terça-feira, 11 de setembro de 2018

Do Fundo do Baú (Agarra-Me se Puderes)


Com carisma, charme e um indiscutível talento, Burt Reynolds foi um genuíno astro midiático. O ator, que faleceu na última sexta, aos 82 anos, vítima de uma parada cardíaca, esteve no olho do furacão em Hollywood nos anos 1970 e 1980. Com filmes como Golpe Baixo (1974) e Agarra-me Se Puderes (1977), Reynolds assumiu o status de ‘sex-symbol’, construindo um arquétipo descolado e aventureiro que viria a se tornar uma rotina na sua filmografia. Embora no início da sua carreira ele tenha se arriscado por papeis mais desafiadores, vide o elogiado drama Amargo Pesadelo (1972), Burt Reynolds decidiu fazer o que gostava. No seu livro de memórias But Enough About Me, o astro admitiu que “não estava interessado em se abrir como ator. Estava interessado em se divertir”. Uma postura que o levou a recusar alguns personagens marcantes, entre eles o icônico mercenário Han Solo em Star Wars, o expansivo McMurphy em Um Estranho no Ninho, o astronauta Garrett Breedlove em Laços de Ternura e o ‘bad-ass’ John Mclane em Duro de Matar. O que explica, inclusive, o nível de qualidade da sua filmografia, uma trajetória marcada por blockbusters inicialmente marcantes e bem-sucedidos, mas que, com o passar do tempo, foram se tornando cada vez menores e menos populares. Mesmo nesses momentos de “baixa”, entretanto, Reynolds não saia dos holofotes. 


Em 1972, numa opção posteriormente lamentada, ele decidiu fazer um ensaio artístico nu para a Revista Cosmopolitan, o que, segundo o próprio, “arruinou as suas chances de Oscar” nos anos seguintes. A sua figura, entretanto, se tornou parte do imaginário do americano. Seus relacionamentos com as atrizes Sally Field e Loni Anderson se tornaram verdadeiros eventos, garantindo uma visibilidade digna das grandes estrelas. Filmes nunca lhe faltaram. O seu prestígio parecia seguir inabalado, mesmo após algumas bombas cinematográficas. Prova disso é que, já no fim dos anos 1990, quando Reynolds parecia “flertar” com o ostracismo, o cultuado diretor Paul Thomas Anderson o escolheu para protagonizar o drama Boogie Nights: Prazer sem Limites (1997). Distante da sua zona de conforto, Burt recusou o personagem (foto acima) uma, duas, três, (...) seis vezes. Na sétima tentativa de PTA, no entanto, ele aceitou e o que se viu foi uma atuação exemplar, vencedora do Globo de Ouro e indicada ao Oscar. Reynolds sempre soube atuar, mas, ao que tudo indica, preferiu curtir as benesses do seus status pop em filmes simpáticos e divertidos. Justo. Neste Do Fundo do Baú, resolvi então falar sobre Agarra-me Se Puderes (1977), o filme que ajudou a consagrar a figura do ator em Hollywood.

- Agarra-me Se Puderes (1977)


Se o tenso Amargo Pesadelo (1972) ajudou a mostrar que o então ator de séries de TV poderia ter uma carreira sólida no Cinema, e a comédia esportiva Golpe Baixo (1974) o transformou em estrela, foi Agarra-me Se Puderes que deu a Burt Reynolds não só o papel mais popular da sua filmografia, mas o arquétipo ‘cool’ interiorano que viria a se tornar recorrente na sua vida profissional. Na pele de um piloto boa pinta e comunicativo, o descolado Bo “Bandit”, o então astro em potencial encontrou o tipo de personagem capaz de mudar o rumo de uma carreira, um herói tipicamente americano, uma reformulada versão setentista do clássico cowboy. Dirigido e roteirizado pelo ex-coordenador de dublês Hal Nedhaam (Quem não Corre, Voa), Agarra-me Se Puderes ajudou também a massificar a vertente mais escapista dos ‘heist movies’. Indo de encontro a abordagem mais “séria” de clássicos como Bullit (1968) e Operação França (1971), o realizador norte-americano esbanjou simplicidade ao construir uma história simples e escapista, um empolgante (e divertidíssimo) jogo de gato e rato pelas estradas do coração dos EUA. Fazendo um brilhante uso da velha rixa dos ‘yankees’ contra a figura da autoridade, o longa acompanha a acelerada jornada de Bandit, um piloto convencido que, ao lado do seu fiel escudeiro Cleedus (Jerry Reed), aceita conduzir “clandestinamente” uma carga de cervejas por 1400 km em troca de US$ 80.000. Com 28 horas para cumprir a sua missão, ele é pego de surpresa quando uma noiva em fuga, a comunicativa Carrie (Sally Field), decide pedir uma carona para se distanciar do homem que odiava. Sem muito tempo para pensar, Bandit decide ajuda-la, sem sequer desconfiar que estaria assim atraindo a atenção do persistente xerife Buford T. Justice (Jackie Gleason).


Com pé no acelerador do primeiro ao último minuto de projeção, Hal Nedhaam presenteia os fãs de velocidade com uma aventura irresistível, um filme recheado de personagens cativantes, um argumento envolvente e uma aura descomplicada extremamente sincera. Impulsionado pela afiada montagem, o realizador consegue estreitar o elo entre os protagonistas com enorme espontaneidade, valorizando sentimentos como a amizade e o companheirismo na estrada sem nunca soar piegas. Um predicado potencializado pelo entrosamento do trio Reynolds, Fiel e Reed, que parecem estar simplesmente se divertindo em cena. Outro ponto que funciona, e muito, é o impagável ‘timing’ cômico da trama. Para a minha surpresa, o longa mostra categoria ao explorar o humor físico e de repetição, preenchendo a trama com gags engraçadíssimas e diálogos espertos. Como não elogiar, por exemplo, a dinâmica interação entre Bandit e Carrie, ou a impagável figura vilanesca do xerife Buford T. Justice e a conflitosa relação com o seu patético filho. Enquanto Reynolds enche a tela de charme e carisma com o seu piloto fora da lei, Gleason rouba a cena e arranca sucessivas risadas como um homem ranzinza incapaz de enxergar os seus próprios erros. Malandramente, Nedhaam estende o seu “tapete vermelho” para o veterano, dando a ele a possibilidade de criar um antagonista cínico, arrogante e indiscutivelmente divertido.



O que tornou Agarra-me Se Puderes um grande sucesso de pública, entretanto, foram as engenhosas e empolgantes sequências de perseguição. Numa época em que o CGI nem sonhava em ser utilizado numa obra do gênero, o diretor coloca a mão na massa ao entregar 90 minutos de um engenhoso corre-corre pelas estradas do interior. Fiel ao teor escapista, o longa começa com cenas mais simples, mas, à medida que a trama avança, Nedhaam mostra o seu vasto leque de truques ao investir em manobras insanas. E isso sem nunca soar inverossímil aos olhos do público. Até porque, a ação é capturada na maioria do tempo em planos abertos, mostrando a verdadeira perícia dos ‘stunts’ e a experiência do diretor quando o assunto são os takes sob rodas. O avô de franquias como Velozes e Furiosos e Mad Max, Agarra-me Se Puderes cativa pela forma com que alia a simplicidade narrativa a engenhosidade técnica, colocando o espectador no banco do carona numa viagem empolgante, simpática e genuinamente engraçada. Uma combinação honesta que, além de catapultar a carreira de Burt Reynolds, se tornou um estrondoso sucesso de público, rendendo US$ 126 milhões nas bilheterias americanas. Um valor estratosférico perto dos US$ 4 milhões investidos.

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