Neste final de semana chegou aos cinemas o aguardadíssimo First Man, um drama íntimo e humano sobre a incrível jornada Neil Armstrong (Ryan Gosling), o primeiro homem a pisar na lua. Em 20 de Julho de 1969, o mundo praticamente parou para assistir o épico feito dos tripulantes da nave Apollo 11, que, após anos de dedicação, esforço e sacrifício, conseguiram "dar um pequeno passo para (um) homem, um salto gigantesco para a humanidade". Em Hollywood, porém, os homens chegaram à lua bem antes do previsto. E num filme muito à frente do seu tempo. Considerado a primeiro grande obra de ficção realística sobre a então embrionária corrida espacial, Destino à Lua (1950) é o tipo de produção que merece ser redescoberta.
Dirigido por Irving Pinchel
(Martin Lutero, Casei-Me como um Nazista), o longa se antecipou aos fatos ao
projetar algo que só viria a acontecer quase duas décadas mais tarde. Numa
época em que as noções sobre a viagem ao espaço eram basicamente teóricas, o
realizador surpreendeu ao entregar uma película preocupada em respeitar às leis
da física, em expor da forma mais verossímil possível os bastidores de uma
viagem ao desconhecido. Para se ter uma noção do vanguardismo da obra, só em
1958 a NASA foi criada. Só em 1961 um homem, o russo Yuri Gagarin, se tornou o
primeiro a ser lançado no espaço. Ou seja, por mais que na teoria os conceitos
de viagem na estratosfera já fossem testados, na prática, na época da
realização do filme, pouco se sabia sobre como "filmar" uma ida ao
espaço. Era tudo muito novo e especulativo. Diante disso, Pinchel ganhou espaço
para criar. O que, de maneira alguma, distanciou o filme do terreno da
plausibilidade.
Por mais que algumas soluções
defendidas pelo roteiro sejam inimagináveis dentro do universo da corrida
espacial, fica claro que o argumento acerta bem mais do que erra na tentativa
de projetar como seria a primeira viagem à lua. Embora o longa parta de uma
premissa completamente equivocada, o lançamento de quatro homens sem qualquer
tipo de treinamento físico numa missão deste porte, Pinchel compensa ao tentar
mostrar para o grande público que este sonho estava mais próximo de acontecer
do que nunca. Logo de cara, sob uma perspectiva lúdica e criativa, o realizador
é categórico ao usar o icônico personagem do Pica-Pau numa apresentação animada
inteligente e elucidativa. Contando com os criativos traços de Walter Lantz,
presentes no incrível curta, e com as impressionantes ilustrações de Chesley
Bonestell (Guerra dos Mundos), responsável pela confecção do (quase) foto
realístico cenário lunar, Pinchel surpreende ao prezar pelos detalhes, ao se
esforçar para traduzir cinematograficamente o 'modus operandi' por trás de uma
missão espacial. É legal ver, por exemplo, como o longa estabelece a estrutura
do foguete. Ainda que, por fora, o visual soe cartunesco, internamente o conceito
era justamente aquele. A "cabine" dos tripulantes, aliás, era ainda
menor do que a pintada no filme. Num todo, inclusive, o longa é na maior parte
do tempo cuidadoso ao explorar as noções de escala, ao capturar a imponência da
nave, criando um vislumbre interessante do que estava por vir.
Outro ponto que agrada, e muito,
é o cuidado de Pinchel em explicar como seria o "voo" e o pouso da
nave, conceitos complexos reproduzidos com incontestável fidelidade. Mesmo
limitado pela tecnologia da época, a produção consegue exibir num engenhoso
'mise en scene' prático o quão delicado era esse processo, constatando que um
simples erro de cálculo poderia colocar tudo a perder. O que mais me impressionou,
entretanto, é maneira com que Destino à Lua explora as noções de gravidade. Não
sei precisar ao certo se, nos bastidores, já era possível simular a reação do
corpo à gravidade zero. No filme, entretanto, o que vemos é uma representação
digna de elogios, seguindo a consultoria do escritor\roteirista especialista no
gênero Robert A. Heinlein. Ainda que, a rigor, seja um tanto quanto ridículo
ver a tripulação viajando sem trajes no ambiente interno da nave, num todo
Pinchel é criativo ao filmar a pressão gravitacional durante a decolagem, a
sensação de leveza no espaço e as diferentes noções de resistência em
território lunar. Mesmo com um excesso ou outro, o que vemos, para época, é um
relato bizarramente à frente do seu tempo.
O mais legal, porém, é ver também
como Destino à Lua influenciou outras grandes produções do gênero. Antes que
Wall-E e Gravidade popularizassem o balé espacial com uso de oxigênio, Pinchel
se antecipa ao usar esta "alternativa" numa espetacular missão de
resgaste, contornando a falta de recursos tecnológicos com enorme
inventividade. O mesmo, aliás, acontece dentro do nervoso clímax, quando, para
se livrar do peso excedente e conseguir deixar a lua, os tripulantes são
obrigados a praticamente desmontar a nave em busca de uma chance de
sobrevivência. Um conceito muito utilizado hoje e que foi explorado com
maestria no fantástico Perdido em Marte. Somado a isso, mais do que
simplesmente revelar (pela primeira vez) a nossa vulnerabilidade no hostil
ambiente espacial, Pinchel se antecipou também ao pintar interesse civil na
corrida espacial, o que hoje, com a presença de companhias como a Space X, se
tornou um frisson nos EUA.
Imagem dos bastidores das sequências espaciais. |
Talvez o único senão da película,
na verdade, fique para o viés bélico\patriótico. Num momento em que os Estados
Unidos viviam um (aparente) período de paz e euforia no pós-triunfo da Segunda
Guerra, os ideais defendidos pelo roteiro soam um tanto quanto nacionalistas,
uma visão completamente equivocada sobre os interesses por trás da corrida
espacial. Por mais que, na Guerra Fria, existisse uma competição clara entre
norte-americanos e soviéticos, e que esse tema (a concorrência) seja abordado
com perspicácia no longa, as intenções armamentistas defendidas pela trama são
absurdas e se revelam o grande erro da película. É bom frisar, no entanto, que
apesar do discurso possessivo no melhor estilo "pirata" dos
personagens, o comedido tripulante interpretado por John Archer fala em servir
a humanidade, um termo que anos mais tarde figuraria na icônica frase de Neil
Armstrong.
Preciso ao, tal qual em O Primeiro Homem, tratar os épicos feitos
desta tripulação com sobriedade e propriedade, Destino à Lua ajudou a
"inaugurar" a corrida espacial em Hollywood, servindo como molde nas
décadas seguintes para alguns dos mais bem-sucedidos filmes do gênero. Por mais
que, graças ao visionarismo estético de Irving Pinchel, o longa tenha faturado
o Oscar de Melhor Efeitos Especiais, o grande prêmio da produção veio anos mais
tarde quando Isaac Asimov, o "pai" da robótica e um Ás da
ficção-científica, em sua autobiografia, classificou Destination Moon (no
original) como "o primeiro filme inteligente de ficção científica
produzido". Um elogio que vale muito mais do que qualquer estatueta.
Um comentário:
Assisti esse filme umas duas vezes na segunda metade dos anos 80 na sessão da tarde quando eu tinha meus 13-14 anos e era fanático pelas viagens espaciais. Eu já tinha lido detalhadamente a viagem da Apollo 11 e quando eu assisti esse apesar de ter gostado muito estranhei o tipo de foguete fusiforme semelhante aos dos desenhos animados onde ele não descartava estágios para poupar peso conforme vai diminuindo o combustível. Só depois que descobri que o filme era anterior à Apollo 11. Dá pra ver que no início vemos imagens de um lançamento real de um descendente direto do míssil V2.
Outro filme que assisti na mesma época na sessão da tarde que foi feito quase na mesma época e eu imaginava que fosse novo foi Paraíso Proibido. Mas lá os astronautas do fim do século 21 explorar os planetas com discos voadores. Acho que o diretor desse ainda não estava muito por dentro do conceito de foguetes e imaginava naves espaciais somente como discos sem propelentes visíveis. O que já era comum na ficção científica da época.
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