sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Crítca | Chemical Hearts

Vivendo e aprendendo

Qual a semelhança entre os romances geracionais Quase 18 (2016), Lady Bird (2017), Com Amor, Simon (2018), Por Lugares Incríveis (2020) e agora A Química que Há Entre Nós (2020)? Além de serem belos filmes, todos acertaram em cheio no ‘casting’. Os ‘coming of age movies’ dependem demais do elenco. Uma escolha equivocada e o espelho da realidade pode ser quebrado. Mais do que se apaixonar pelos protagonistas, o público (independentemente da idade) precisa se identificar com eles. A aparência importa menos que a verdade impressa em tela. Chemical Hearts (no original) acerta em cheio neste aspecto. Além de entrosadíssimos em cena, os talentosos Austin Abrams e Lili Reinhart capturam a angústia juvenil com ímpeto num drama sobre as cicatrizes que moldam a nossa jornada.


Sob a delicada batuta de Richard Tanne, a produção Amazon Studios cativa ao encontrar a voz dos seus reconhecíveis personagens. O romance entre um adolescente aspirante à escritor e uma jovem com um passado trágico cresce à medida que o argumento deixa de “tentar seduzir” o público com referências literárias vazias e uma construção romantizada dos protagonistas. O melhor de Henry e Grace está na imperfeição. Nas contradições que unem os dois. Ele quer mostrar a sua visão de mundo, mas a sua realidade é oca e desestimulante. Ela quer construir uma nova vida, mas não consegue se desapegar do que ficou para trás. O cineasta é cuidadoso ao, após um início um tanto clichê, investigar com peso e verossimilhança o turbilhão de sentimentos em torno do casal. As descobertas, os medos, as frustrações e principalmente a incerteza que cerca este delicado processo de transição.

Embora siga uma cartilha reconhecível dentro do segmento, Chemical Hearts é inteligente ao se apropriar dos traumas de Grace com naturalidade. Ou seja, sem sacrificar a universalidade da obra e nem tão pouco a fluidez do texto. Com enorme sutileza visual, a imersiva fotografia em tons de sépia envolve os personagens com uma gentileza quase protetora, o longa rompe com o fatalismo romântico ao tratar os altos e baixos de uma relação como parte de uma metamorfose. Uma transformação biológica e também pessoal. Bem introduzido, o elemento químico revelado no título ganha um sentido ora realmente científico, ora poético. O que dialoga com o universo dos personagens. Uma jornada de aprendizado mútua conduzida com sutileza pela dupla Austin Abrams e Lili Reinhart. Eles conseguem absorver a vulnerabilidade dos seus respectivos personagens. Uma palavra mal colocada poderia abalar um elo frágil por natureza. Enquanto se concentra na revigorante dinâmica entre os dois, Tanner consegue extrair a verdade que um ‘coming of age movie’ precisa ter para conquistar.

Nos momentos em que se distancia deles, no entanto, a trama assume uma forma mais protocolar. Tudo que não diz respeito ao casal é desenvolvido com certa pressa ou basicamente subaproveitado. Como se o roteiro tentasse apenas preencher uma agenda desconstruída. O que, infelizmente, contrasta com a bonita cena final, uma ode ao poder da amizade num filme que “dispensa” os seus amigos. Nada que de maneira alguma ofusque a beleza de A Química Que Há Entre Nós. Uma obra que, ao ir além dos filtros descolados que invadiram este subgênero, realça a aflição juvenil diante de um mundo de novas sensações que nem o mais estudioso neurocientista é capaz de explicar.

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