Responsável por dar um novo sentido para o desgastado gênero capa e
espada, A Princesa Prometida (1987) esbanja irreverência ao transitar por um
terreno quase sagrado em Hollywood. Numa mistura de Don Juan de Marco com
Monthy Phyton, o longa dirigido por Rob Reiner (Isto é Spinal Tap) não se leva a sério por um
segundo sequer ao satirizar um segmento quase esquecido, absorvendo o senso de
descompromisso presente nas mais cultuadas produções oitentistas ao entregar
uma obra recheada de personalidade. Fazendo um uso perspicaz dos estereótipos,
o realizador norte-americano subverte a popular história da donzela indefesa ao
investir em personagens marcantes, num texto afiado e na capacidade de rir da
faceta mais brega deste envelhecido gênero. E como se não bastasse a impagável presença
de Cary Elwes, hilário na pele de um herói desastrado e autoconfiante, A
Princesa Prometida se revela ainda uma aventura tecnicamente expressiva, um
filme imponente capaz de traduzir o teor mitológico presente na sua carismática
premissa.
Com roteiro do excelente William Goldman, que, além de assinar o romance
que inspirou o longa, ficou conhecido pelo seu trabalho em títulos do porte de
Butch Cassidy (1969), Todos os Homens do Presidente (1976), Louca Obsessão
(1990 e Chaplin (1992), A Princesa Prometida cativa ao equilibrar magia,
inocência e ironia com enorme desenvoltura. Dando uma aula no que diz respeito
a utilização do recurso da narração, o argumento abraça o teor metalinguístico
ao narrar a jornada de Westley (Elwes) e Buttercup (Robin Wright). Numa sacada
inteligente, os feitos do protagonistas nada mais são do que parte da história
que um zeloso avô (Peter Falk) decide ler para o seu adoentado neto (Fred
Savage), um elemento lúdico que só amplia o potencial de entretenimento em torno
da película. Na trama, inicialmente em dúvida sobre o teor romântico da obra, o
garoto logo se sente instigado ao conhecer os dois personagens, um casal de
camponeses obrigado a se separar quando ele decide deixar a região em busca de
novas oportunidade. Com a promessa do retorno do seu amado, a bela jovem é pega
de surpresa ao receber a noticia que ele foi morto por um temido pirata.
Devastada, Buttercup logo chama a atenção do príncipe Humperdinck (Chris
Sarandon), um homem dúbio que, para se aproximar do seu povo, resolve se casar
com uma mulher comum. Não demora muito, porém, para ela experimentar os perigos
em torno desta relação. Raptada por um trio de homens, a donzela decide lutar
pela sua vida, sem saber que a ajuda poderia vir de um velho e amado conhecido.
Inspirado ao realçar o viés familiar numa trama sobre conspiração,
vingança e um perigoso romance, Rob Reiner esbanja habilidade ao introduzir o
humor neste gênero tão tradicional. Numa piada que funciona, o realizador
brinca com o elemento mais canastrão do popular capa e espada ao investir numa
premissa aparentemente genérica, em figuras caricatas e diálogos
propositalmente tolos. Flertando gradativamente com teor satírico, que, diga-se
de passagem, só explode em cena dentro do extravagante último ato, o diretor é
sagaz ao preparar o espectador com uma premissa inicialmente ingênua e
convencional. Por trás das adocicadas promessas de amor e das espertas frases
de efeitos, no entanto, existe uma dose de ironia mais refinada, um constante "afair"
com o deboche, uma comicidade crescente que se torna evidente quando Westley
finalmente assume a sua faceta heroica. É ai, aliás, que reside o charme de A
Princesa Prometida. Com uma dose de irreverência tipicamente oitentista, após
estabelecer os papéis dos principais personagens, Reiner os desconstrói sem
qualquer tipo pudor. Embora autoconfiante, o bravo Westley, por exemplo, logo
se revela um herói desastrado e falho. Em contrapartida, os "malfeitores"
Fezzik (André the Giant) e Inigo Montoya (Mandy Patinkin) não se mostram tão
maus assim. Este último, inclusive, ganha um arco próprio e empolgante, uma
história revanchista que o transforma num dos melhores personagens da película.
É na transição do segundo para o último ato, no entanto, que A Princesa
Prometida se rende de vez ao humor mais escancarado. Inspirado pelo aclamado
trabalho do Monty Python, Rob Reiner adiciona elementos ainda mais exóticos ao
longa, brincando com as nossas expectativas ao apostar em cenas 'non-sense' e
figuras no mínimo extravagantes. Sem querer revelar muito, a hilária batalha
entre Westley e um rato gigante remete diretamente à clássica sequência do
coelho em Monty Phyton e o Cálice Sagrado (1975). Além disso, o deteriorado
curandeiro interpretado por Billy Crystal e o cartunesco sacerdote vivido por
Peter Cook parecem retirados dos esquetes da trupe britânica, rendendo momentos
naturalmente engraçados. O resultado é um clímax extraordinário, um desfecho
potencializado pelo magnífico trabalho de Carl Elwes (Jogos Mortais), que, com
o seu afiado 'timing' cômico, entrega uma impagável performance física. Não se
engane, porém, com o tom cômico defendido pelo realizador. Quando necessário,
Reiner mostra categoria ao compor as ágeis e divertidas sequências de ação.
Brilhantemente coreografados, os duelos entre os espadachins são incríveis,
capturados com enorme fluidez pelas lentes do diretor norte-americano. Em
alguns momentos, inclusive, ele investe em takes longos, com vários movimentos
entre os cortes, criando embates genuinamente empolgantes. Impulsionado pela
imponente direção de arte e pela colorida fotografia bucólica de Adrian Biddle,
Reiner é igualmente criativo ao explorar os grandiosos cenários e os
expressivos planos abertos, fazendo jus à tradição do gênero quando o assunto é
o apuro estético.
Contando também com as excelentes atuações do trio Robin Wright, Mandy
Patinkin e Peter Falk, A Princesa Prometida se revela uma aventura satírica
recheada de predicados que mantém o seu charme trinta anos depois do seu lançamento.
Responsável por revitalizar um segmento que havia se perdido ao longo das
décadas de 1970 e 1980, Rob Reiner brinca com o aspecto mais datado do gênero
capa espada ao entregar uma irresistível comédia com pitadas de romance. Além
disso, por mais que na época do lançamento o filme não tenha feito o sucesso
esperado, anos mais tarde a produção se tornou um clássico cult, reverberando
diretamente em franquias do quilate de Shrek e Piratas do Caribe. E aproveitando o tema, confira a nossa lista com algumas das melhores sátiras e paródias produzidas em Hollywood.
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