Esnobado pelas distribuidoras nacionais, o extraordinário Sete Minutos
Depois da Meia-Noite é uma pequena obra do cinema fabulesco. Dirigido pelo
promissor J.A. Bayona (O Orfanato), o longa estrelado pelo jovem Lewis
MacDougall comove ao narrar a jornada de um garoto que, diante da doença de sua
mãe, encontra apoio numa criatura mágica disposta a ajuda-lo no momento mais
difícil de sua vida. Fazendo um primoroso uso do teor fantástico, o talentoso
realizador espanhol esconde numa premissa aparentemente requentada temas
realmente espinhosos, falando sobre a morte e a dor da perda dentro de um contexto
lúdico, honesto e acima de tudo intimista. Nos últimos anos, aliás, o
tradicional gênero fabulesco vem ganhando novos representantes, filmes capazes
de extrair o realismo por trás do fantástico. Após finalmente consegui assistir
ao magnífico Sete Minutos Depois da Meia-Noite, leia a nossa crítica aqui,
neste Top 10 resolvi fazer uma lista com outras dez ótimas fábulas realísticas.
Como critério, além da qualidade, decidi me ater somente aos filmes no formato 'live
action', já que o segmento é bem mais tradicional dentro do universo da animação.
Dito isso, começamos com...
Inspirado no popular livro de Maurice Sendak, Onde Vivem os Monstros é
uma fábula aventureira sobre os mistérios em torno do amadurecimento. Conduzido
com um forte teor lúdico pelo diretor Spike Jonze, o longa transita por temas
tipicamente juvenis ao acompanhar a jornada de um garoto hiperativo que busca
refúgio num mundo livre povoado por indomáveis criaturas. Com um visual
exuberante e levemente assustador, o realizador se distancia do teor infantil
ao desvendar os dilemas mais íntimos do pequeno Max (Max Records). Ainda que o
filme funcione enquanto fantasia, principalmente devido ao visual dos
imponentes "monstros", o grande trunfo da película fica pela forma
como o roteiro os utiliza para refletir sobre a solidão, os medos e a
imaturidade do protagonista. Além disso, Jonze é habilidoso ao capturar o
espírito lúdico\libertador da obra original, potencializado pela excelente
trilha sonora e pelos cativantes efeitos práticos.
9º Dublê de Anjo (2006)
Talvez o título mais desconhecido da lista, Dublê de Anjo é um relato
cativante e recheado de simbolismos sobre uma singela história de amizade.
Dirigido pelo virtuoso Tarsem Singh (A Cela), o longa narra a jornada de um
dublê (Lee Pace) que, após um acidente com as suas pernas, permanece internado
sem a possibilidade de se mover. Lá ele conhece a simpática Alexandria (Catinca
Untaru), uma sonhadora garotinha que dividia espaço com ele devido ao seu braço
quebrado. Sem ter muito o que fazer, o dublê decide entretê-la com as suas
magníficas histórias, expondo a sua faceta mais íntima através destas
metafóricas alegorias. Com um visual estonteante e excelentes atuações, este
longa aparentemente lúdico passeia por temas bem mais densos, entre eles a
infidelidade, a depressão e o suicídio. Além disso, a relação de cumplicidade
entre o dublê e a pequena Alexandria é excepcional, principalmente quando
começamos a compreender os simbolismos por trás dos contos do enfermo e a
maneira como ela se torna decisiva na resolução dos seus conflitos mais íntimos.
8º Babe - O Porquinho Atrapalhado (1998)
Da mente do visionário George Miller, o mesmo da franquia Mad Max,
nasceu o excelente Babe um Porquinho Atrapalhado. Vencedor do Oscar na
categoria Melhor Efeitos Visuais, o longa surpreendeu o mundo do cinema ao
conseguir uma indicação ao prêmio de Melhor Filme. E isso na época em que
apenas cinco representantes eram selecionados. Dirigido por Chris Noonan, o
longa narra a história de um porquinho criado por um rebanho de ovelhas que,
para surpresa do restante dos animais, decide se tornar um pastor da fazenda.
Com base nesta premissa bem infantil, o longa tece uma poderosa crítica
envolvendo a desigualdade social presente na nossa sociedade, propondo um
inusitado duelo de classes ao narrar a ascensão do desacreditado porquinho e ao
defender que ninguém deve ser impedido de viver o seu sonho. E como se não
bastasse o pano de fundo moral, Babe é um filme visualmente à frente do seu
tempo. Ainda que hoje este recurso possa soar datado, a mistura de 'live
action' com efeitos especiais só incrementou o elemento antropomórfico da
trama, nos fazendo crer que aqueles animais carregam consigo uma personalidade
realmente humana. Em suma, com coadjuvantes carismáticos, um texto recheado de
boas sacadas e uma premissa que em nenhum momento subestima o seu público, Babe
- O Porquinho Atrapalhado merece ser considerado uma referência quando o
assunto são as fábulas em 'live action'.
7º As Aventuras de Pi (2012)
Inspirado no excelente livro do escritor Yann Martel, As Aventuras de Pi
é uma virtuosa fábula de sobrevivência. Com extraordinários efeitos visuais, o
longa dirigido por Ang Lee (Hulk) esconde numa premissa aparentemente
fantástica uma história bem mais densa e dolorosa. Na verdade, fazendo um
excelente uso do teor alegórico, o argumento se apropria do pano de fundo
animalesco para falar não só sobre a natureza humana, como também sobre a fé e
alguns dos mais enraizados simbolismos religiosos. Sem querer revelar muito,
assim como no livro, Lee é habilidoso ao realçar a ambiguidade presente na
jornada do náufrago Pi Patel (Suraj Sharma), dando ao espectador o benefício da
escolha quanto ao desfecho do longa.
5º A Revolução dos Bichos (1999)
Inspirado no clássico do escritor George Orwell, A Revolução dos Bichos
é um telefilme corajoso que captura o teor contestador da obra do autor
indiano. Indo de encontro à proposta familiar do simpático Babe, o longa
dirigido por John Stephenson utiliza os animais para criticar, dentre outras
coisas, a maneira com que os ideais socialistas foram distorcidos com o passar
dos anos. Na trama, acompanhamos as desventuras dos animais do fazendeiro Jones
(Pete Postlethwaite), um homem endividado e beberrão que estava prestes a
perder a sua casa. Incomodados quanto ao descuido do dono da fazenda, os
animais liderados pelos ensinamentos do porco Old Major (Peter Ustinov)
resolvem tomar a o local a força, iniciando uma revolução orquestrada pelo
idealista Snowball (Kelsey Grammer). Com o passar dos anos, porém, o sonho de
igualdade logo se transforma numa utopia, principalmente quando o ardiloso
Napoleon (Patrick Stewart) resolve prosperar as custas dos demais animais. Numa
fábula recheada de simbolismos, Stephenson é inicialmente habilidoso ao realçar
a desigualdade social presente na nossa sociedade e a derrocada moral dos
membros da elite, aqui personificados nos fazendeiros. A sua crítica ganha uma
força ainda maior, no entanto, quando se volta para o regime estabelecido pelos
próprios animais. Impecável ao mostrar o quão tênue pode ser a linha entre a
revolução e a ditadura, o visionário escritor utilizou a sua obra para
questionar a opressão, a manipulação midiática e a crescente desigualdade
imposta pelos novos "líderes", elementos retratados com contundência
nesta inspirada versão. Embora os efeitos visuais soem datados e artificiais, A
Revolução dos Bichos se revela uma fabula poderosa, um longa politizado e
envolvente que se esforça para absorver os simbolismos da obra de George
Orwell.
4º História sem Fim (1984)
Conduzido com sensibilidade por Wolfgang Petersen, História sem Fim é
uma fábula tocante sobre a perda da infância e o poder dos sonhos. Na trama,
acompanhamos as desventuras do pequeno Bastian (Barret Oliver), um garoto
solitário que ainda tenta superar a recente morte da sua mãe. Alvo de bullying
no colégio, o jovem se refugiava nos livros, buscando neles a força para
superar os conflitos do seu dia a dia. Durante uma destas brigas, porém,
Bastian é pego de surpresa ao entrar numa velha livraria. Confrontado pelo dono
da loja, ele fica instigado ao conhecer o livro História sem Fim, uma obra que,
segundo o vendedor, o tiraria da sua zona de segurança. Com o livro em mãos,
Bastian logo se encanta com o mundo de Fanstasia, uma terra mágica que está
sendo destruída pelas nefastas forças do "Nada". Mais do que uma
fábula sobre o amadurecimento, História sem Fim mistura ficção e realidade ao
investigar o estado de espírito do protagonista, um jovem amedrontado que se vê
obrigado a "manter os pés no chão". Fazendo um excelente uso dos simbolismos,
Petersen esbanja sutileza ao traduzir os dilemas de Bastian, utilizando
elementos como o "Nada" e o pântano da tristeza para dialogar com
temas como a solidão, a perda da inocência e até mesmo a depressão. Fiel ao
teor metalinguístico do livro de Michael Ende, o realizador brinca com este
elemento ao valorizar a força da imaginação diante destes momentos turbulentos,
nos conduzindo por uma jornada fascinante potencializada pela incrível trilha
sonora e pelas fantásticas criaturas mágicas.
3º Deus Branco (2015)
Lançado no Brasil no final de fevereiro, justamente no período em que os
indicados ao Oscar geralmente tomam conta do já enxuto circuito de arte
nacional, Deus Branco (White God, no original) é uma fábula urgente e visceral
que não merece passar despercebida. Conduzido com enorme intensidade pelo
diretor Kornél Mundruczó, o longa esbanja originalidade ao propor um corajoso
duelo de classes dentro de um cenário absolutamente singular. Ainda que a
temática em questão não seja propriamente uma novidade, o realizador húngaro
coloca o dedo na ferida ao expor sob um primitivo ponto de vista o impacto da
violência e da desigualdade na rotina dos marginalizados, utilizando o
"melhor amigo do homem" como o instrumento para a construção de uma
mensagem universal e naturalmente devastadora. Numa sacada de mestre, ao invés
de retratar esta dolorosa realidade dentro de uma perspectiva mais tradicional,
Mundruczó volta a sua inventiva mira para o universo canino, escancarando
através destes simpáticos animais a faceta mais hostil e desprezível dos seres
humanos. E isso sem precisar apelar para os recursos do CGI, o que só amplia o
nível qualidade e realidade desta crítica película. Um relato poderoso,
principalmente quando nos deparamos com os dolorosos obstáculos enfrentados
pelos imigrantes sírios neste país europeu.
2º A Fantástica Fábrica
de Chocolate (1971)
Estrelado pelo saudoso Gene Wilder, A Fantástica Fábrica de Chocolate
fascinou uma geração de fãs ao misturar fantasia e realidade com enorme propriedade.
Inspirado no livro do escritor Roald Dahl, o longa se manteve atual com o
passar dos anos ao propor uma fábula moral divertida e profunda. Por trás da
mágica premissa, o longa fala sobre sentimentos genuinamente humanos,
transitando por temas como a ignorância, o orgulho, a ganância, a solidão e a
desigualdade de maneira única e lúdica. Através dos desvios de conduta dos
marcantes personagens mirins, o diretor Mel Stuart transita por questões ainda
hoje presentes no nosso modo de vida urbano, comprovando a atemporalidade deste
verdadeiro clássico das décadas de 1980 e 1990.
1º O Labirinto do Fauno (2006)
O nosso primeiro lugar, entretanto, não poderia deixar de ser do
extraordinário O Labirinto do Fauno. Conduzido com maestria pelo virtuoso
Guillermo Del Toro, o longa estrelado pela pequena Ivana Baquero é uma fábula
poderosa sobre os efeitos da Segunda Guerra Mundial. Misturando magia e
realidade com enorme contundência, o realizador mexicano colocou o dedo na
ferida ao expor a violência em torno da Espanha fascista, mascarando a dor e a
perda da infância de uma curiosa garotinha ao construir um cenário fantástico
recheado de fadas, monstros e um lendário fauno. Apesar da brutalidade, o longa
fascina ao mostrar a guerra sob um singelo ponto de vista infantil, construindo
um relato singular, memorável e indiscutivelmente emocionante. Uma verdadeira
pérola do cinema moderno.
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