quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Do Fundo do Baú (A Princesa Prometida)

Responsável por dar um novo sentido para o desgastado gênero capa e espada, A Princesa Prometida (1987) esbanja irreverência ao transitar por um terreno quase sagrado em Hollywood. Numa mistura de Don Juan de Marco com Monthy Phyton, o longa dirigido por Rob Reiner (Isto é Spinal Tap) não se leva a sério por um segundo sequer ao satirizar um segmento quase esquecido, absorvendo o senso de descompromisso presente nas mais cultuadas produções oitentistas ao entregar uma obra recheada de personalidade. Fazendo um uso perspicaz dos estereótipos, o realizador norte-americano subverte a popular história da donzela indefesa ao investir em personagens marcantes, num texto afiado e na capacidade de rir da faceta mais brega deste envelhecido gênero. E como se não bastasse a impagável presença de Cary Elwes, hilário na pele de um herói desastrado e autoconfiante, A Princesa Prometida se revela ainda uma aventura tecnicamente expressiva, um filme imponente capaz de traduzir o teor mitológico presente na sua carismática premissa. 


Com roteiro do excelente William Goldman, que, além de assinar o romance que inspirou o longa, ficou conhecido pelo seu trabalho em títulos do porte de Butch Cassidy (1969), Todos os Homens do Presidente (1976), Louca Obsessão (1990 e Chaplin (1992), A Princesa Prometida cativa ao equilibrar magia, inocência e ironia com enorme desenvoltura. Dando uma aula no que diz respeito a utilização do recurso da narração, o argumento abraça o teor metalinguístico ao narrar a jornada de Westley (Elwes) e Buttercup (Robin Wright). Numa sacada inteligente, os feitos do protagonistas nada mais são do que parte da história que um zeloso avô (Peter Falk) decide ler para o seu adoentado neto (Fred Savage), um elemento lúdico que só amplia o potencial de entretenimento em torno da película. Na trama, inicialmente em dúvida sobre o teor romântico da obra, o garoto logo se sente instigado ao conhecer os dois personagens, um casal de camponeses obrigado a se separar quando ele decide deixar a região em busca de novas oportunidade. Com a promessa do retorno do seu amado, a bela jovem é pega de surpresa ao receber a noticia que ele foi morto por um temido pirata. Devastada, Buttercup logo chama a atenção do príncipe Humperdinck (Chris Sarandon), um homem dúbio que, para se aproximar do seu povo, resolve se casar com uma mulher comum. Não demora muito, porém, para ela experimentar os perigos em torno desta relação. Raptada por um trio de homens, a donzela decide lutar pela sua vida, sem saber que a ajuda poderia vir de um velho e amado conhecido.



Inspirado ao realçar o viés familiar numa trama sobre conspiração, vingança e um perigoso romance, Rob Reiner esbanja habilidade ao introduzir o humor neste gênero tão tradicional. Numa piada que funciona, o realizador brinca com o elemento mais canastrão do popular capa e espada ao investir numa premissa aparentemente genérica, em figuras caricatas e diálogos propositalmente tolos. Flertando gradativamente com teor satírico, que, diga-se de passagem, só explode em cena dentro do extravagante último ato, o diretor é sagaz ao preparar o espectador com uma premissa inicialmente ingênua e convencional. Por trás das adocicadas promessas de amor e das espertas frases de efeitos, no entanto, existe uma dose de ironia mais refinada, um constante "afair" com o deboche, uma comicidade crescente que se torna evidente quando Westley finalmente assume a sua faceta heroica. É ai, aliás, que reside o charme de A Princesa Prometida. Com uma dose de irreverência tipicamente oitentista, após estabelecer os papéis dos principais personagens, Reiner os desconstrói sem qualquer tipo pudor. Embora autoconfiante, o bravo Westley, por exemplo, logo se revela um herói desastrado e falho. Em contrapartida, os "malfeitores" Fezzik (André the Giant) e Inigo Montoya (Mandy Patinkin) não se mostram tão maus assim. Este último, inclusive, ganha um arco próprio e empolgante, uma história revanchista que o transforma num dos melhores personagens da película.



É na transição do segundo para o último ato, no entanto, que A Princesa Prometida se rende de vez ao humor mais escancarado. Inspirado pelo aclamado trabalho do Monty Python, Rob Reiner adiciona elementos ainda mais exóticos ao longa, brincando com as nossas expectativas ao apostar em cenas 'non-sense' e figuras no mínimo extravagantes. Sem querer revelar muito, a hilária batalha entre Westley e um rato gigante remete diretamente à clássica sequência do coelho em Monty Phyton e o Cálice Sagrado (1975). Além disso, o deteriorado curandeiro interpretado por Billy Crystal e o cartunesco sacerdote vivido por Peter Cook parecem retirados dos esquetes da trupe britânica, rendendo momentos naturalmente engraçados. O resultado é um clímax extraordinário, um desfecho potencializado pelo magnífico trabalho de Carl Elwes (Jogos Mortais), que, com o seu afiado 'timing' cômico, entrega uma impagável performance física. Não se engane, porém, com o tom cômico defendido pelo realizador. Quando necessário, Reiner mostra categoria ao compor as ágeis e divertidas sequências de ação. Brilhantemente coreografados, os duelos entre os espadachins são incríveis, capturados com enorme fluidez pelas lentes do diretor norte-americano. Em alguns momentos, inclusive, ele investe em takes longos, com vários movimentos entre os cortes, criando embates genuinamente empolgantes. Impulsionado pela imponente direção de arte e pela colorida fotografia bucólica de Adrian Biddle, Reiner é igualmente criativo ao explorar os grandiosos cenários e os expressivos planos abertos, fazendo jus à tradição do gênero quando o assunto é o apuro estético.


Contando também com as excelentes atuações do trio Robin Wright, Mandy Patinkin e Peter Falk, A Princesa Prometida se revela uma aventura satírica recheada de predicados que mantém o seu charme trinta anos depois do seu lançamento. Responsável por revitalizar um segmento que havia se perdido ao longo das décadas de 1970 e 1980, Rob Reiner brinca com o aspecto mais datado do gênero capa espada ao entregar uma irresistível comédia com pitadas de romance. Além disso, por mais que na época do lançamento o filme não tenha feito o sucesso esperado, anos mais tarde a produção se tornou um clássico cult, reverberando diretamente em franquias do quilate de Shrek e Piratas do Caribe. E aproveitando o tema, confira a nossa lista com algumas das melhores sátiras e paródias produzidas em Hollywood. 

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