Se você que entender os motivos que levaram a "superestimada"
Meryl Streep a vinte indicações ao Oscar, assista A Escolha de Sofia (1982) e
encontre as suas respostas. Numa incrível composição de personagem, ela nos
brinda com uma figura doce e amargurada, uma mulher magnética que naturalmente
segura as rédeas da densa obra do diretor Alan J. Pakula (Todos os Homens do
Presidente). Por mais que as duas horas e meia de película soem exageradas,
Streep dita o tom deste drama instigante e nebuloso, um longa intimista capaz
de transitar por temas espinhosos com comedimento e elegância. Impulsionado
pela revigorante performance do jovem Kevin Kline e pela comedida presença de
Peter MacNicol, o realizador norte-americano impressiona ao mostrar pleno
domínio sobre a sua narrativa, sobre as emoções dos seus personagens, realçando
os elementos mais conflitantes ao construir um afetuoso e instável triângulo
afetivo.
Com uma premissa naturalmente envolvente em mãos, inspirada na obra
homônima de William Styron, Alan J. Pakula sai em defesa do poder do diálogo,
da presença cênica dos seus comandados, investindo em imersivos planos
sequências e num poderoso 'mise en scene'. Fazendo um excelente uso da
inventiva direção de arte, as paredes rosadas do quarto de Sofia, por exemplo,
dão ao cenário uma aparência pacífica, o diretor brilha ao compor os seus
marcantes protagonistas, ao descortinar os segredos mais pessoais por trás da
relação entre Sophia (Streep) e Nathan (Kline). Ora amorosa, ora ciumenta, a
passional interação entre os dois abre as brechas necessárias para um impecável
estudo de personagem, elemento potencializado pela presença do escritor Stingo
(MacNicol). Representando os olhos do público, através dele mergulhamos nesta
profunda história de redenção e amargor, um relato potencializado pelos
oportunos flashbacks e pelos expositivos diálogos. Por diversas vezes,
inclusive, Pakula prefere narrar fatos passados do que propriamente mostra-los,
uma opção corajosa que se torna explicável quando nos deparamos com a poderosa
atuação de Meryl Streep.
Embora o teor verborrágico dos dois primeiros atos possa soar incomodo
ao espectador mais acostumado às soluções fáceis, Pakula extrai o máximo da sua
protagonista, dando a Meryl Streep o espaço necessário para que ela possa
interiorizar as emoções da sua Sophia. Com um sotaque fortíssimo e uma
abordagem sutil, a laureada atriz entrega uma das atuações da sua carreira ao
capturar a essência da sua personagem, o misto de ternura, vulnerabilidade e
deterioração emocional desta resiliente mulher. Num gradativo processo de
transformação, num momento ela surge ensolarada e apaixonante. No outro aparece devastada e esquálida. São
nas sequências mais intimistas, porém, que Streep exibe o seu vasto
repertório. Sem querer revelar muito, a cena em que Sophie é confrontada por
Nathan é primorosa, assim como o trecho em que ela finalmente conta os motivos
por trás de tamanho mistério. É interessante ver, aliás, como o diretor explora
a beleza imponente de Streep, as feições poeticamente pálidas dela, criando um
contraste natural com o estado de espirito da protagonista. Um mérito que,
diga-se de passagem, precisa ser dividido também com a enérgica presença de
Kevin Kline, soberbo na pele de um desequilibrado e apaixonante personagem.
Contando ainda com a versátil fotografia de Néstor Almendros (A Lagoa
Azul), impecável ao capturar não só o aspecto mais cativante da trama, como
também a atmosfera sombria em torno do passado da protagonista, A Escolha de
Sophia é um drama singular. Uma obra trágica, mas por vezes iluminada, que nas
mãos erradas poderia ter se tornado um melodrama barato da pior qualidade. Alan
J. Pakula, no entanto, conseguiu extrair a faceta mais sincera dos seus
personagens, o aspecto mais complexo da sua obra, construindo um romance
revelador sobre duas figuras atormentadas em busca da tão cobiçada paz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário