sábado, 6 de maio de 2017

Top 10 (Fábulas Realísticas do Cinema)


Esnobado pelas distribuidoras nacionais, o extraordinário Sete Minutos Depois da Meia-Noite é uma pequena obra do cinema fabulesco. Dirigido pelo promissor J.A. Bayona (O Orfanato), o longa estrelado pelo jovem Lewis MacDougall comove ao narrar a jornada de um garoto que, diante da doença de sua mãe, encontra apoio numa criatura mágica disposta a ajuda-lo no momento mais difícil de sua vida. Fazendo um primoroso uso do teor fantástico, o talentoso realizador espanhol esconde numa premissa aparentemente requentada temas realmente espinhosos, falando sobre a morte e a dor da perda dentro de um contexto lúdico, honesto e acima de tudo intimista. Nos últimos anos, aliás, o tradicional gênero fabulesco vem ganhando novos representantes, filmes capazes de extrair o realismo por trás do fantástico. Após finalmente consegui assistir ao magnífico Sete Minutos Depois da Meia-Noite, leia a nossa crítica aqui, neste Top 10 resolvi fazer uma lista com outras dez ótimas fábulas realísticas. Como critério, além da qualidade, decidi me ater somente aos filmes no formato 'live action', já que o segmento é bem mais tradicional dentro do universo da animação. Dito isso, começamos com... 

10º Onde Vivem os Monstros (2009)


Inspirado no popular livro de Maurice Sendak, Onde Vivem os Monstros é uma fábula aventureira sobre os mistérios em torno do amadurecimento. Conduzido com um forte teor lúdico pelo diretor Spike Jonze, o longa transita por temas tipicamente juvenis ao acompanhar a jornada de um garoto hiperativo que busca refúgio num mundo livre povoado por indomáveis criaturas. Com um visual exuberante e levemente assustador, o realizador se distancia do teor infantil ao desvendar os dilemas mais íntimos do pequeno Max (Max Records). Ainda que o filme funcione enquanto fantasia, principalmente devido ao visual dos imponentes "monstros", o grande trunfo da película fica pela forma como o roteiro os utiliza para refletir sobre a solidão, os medos e a imaturidade do protagonista. Além disso, Jonze é habilidoso ao capturar o espírito lúdico\libertador da obra original, potencializado pela excelente trilha sonora e pelos cativantes efeitos práticos.

9º Dublê de Anjo (2006)


Talvez o título mais desconhecido da lista, Dublê de Anjo é um relato cativante e recheado de simbolismos sobre uma singela história de amizade. Dirigido pelo virtuoso Tarsem Singh (A Cela), o longa narra a jornada de um dublê (Lee Pace) que, após um acidente com as suas pernas, permanece internado sem a possibilidade de se mover. Lá ele conhece a simpática Alexandria (Catinca Untaru), uma sonhadora garotinha que dividia espaço com ele devido ao seu braço quebrado. Sem ter muito o que fazer, o dublê decide entretê-la com as suas magníficas histórias, expondo a sua faceta mais íntima através destas metafóricas alegorias. Com um visual estonteante e excelentes atuações, este longa aparentemente lúdico passeia por temas bem mais densos, entre eles a infidelidade, a depressão e o suicídio. Além disso, a relação de cumplicidade entre o dublê e a pequena Alexandria é excepcional, principalmente quando começamos a compreender os simbolismos por trás dos contos do enfermo e a maneira como ela se torna decisiva na resolução dos seus conflitos mais íntimos.

8º Babe - O Porquinho Atrapalhado (1998)


Da mente do visionário George Miller, o mesmo da franquia Mad Max, nasceu o excelente Babe um Porquinho Atrapalhado. Vencedor do Oscar na categoria Melhor Efeitos Visuais, o longa surpreendeu o mundo do cinema ao conseguir uma indicação ao prêmio de Melhor Filme. E isso na época em que apenas cinco representantes eram selecionados. Dirigido por Chris Noonan, o longa narra a história de um porquinho criado por um rebanho de ovelhas que, para surpresa do restante dos animais, decide se tornar um pastor da fazenda. Com base nesta premissa bem infantil, o longa tece uma poderosa crítica envolvendo a desigualdade social presente na nossa sociedade, propondo um inusitado duelo de classes ao narrar a ascensão do desacreditado porquinho e ao defender que ninguém deve ser impedido de viver o seu sonho. E como se não bastasse o pano de fundo moral, Babe é um filme visualmente à frente do seu tempo. Ainda que hoje este recurso possa soar datado, a mistura de 'live action' com efeitos especiais só incrementou o elemento antropomórfico da trama, nos fazendo crer que aqueles animais carregam consigo uma personalidade realmente humana. Em suma, com coadjuvantes carismáticos, um texto recheado de boas sacadas e uma premissa que em nenhum momento subestima o seu público, Babe - O Porquinho Atrapalhado merece ser considerado uma referência quando o assunto são as fábulas em 'live action'.

7º As Aventuras de Pi (2012)


Inspirado no excelente livro do escritor Yann Martel, As Aventuras de Pi é uma virtuosa fábula de sobrevivência. Com extraordinários efeitos visuais, o longa dirigido por Ang Lee (Hulk) esconde numa premissa aparentemente fantástica uma história bem mais densa e dolorosa. Na verdade, fazendo um excelente uso do teor alegórico, o argumento se apropria do pano de fundo animalesco para falar não só sobre a natureza humana, como também sobre a fé e alguns dos mais enraizados simbolismos religiosos. Sem querer revelar muito, assim como no livro, Lee é habilidoso ao realçar a ambiguidade presente na jornada do náufrago Pi Patel (Suraj Sharma), dando ao espectador o benefício da escolha quanto ao desfecho do longa.

5º A Revolução dos Bichos (1999)


Inspirado no clássico do escritor George Orwell, A Revolução dos Bichos é um telefilme corajoso que captura o teor contestador da obra do autor indiano. Indo de encontro à proposta familiar do simpático Babe, o longa dirigido por John Stephenson utiliza os animais para criticar, dentre outras coisas, a maneira com que os ideais socialistas foram distorcidos com o passar dos anos. Na trama, acompanhamos as desventuras dos animais do fazendeiro Jones (Pete Postlethwaite), um homem endividado e beberrão que estava prestes a perder a sua casa. Incomodados quanto ao descuido do dono da fazenda, os animais liderados pelos ensinamentos do porco Old Major (Peter Ustinov) resolvem tomar a o local a força, iniciando uma revolução orquestrada pelo idealista Snowball (Kelsey Grammer). Com o passar dos anos, porém, o sonho de igualdade logo se transforma numa utopia, principalmente quando o ardiloso Napoleon (Patrick Stewart) resolve prosperar as custas dos demais animais. Numa fábula recheada de simbolismos, Stephenson é inicialmente habilidoso ao realçar a desigualdade social presente na nossa sociedade e a derrocada moral dos membros da elite, aqui personificados nos fazendeiros. A sua crítica ganha uma força ainda maior, no entanto, quando se volta para o regime estabelecido pelos próprios animais. Impecável ao mostrar o quão tênue pode ser a linha entre a revolução e a ditadura, o visionário escritor utilizou a sua obra para questionar a opressão, a manipulação midiática e a crescente desigualdade imposta pelos novos "líderes", elementos retratados com contundência nesta inspirada versão. Embora os efeitos visuais soem datados e artificiais, A Revolução dos Bichos se revela uma fabula poderosa, um longa politizado e envolvente que se esforça para absorver os simbolismos da obra de George Orwell.

4º História sem Fim (1984)


Conduzido com sensibilidade por Wolfgang Petersen, História sem Fim é uma fábula tocante sobre a perda da infância e o poder dos sonhos. Na trama, acompanhamos as desventuras do pequeno Bastian (Barret Oliver), um garoto solitário que ainda tenta superar a recente morte da sua mãe. Alvo de bullying no colégio, o jovem se refugiava nos livros, buscando neles a força para superar os conflitos do seu dia a dia. Durante uma destas brigas, porém, Bastian é pego de surpresa ao entrar numa velha livraria. Confrontado pelo dono da loja, ele fica instigado ao conhecer o livro História sem Fim, uma obra que, segundo o vendedor, o tiraria da sua zona de segurança. Com o livro em mãos, Bastian logo se encanta com o mundo de Fanstasia, uma terra mágica que está sendo destruída pelas nefastas forças do "Nada". Mais do que uma fábula sobre o amadurecimento, História sem Fim mistura ficção e realidade ao investigar o estado de espírito do protagonista, um jovem amedrontado que se vê obrigado a "manter os pés no chão". Fazendo um excelente uso dos simbolismos, Petersen esbanja sutileza ao traduzir os dilemas de Bastian, utilizando elementos como o "Nada" e o pântano da tristeza para dialogar com temas como a solidão, a perda da inocência e até mesmo a depressão. Fiel ao teor metalinguístico do livro de Michael Ende, o realizador brinca com este elemento ao valorizar a força da imaginação diante destes momentos turbulentos, nos conduzindo por uma jornada fascinante potencializada pela incrível trilha sonora e pelas fantásticas criaturas mágicas.

3º Deus Branco (2015)


Lançado no Brasil no final de fevereiro, justamente no período em que os indicados ao Oscar geralmente tomam conta do já enxuto circuito de arte nacional, Deus Branco (White God, no original) é uma fábula urgente e visceral que não merece passar despercebida. Conduzido com enorme intensidade pelo diretor Kornél Mundruczó, o longa esbanja originalidade ao propor um corajoso duelo de classes dentro de um cenário absolutamente singular. Ainda que a temática em questão não seja propriamente uma novidade, o realizador húngaro coloca o dedo na ferida ao expor sob um primitivo ponto de vista o impacto da violência e da desigualdade na rotina dos marginalizados, utilizando o "melhor amigo do homem" como o instrumento para a construção de uma mensagem universal e naturalmente devastadora. Numa sacada de mestre, ao invés de retratar esta dolorosa realidade dentro de uma perspectiva mais tradicional, Mundruczó volta a sua inventiva mira para o universo canino, escancarando através destes simpáticos animais a faceta mais hostil e desprezível dos seres humanos. E isso sem precisar apelar para os recursos do CGI, o que só amplia o nível qualidade e realidade desta crítica película. Um relato poderoso, principalmente quando nos deparamos com os dolorosos obstáculos enfrentados pelos imigrantes sírios neste país europeu.

2º A Fantástica Fábrica de Chocolate (1971)


Estrelado pelo saudoso Gene Wilder, A Fantástica Fábrica de Chocolate fascinou uma geração de fãs ao misturar fantasia e realidade com enorme propriedade. Inspirado no livro do escritor Roald Dahl, o longa se manteve atual com o passar dos anos ao propor uma fábula moral divertida e profunda. Por trás da mágica premissa, o longa fala sobre sentimentos genuinamente humanos, transitando por temas como a ignorância, o orgulho, a ganância, a solidão e a desigualdade de maneira única e lúdica. Através dos desvios de conduta dos marcantes personagens mirins, o diretor Mel Stuart transita por questões ainda hoje presentes no nosso modo de vida urbano, comprovando a atemporalidade deste verdadeiro clássico das décadas de 1980 e 1990.

1º O Labirinto do Fauno (2006)


O nosso primeiro lugar, entretanto, não poderia deixar de ser do extraordinário O Labirinto do Fauno. Conduzido com maestria pelo virtuoso Guillermo Del Toro, o longa estrelado pela pequena Ivana Baquero é uma fábula poderosa sobre os efeitos da Segunda Guerra Mundial. Misturando magia e realidade com enorme contundência, o realizador mexicano colocou o dedo na ferida ao expor a violência em torno da Espanha fascista, mascarando a dor e a perda da infância de uma curiosa garotinha ao construir um cenário fantástico recheado de fadas, monstros e um lendário fauno. Apesar da brutalidade, o longa fascina ao mostrar a guerra sob um singelo ponto de vista infantil, construindo um relato singular, memorável e indiscutivelmente emocionante. Uma verdadeira pérola do cinema moderno.

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