Um dos maiores atores que o cinema já viu, Al Pacino chega aos 80 anos esbanjando a sua usual eletricidade. Do tipo imparável em cena apesar da sua baixa estatura, o astro de O Poderoso Chefão escreveu uma história rica recheada de personagens desafiadores em projetos magníficos. Pacino é do tipo inquieto. O tipo de realizador que se alimenta da sua arte. Ele teve que suar para chegar onde se encontra até hoje. Nasceu num bairro pobre, no lado leste do Harlem, em Nova Iorque. Filho de imigrantes sicilianos, Pacino se viu obrigado a sair de casa para viver o sonho de ser ator. Para financiar seus estudos, ele teve que trabalhar como mensageiro, garçom, faxineiro e garoto de entregas. Neste meio tempo, Pacino dava os seus primeiros passos nos palcos no circuito 'underground' dos teatros de NY. Recusado inicialmente pelo Actors Studios, um erro que viria a ser reparado anos mais tarde, o então jovem ator foi admitido pelo HB Studio e conheceu o seu grande mentor, o veterano Charles Laughton (Testemunha de Acusação). O sucesso, no entanto, custou a chegar. Antes de se tornar uma estrela de Hollywood, Pacino conheceu o desemprego, chegou a dormir na rua, em teatros e\ou na casa de amigos. Nada podia o parar. O seu talento logo se tornou evidente.
Após uma série de peças de sucesso, como direito a um Tony Awards de Melhor Ator por seu trabalho em Does a Tiger Wear a Necktie? (1969), Al Pacino precisou de uma grande chance para deixar a sua marca aos olhos do grande público. Os Viciados (1971) abriu a porta que o jovem ator tanto buscava. O que vimos a seguir foi uma história de ascensão e sucessos inquestionáveis. Um grande papel para Pacino é quase como um combustível vital. Basta ter assistido O Irlandês para notar o que estou falando. Quando Al Pacino entra em cena, ele está em cena, ele vibra em cena. Não importa o tamanho do seu personagem. Não importa o alcance dele. Foi assim no início da sua carreira, foi assim no auge e é assim no apogeu que insiste em não acontecer. Quem ganha com isso é o fã da Sétima Arte. No dia em que este mestre da arte de atuar completa 80 anos, nada mais justo do que montar um Top 10 com os seus melhores filmes. Al Pacino merece.
E abro esta lista com o filme que
(pasmem) deu o único Oscar de Melhor Ator para Al Pacino. Perfume de Mulher é o
tipo de papel que qualquer gigante do cinema gostaria de assumir. Martin Brest
estende o tapete vermelho para que Pacino pudesse brilhar na pele de um
veterano cego disposto a expor os prazeres da vida para o seu jovem protegido.
Com total liberdade em cena, o astro segura o show com uma performance robusta,
carismática e genuinamente afetuosa. Um Al Pacino mais sensível, mas não menos
intenso.
9º O Advogado do Diabo (1997)
Como é bom ver Al Pacino no seu
modo ‘full’. Com total domínio do ‘overacting’, o astro desfila cinismo na
parábola moderna sobre ambição e ganância dirigida por Taylor Hackford.
Contrastando com a rigidez ingênua de Keanu Reeves, Pacino mostra as suas
inúmeras facetas ao encarar um maquiavélico cliente. Com um absurdo ar lascivo,
um senso de ironia afiadíssimo e um instigante viés ardiloso, o ator parece se
deliciar com a perversidade do seu personagem em cada cena. É algo único até
mesmo na carreira de um realizador com tantos papéis desafiadores no currículo.
8º Donnie Brasco (1997)
Um ator completo, no entanto,
sabe dedicar o seu melhor a cada personagem. Indo de encontro a explosividade
de O Advogado do Diabo, em Donnie Brasco Al Pacino escancara o seu lado mais
intenso e comedido. Na pele de um cativante mafioso veterano ainda em busca da
sua grande chance, o ator retornou ao gênero que o consagrou desta vez com uma performance
mais humana. Lefty é respeito, mas os seus tempos áureos ficaram no passado.
Sob a delicada batuta de Mike Newell, o longa invade a realidade deste
criminoso sob uma óptica enternecida, nos presenteando com uma experiência dura
e comovente.
7º Serpico (1973)
Os grandes trabalham com os
grandes. Desde cedo Al Pacino se acostumou com isso. O tipo de thriller
policial que, infelizmente, ficou nos anos 1970, Serpico escancara a podridão
dos grandes centros urbanos numa obra tensa e questionadora. Com a
responsabilidade de levar para a tela grande uma desconcertante história real, Sidney
Lumet captura o senso de justiça\retidão moral do personagem título com peso e
energia. Do alto dos seus 1,70 m, Pacino cresce em cena como de costume ao
traduzir os dois lados de Serpico. Tanto a sua face obstinada e imparável,
quanto a sua fragilidade diante da corrupção policial e da perversidade do
crime organizado. Só Pacino para nos fazer crer que um homem é mesmo capaz de,
tal qual na realidade, desafiar um sistema sujo e inclemente.
6º Fogo Contra Fogo (1995)
Imagina como foi pela primeira
vez poder ver Al Pacino e Robert De Niro dividindo a tela juntos. Um dos
maiores filmes policiais que o cinema já viu, Fogo Contra Fogo coloca dois dos
maiores astros do cinema moderno frente a frente numa obra sobre a tênue linha
moral que separa o policial do criminoso. Conduzido com a reconhecida maestria
de Michael Mann, o longa inverte os arquétipos ao enxergar a disfuncionalidade
do homem da lei. Na pele de um policial mergulhado em dívidas e graves
problemas familiares, Pacino esbanja humanidade ao extrair a resiliência do seu
personagem da fragilidade do mesmo. Uma performance complexa que, combinada com
a tensão da premissa e o pulso visual\narrativo de Mann, fizeram de Fogo Contra
Fogo uma referência máxima dentro do gênero.
5º O Pagamento Final (1993)
Como pode um mesmo ator viver
tantos personagens de natureza semelhante e ao mesmo tempo torná-los tão
diferentes um dos outros? Esse é Al Pacino. Após brilhar em O Poderoso Chefão,
o astro ítalo-americano se viu associado ao arquétipo do mafioso no cinema.
Problema? Nenhum. Até porque isso nunca o impediu de criar grandes personagens.
Como fica bem claro em O Pagamento Final. Mais uma vez dirigido por Brian de
Palma, o longa coloca Pacino desta vez como um ex-presidiário disposto a
refazer a sua trajetória mesmo contra a pressão do (sub)mundo em que costumava
atuar. Mais uma vez, Pacino imprime características próprias ao seu personagem
ao torna-lo mais espirituoso, romântico e cativante. Um tipo disposto a quase
tudo para conseguir a sua segunda chance. E o perigo mora neste quase.
4º O Irlandês (2019)
E chegamos ao seu filme mais
recente e não menos precioso. Em O Irlandês percebemos a real potência de Al
Pacino. Na pele do sindicalista Jimmy Hoffa, o ator rouba os holofotes sempre
que está em cena ao capturar o misto de carisma, persuasão, inocência e poder
do seu personagem. No seu primeiro trabalho com o mestre Martin Scorsese,
Pacino se torna o coração de um filme melancólico sobre os fantasmas do passado
e as escolhas que somos obrigados a fazer para seguir em frente. Isso, óbvio,
dentro do impiedoso mundo do crime organizado.
3º Scarface (1983)
Um mestre na arte do ‘overacting’,
Al Pacino fez de Tony Montana um dos mafiosos mais celebrados (e copiados) da
Sétima Arte. Mais uma vez sob a tensa batuta de Brian de Palma, o ator ajuda a
subverter o clássico conto de ascensão americano num filme sobre a ambição que
mata, que vicia, que se apodera, que sacrifica, que consome. Explosivo em cena,
Pacino mergulha na visceralidade proposta por De Palma num filme de máfia
urbano e agressiva. Esqueça a glamourização dos clássicos. Esqueça o código de
ética. Esqueça os vínculos familiares. Em Scarface, o mundo do crime é sujo, é
voraz, é implacável.
2º Um Dia de Cão (1975)
Vou ser bem sincero. Acho que é
em Um Dia de Cão que vemos a maior atuação da carreira de Al Pacino. E uma das
mais expressivas do cinema moderno. Na pele de um assaltante de banco humano e
carismático, o então jovem astro em potencial nos presenteia com algo singular.
Mais do que um filme de assalto tradicional, Um Dia de Cão reflete sobre a
urbanidade libertária dos anos 1970 com entusiasmo e realismo. Sidney Lumet
encontra num roubo malsucedido a oportunidade para tecer comentários bem mais
profundos sobre a realidade dos seus personagens, um casal gay disposto a
conseguir o dinheiro para uma cirurgia de troca de sexo. Ao lado do igualmente
estrondoso John Cazale, Pacino surge como um fio desencapado em cena, flutuando
pelo set com um misto de inocência, inconsequência e adrenalina. O resultado é
uma obra poderosa, rica e ainda hoje desconcertante.
1º Trilogia O Poderoso Chefão
(1972-1990)
O primeiro lugar desta lista,
porém, não poderia pertencer a outro filme. Ou melhor, outra trilogia. Michael
Corleone é o tipo de personagem que dez entre dez atores gostariam de
interpretar. Poucos, bem poucos, no entanto, teriam bagagem para isso.
Escolhido a dedo por Francis Ford Coppola, o diretor ameaçou abandonar o
projeto em função da resistência dos executivos da Paramount em aceitar a
escalação do inexperiente ator, Pacino mergulhou nas emoções do seu rico
personagem numa das trajetórias mais imprevisíveis da história da Sétima Arte.
Com base no fantástico texto de Mario Puzzo, Coppola encontrou na timidez
intensa de Pacino a combinação perdida para a construção de uma jornada de
corrupção moral. A história do íntegro militar obrigado a assumir o comando da
sua “família” segue insuperável. O filme de máfia definitivo.
Menções Honrosas
- O Último Ato (2014)
Al Pacino dá um show na pele de
um ator decadente disposto a resgatar a inspiração perdida num relacionamento
tóxico e perigoso. Um dos títulos mais subestimados da sua carreira.
- Phil Spector (2013)
Telefilme da HBO permite que Al
Pacino capture o misto de histrionismo, vaidade e persuasão de um popular produtor
acusado de assassinato. Um prato cheio para quem gosta de ver Pacino explodindo
em cena.
- O Informante (1999)
Michael Mann e Al Pacino se
reúnem mais uma vez numa crítica poderosa sobre o corporativismo das grandes
indústrias.
- Um Domingo Qualquer (1999)
Um olhar ácido sobre os
bastidores das grandes ligas esportivas norte-americanas impulsionado pela
gigante presença de Al Pacino como um técnico ferrenho e resiliente.
- O Sucesso a Qualquer Preço
(1992)
Al Pacino lidera um elenco de
peso num relato provocante sobre o instável mercado imobiliário.
- Não Olhe Para Trás (2015)
Os altos e baixos do mundo da
música é investigado numa obra sensível e comovente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário