precisa ter um fim. E, caso seja verdade (eu espero que não), Um Ladrão com Estilo seria um baita desfecho para uma carreira tão singular como a de Robert Redford. Vendido como o último filme do legendário ator antes da sua aposentadoria, o longa dirigido pelo talentoso David Lowery resgata o símbolo masculino que o ator ajudou a criar num dos filmes mais charmosos dos últimos anos. Inspirado numa inacreditável história real, Redford reflete sobre o amor pela sua profissão sob a óptica de um assaltante de bancos septuagenário que durante os anos 1970 e 1980 ficou conhecido por uma série de roubos e uma dezena de fugas bem-sucedidas da prisão. Com uma textura genuinamente setentista, Lowery esbanja delicadeza ao analisar a chama que movia esta curiosa figura, criando um claro paralelo entre ator e biografado num retrato ao mesmo tempo enérgico e melancólico. Leia a crítica completa aqui.

- Riqueza Tóxica (Onde Assistir: Netflix)



Um dos filmes mais originais do ano, Riqueza Tóxica transita por inúmeros gêneros com energia, ousadia e muito estilo. Recebido com entusiasmo no descolado festival SXSW, o longa dirigido pela promissora dupla Christopher Caldwell e Zeek Earl esbanja criatividade ao misturar elementos reconhecíveis aos olhos do fã de cultura pop, revigorando o universo das ‘space-operas’ numa produção pequena em tamanho, mas gigante em sua proposta. Um filme visualmente poderoso e narrativamente denso capaz de causar um misto de tensão e fascínio ao narrar as desventuras de um ambicioso pai e a sua resiliente filha em um inóspito planeta inabitável. Com uma mitologia própria e muitas virtudes estéticas\narrativas, o longa deixa no fim um sentimento de surpresa. Uma sensação não só devido a qualidade do material apresentado, mas principalmente pela ambição do projeto. Sem temer as limitações orçamentárias que, sendo bem sincero, em momento algum soam perceptíveis, os realizadores entregam um thriller espacial robusto e autoral, um daqueles filmes capazes de mudar o rumo de uma carreira. Leia a crítica completa aqui.

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