Numa época em que atrizes sobem ao palco de premiações clamando por grandes papéis femininos, a talentosa Jessica Chastain pode se considerar uma felizarda. E muito por seus próprios méritos. Uma das atrizes norte-americanas mais versáteis e intensas da atualidade, ela não se contentou em seguir o caminho mais fácil. Sem nunca fechar a porta para o cinema pipoca, vide as suas marcantes performances em títulos como Interestelar (2015) e Perdido em Marte (2015), Chastain se tornou uma das minhas realizadoras prediletas pela sua integridade enquanto artista, pelo seu esforço em lutar por grandes personagens, pela chance de interpretar grandes mulheres. Uma das vozes mais ativas em Hollywood a favor da igualdade de gênero e de movimentos como o #MeToo, a estrela de filmes como A Hora Mais Escura e Histórias Cruzadas começou como muitas. Com formação na respeitada Juliard, Jessica Chastain entrou no ‘showbiz’ brigando por papéis pequenos em populares séries de TV, entre elas Plantão Médico Veronica Mars e Lei e Ordem.
Já no seu primeiro relevante longa metragem, entretanto, ficou claro que estávamos diante de uma atriz com anseios bem claros. Na pele de uma jovem mulher vítima da sua própria beleza, Jessica Chastain ganhou um relativo destaque no problemático drama Jolene (2008), dando o ‘start’ numa carreira recheada de pontos altos marcada - em especial - pela força feminina das suas personagens. Uma das principais atrações da CCXP 2018, onde protagonizará o painel do seu mais novo projeto, o aguardado Fênix Negra (2019), Jessica Chastain é o tipo de atriz que merece ganhar o reconhecimento do grande público. Neste artigo, portanto, iremos analisar com maior profundidade a trajetória desta eclética realizadora rumo ao estrelato, relembrando alguns dos seus mais impactantes papéis\filmes ao longo da última década.
- Jolene (Jolene – 2008)
Toda atriz precisa começar. E
logo no seu primeiro projeto em Hollywood Jessica Chastain “salvou” Jolene
(2008) de ser uma daquelas bombas difíceis de assistir. Não que a simples
presença da atriz seja o bastante. Embora se arrisque ao discorrer sobre a
rotina de abusos e desilusões de uma jovem incapaz de enxergar o perigo a sua
frente, o longa dirigido por Dan Ireland o faz de maneira rasa e
unidimensional, pecando pelo exagero ao trazer a realidade para o centro da
tela. Com exceção de Jolene (Jessica Chastain) e do mafioso sensível vivido pelo
talentoso Chaz Palminteri, a maioria dos personagens soam inexplicavelmente
caricatos, o que não só escancara a fragilidade do roteiro, mas principalmente
reduz o peso de situações reconhecíveis aos olhos do público. Ainda assim,
estamos diante de um filme com temas sérios, pesados, um relato por vezes tocante
sobre o quão difícil pode ser para uma mulher desamparada enfrentar os abusos
de ordem masculina. Uma realidade infelizmente universal capturada com
intensidade por uma então promissora Jessica Chastain. Do alto dos seus 30
anos, a radiante atriz causa um misto de sensações na pele de uma jovem órfã
refém da sua beleza em busca do amor que lhe foi tomado tão precocemente. Num
inteligente trabalho de transição temporal, talvez um dos grandes trunfos da
direção de Ireland, Chastain convence seja como uma adolescente inconsequente,
seja como uma jovem agressiva consciente do seu ‘sex-appeal’, seja como uma
mulher madura seduzida por um mundo que não era o seu. Por mais que o roteiro
peque pelas conveniências narrativas, algumas decisões parecem incompatíveis
com o rumo da personagem, Chastain corrige o curso da história ao tornar tudo o
mais crível possível, entregando uma protagonista capaz de amadurecer, reagir,
se entender enquanto mulher, mas de seguir falhando na esperança de acertar.
Uma pena que, na ânsia de explorar a relação de Jolene com a sua sexualidade,
Ireland peque pela objetificação de Chastain, inflando a trama com sequências
gratuitas e um tanto quanto repetitivas. Uma opção de gosto extremamente
duvidoso que, felizmente, tem caído em desuso. A única exceção, na verdade,
fica pela elegante cena do strip-tease, que marca o início da melhor passagem
da película. Enfim, apesar do tom caricatural dos personagens de apoio e dos
inúmeras escorregadas do roteiro\direção, Jolene deu a Jessica Chastain a
chance de brilhar num papel realmente desafiador e ela recompensou evitando que
o filme se tornasse um completo fiasco.
- Samantha (O Abrigo – 2011)
O primeiro grande filme da carreira
de Jessica Chastain, O Abrigo é um suspense psicológico inexplicavelmente
subestimado que apresentou uma série de expressivos novos rostos. Sob a intensa
batuta de Jeff Nichols, um dos realizadores mais autorais na atualidade, o
longa colocou o fantástico Michael Shannon no radar do público ao narrar a
história de um pai com um histórico familiar de problemas mentais que passa a
sofrer com constantes sonhos apocalípticos. Numa obra com múltiplas camadas,
Nichols vai da tensão a comoção ao traduzir a deterioração do protagonista, ao
mostrar um homem comum caindo em descrédito com a sua comunidade. Um tipo
vulnerável capaz de se enxergar ora como a salvação daqueles que ama, ora como
uma ameaça. Uma performance marcante de Shannon que alcança o seu ápice na
soberba sequência da explosão, quando num gesto de fúria o protagonista desafia
os olhares de deboche assumindo a sua face mais errática publicamente. No meio
deste turbilhão, a compreensiva Samantha surge como o ombro amigo que o seu
marido precisava no meio de tamanha tormenta. Na pele de uma figura materna
forte e resiliente, Jessica Chastain desponta como o contraponto a insanidade
do protagonista, escancarando através do seu humano olhar os altos e baixos do
personagem. A cereja no bolo do longa. Uma atuação marcante potencializada pelo
grau de intimidade impresso por Chastain e Shannon em tela.
- Célia Foote (Histórias Cruzadas
– 2011)
Foi em Histórias Cruzadas,
entretanto, que Jessica Chastain entrou realmente no radar do grande público.
Num agridoce drama sobre a luta das babás negras norte-americanas contra os
desmandos das suas patroas brancas, a talentosa atriz rouba completamente a
cena na pele da radiante Célia Foote, uma mulher belíssima destratada pelas
suas enciumadas amigas que encontra na sua nova empregada (Octavia Spencer) uma
preciosa fonte de autoestima. Sob a comovente batuta de Tate Taylor, o longa
até se esforça para dividir os holofotes, em explorar igualmente os conflitos
das mulheres negras e brancas na década de 1950, mas, assim como a “monstra”
Viola Davis, Chastain brilha ao construir uma mulher à frente do seu tempo, uma
figura iluminada, sem preconceitos e desajustada que, por isso, era tratada
como uma “piada” pelas suas companheiras de geração. Apesar do viés cômico
embutido pelo texto, Jessica Chastain abraça as múltiplas facetas de Célia com
entusiasmo, criando uma personagem com trejeitos singulares capaz de divertir e
comover com extrema naturalidade. Um dos principais predicados de um filme
precioso. Prova disso é que, assim como a sua (incrível) parceira de cena
Octavia Spencer, ela conquistou com Histórias Cruzadas as suas primeiras
indicações ao Oscar e ao Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante.
- Maya (A Hora Mais Escura –
2012)
Dando sequência a sua meteórica
ascensão em Hollywood, Jessica Chastain se colocou rapidamente entre as gigantes
no fantástico thriller dramático A Hora Mais Escura. Inspirado em fatos reais,
o longa dirigido pela afiada Kathryn Bigelow prezou pelo realismo ao mostrar a
exaustiva operação da CIA que causou a morte do terrorista número 1 da América
Osama Bin Laden. Impecável seja como um relato histórico, seja como um estudo
de personagem, a película encontrou em Jessica Chastain a complexidade
necessária para traduzir o impacto desta devastadora busca na rotina de uma
agente obrigada a criar uma casca para seguir no rastro do terror. Na pele da
determinada Maya, uma analista da CIA que, ao longo de vários anos, passou por
uma verdadeira metamorfose durante o processo de captura e morte de Bin Laden,
a atriz cresce assustadoramente em cena ao mostrar o quão tênue pode ser a
linha entre a obstinação e a obsessão. Graças ao esmero de Bigelow em se
concentrar sempre no aspecto micro, nas pequenas descobertas, nos percalços e nas
frustrações da protagonista, o longa deu a Chastain a possibilidade de
interiorizar os conflitantes sentimentos da sua Maya, uma figura inicialmente
frágil, incapaz de se render a violência, mas que, pouco a pouco, ganha nuances
cada vez mais complexas e duras. Numa performance fisicamente desgastante,
Chastain beira a perfeição ao capturar a responsabilidade\vulnerabilidade de um
agente numa guerra contra um “inimigo invisível”, se tornando facilmente o
rosto, o coração, a alma da obra. Contando ainda com um clímax magnífico, uma
experiência cinematográfica tensa e imersiva digna de aplausos, A Hora Mais
Escura ajudou a solidificar a imagem de Jessica Chastain junto ao grande
público, rendendo a ela uma nova indicação ao Oscar e o Globo de Ouro de Melhor
Atriz Dramática.
- Annabel (Mama – 2013)
Sob a chancela de Guillermo Del
Toro, produtor executivo do longa, Mama é um filme de Horror extremamente
subestimado. Dirigido pelo talentoso Andy Muschietti, o mesmo do fenômeno It: A
Coisa, o longa atrelou o elo do amor materno ao paranormal ao narrar a jornada
de duas garotinhas que, após um trágico acidente, sobreviveram como animais
numa isolada casa de campo. Uma peça chave num argumento que, entre altos e
baixos, mostra coragem sempre que possível, Jessica Chastain confere peso
dramático ao longa ao dar vida a descolada Annabel, uma mulher
independente\imatura que, ao lado do seu querido namorado (e tio das duas
pequenas), se vê obrigada a abrigar as meninas quando o paradeiro delas é
descoberto. Embora siga uma fórmula bem reconhecível dentro dos filmes de
horror “pop”, Mama causa um misto de encantamento e tensão ao se preocupar em
construir o sincero elo entre as personagens, ao estabelecer o desconforto de
Annabel diante dos estranhos “episódios” envolvendo as crianças. Longe de ser
mais uma típica heroína do gênero, Chastain cria uma protagonista com camadas,
uma mulher que, aos poucos, abraça a disfuncionalidade deste novo núcleo
familiar e se vê realmente ligada às suas “enteadas”. Um elo crescente que se
torna decisivo dentro do impactante e subvalorizado clímax. Num filme sobre a
imortalidade do amor materno, Chastain cativa ao tornar a sua Annabel uma “mãe”
moderna, por vezes rebelde, irritadiça, mas capaz de imprimir em tela os
sentimentos necessários para solidificar o ‘background’ dramático sugerido pelo
roteiro. Uma robusta performance num filme desvalorizado.
- Eleanor Rigby (Dois Lados do
Amor – 2014)
Esse é um projeto singular que
pouca gente viu por aqui. Numa proposta realmente rara, o diretor Ned Benson
resolveu tirar do papel um romance real, verdadeiro, intenso, uma história de
amor recheada de altos e baixos narrada sob três perspectivas diferentes. Num filme
conhecemos a verdade dele (James McAvoy). No outro o lado dela (Jessica
Chastain). E no terceiro Benson costura as duas histórias em Dois Lados do
Amor, a versão que eu pude assistir no Festival do Rio. Numa pegada franca, o
longa fascina ao mostrar o florescer, o ápice e a saturação de uma relação,
discorrendo sobre problemas genuinamente urbanos com emoção, intensidade e
muita delicadeza. Uma abordagem madura potencializada pela comedida performance
de Jessica Chastain. Tirando o máximo da proposta efêmera da obra, a talentosa
atriz encontra o espaço perfeito para explorar as múltiplas facetas da sua
personagem, escancarando tanto a sua face mais iluminada e madura, quanto o seu
lado mais vulnerável e depressivo. Um trabalho denso valorizado pela qualidade
do roteiro, pela direção intimista de Benson e pela sua extraordinária química
com McAvoy. Embora os dois personagens funcionem muito bem separados, os
melhores momentos do longa acontecem quando vemos o casal junto, quando
celebramos as suas alegrias, torcemos pela sua reaproximação, nos entristecemos
com as suas respectivas desilusões. Uma original história de amor que atinge o
seu ápice na esperta sequência final, quando, fazendo um primoroso uso do poder
da sugestão, o espectador se vê obrigado a preencher as brechas e buscar nos
detalhes as respostas para esta emotiva história de amor. Mais uma grande
personagem feminina para o currículo de Jessica Chastain.
- Anna Morales (O Ano Mais
Violento – 2014)
Sem medo de exagerar, Anna
Morales é o tipo de personagem digna de um Poderoso Chefão. Um filme de máfia
indiscutivelmente particular, O Ano Mais Violento causa um misto de tensão e
(por que não¿) fascínio ao narrar a jornada de um casal herdeiro do crime
organizado disposto a limpar o negócio da sua família. Sob a refinada batuta de
J.C Chandor, o longa nos leva a uma violenta Nova Iorque dos anos 1980 para
narrar a trajetória de Abel Morales (Oscar Isaac, excelente), um homem sensato
de origem latina que prosperou como o dono de uma petrolífera. Quando uma greve
de caminhoneiros passa a ameaçar a liquidez do seu negócio, ele é obrigado
lidar com pessoas pertencentes a um mundo o qual ele queria distância, tendo
que lidar com as pressões, as ofertas e as ameaças anônimas na tentativa de se
manter longe da ilegalidade. Embora Abel seja o personagem estudado pelo longa,
quem realmente atrai os holofotes aqui é Jessica Chastain e a sua Anna Morales.
Na pele de uma esposa independente e que se faz ouvir, a atriz explode em cena
ao surgir como a antítese do protagonista, como um tipo prático e agressivo
incapaz de renegar as suas origens para proteger o que é seu. Numa das
performances mais complexas da sua filmografia, Chastain cria uma personagem
forte, por vezes indomável, mas genuinamente humana, uma mulher que, embora
consciente do esforço do seu marido, não titubearia em fazer o trabalho sujo.
Sem querer revelar muito, as trocas de farpas entre Abel e Anna estão entre os
pontos mais altos do longa, muito em função não só da extraordinária química
entre Isaac e Chastain, mas principalmente pela propriedade com que Chandor
traduz os conflitos desta relação. O resultado é um filme de máfia adulto,
inteligente, com um forte senso de consequência. Um longa instigante que,
sabe-se lá porque, pouquíssima gente viu por aqui.
- Lucille Sharpe (A Colina
Escarlate – 2015)
Um dos traços que mais me encanta
na filmografia de Jessica Chastain é a sua versatilidade. Uma daquelas raras
atrizes capazes de se encaixar em qualquer projeto, ela ganhou das mãos do
virtuoso Guillermo Del Toro a oportunidade de emplacar a primeira grande
antagonista da sua carreira e o fez da forma mais ardilosa possível. No romance
gótico A Colina Escarlate, Chastain causou justificados arrepios ao viver a
possessiva Lucille Sharpe, uma mulher elegante e maquiavélica que escancara a
sua pior face quando o seu querido irmão (Tom Hiddleston) decide se casar com
uma bela garota (Mia Wasikowska). Ambientado praticamente num só cenário, a
imersiva\deteriorada mansão em que os dois irmãos viviam, Del Toro causa um
misto de sensações ao tirar do papel um romance peculiar, um filme sobre o quão
tênue pode ser a linha entre o amor e a paixão, entre a pureza e a
visceralidade. Enquanto a talentosa Mia Wasikowska surge como a bela jovem na
busca pelo seu conto de fadas, Chastain se revela a mulher capaz de transformar
sonhos em pesadelos, uma figura dissimulada, com passado nebuloso, que se
acostumou a utilizar o seu charmoso meio de persuasão para conseguir o que
queria. Tirando o máximo proveito das suas experiências nos palcos, ela investe
aqui numa performance mais carregada, expansiva, criando a verdadeira figura de
ameaça desta intrigante história. Mais uma vez, Chastain entrega uma personagem
feminina indomável, que sabe o que quer e que não parece disposta a ceder na
luta pelo que considera seu. Isso, obviamente, dentro de um contexto ‘creep’
até então inédito na sua carreira, o que faz de A Colina Escarlate um filme
singular dentro da sua eclética obra.
- Madeline Sloane (Armas na Mesa
- 2016)
De volta ao ambiente urbano,
Jessica Chastain invadiu o terreno dos thrillers políticos com Armas na Mesa.
Uma espécie de Obrigado por Fumar versão ‘girl power’, o longa dirigido pelo
veterano John Madden descortinou o voraz universo dos lobistas ao revelar as
agruras de uma respeitada marqueteira com crise de consciência após recusar
defender uma campanha pró-armas. Sem a intenção de escolher lados políticos, o
realizador acerta ao explorar o jogo sujo por trás da aprovação de uma lei,
encontrando na ferocidade ‘workaholic’ de Sloane os ingredientes necessários
para questionar o seu ‘status quo’. Ancorado na magnética performance de
Chastain, que eleva o nível do competente filme como um todo, Madden constrói
uma protagonista senhora de si, uma mulher disposta a colocar o seu nome em
cheque na tentativa de se colocar do lado certo da equação ao menos uma vez.
Como de costume nos seus principais projetos após A Hora mais Escura, Chastain
se coloca no centro dos holofotes com desenvoltura, indo além da aparente
frieza distante de Sloane ao pouco a pouco desvendar as nuances sentimentais
desta mulher. Por trás do terninho executivo, da sagacidade profissionais e do
seu poder de persuasão existe uma mulher solitária, por vezes vulnerável, uma
personagem que parece ter esquecido de exercer a sua humanidade. Um relato
crítico sobre o jogo de poder legislativo catapultado pelo indomável trabalho
de Jessica Chastain.
- Antonina Zabinska (O Zoológico
de Varsóvia – 2017)
Com base numa inspiradora
história real, O Zoológico de Varsóvia é o tipo de filme que, embora vacile
aqui ou ali, merecia ter recebido um maior espaço. E muito em função da
comovente performance de Jessica Chastain, devotada ao recontar os feitos de
Antonina Zabinska, uma mulher que, durante a presença nazista na Polônia, usou
o seu esvaziado jardim zoológico como um refúgio para crianças judias. Sob a
delicada batuta de Niki Caro (Terra Fria), o longa é enfático ao revelar a
jornada de resiliência de Antonina, criando assim uma protagonista forte,
independente, mas consciente das suas responsabilidades e dos perigos que a
cercavam. Com a sua usual intensidade, Chastain emociona seja na sua afetuosa relação
com os animais, seja na sua maternal luta pela proteção daqueles que escondiam
sob o seu teto, escancarando os horrores do conflito com peso dramático e muita
sensibilidade. Sem querer revelar muito, da sua sincera relação com o marido,
vivido com igual solidez pelo belga Johan Heldenbergh (Alabama Monroe), nascem
sequência realmente desconcertantes, principalmente pela forma como o medo
acaba por ferir o altruísmo da dupla. Um retrato ora inspirado, ora desolador
sobre a Segunda Guerra, O Zoológico de Varsóvia é um drama classudo que, apesar
dos inegáveis predicados estéticos\narrativos, encontra o seu verdadeiro
diferencial na performance do qualificado elenco, em especial na força feminina
de Jessica Chastain.
- Molly Bloom (A Grande Jogada –
2018)
Novamente na pele de uma mulher
independente e ambiciosa, Jessica Chastain empresta todo o seu carisma para o
texto afiado de Aaron Sorkin (A Rede Social) no envolvente A Grande Jogada.
Inspirado na história da jovem “empreendedora” Molly Bloom, que, em poucos
anos, faturou milhões ao gerenciar algumas das mesas de pôquer mais cobiçadas
dos EUA, o longa fascina ao mostrar o genial ‘modus operandi’ desta implacável
mulher, falando sobre poder, ambição e independência dentro de um contexto
moderno e sedutor. Fazendo um primoroso uso da narrativa não linear, Sorkin
praticamente estende o seu tapete vermelho para que Jessica Chastain pudesse
desfilar o seu talento, dando a ela o espaço necessário para ela interiorizar
as nuances da biografada, expor tanto a sua face mais destemida e implacável,
quanto o seu lado mais frágil e solitário. No embalo do dinâmico texto de
Sorkin, Chastain assume o show praticamente sozinha ao pintar um retrato
completo sobre Molly Brown, entregando uma das grandes performances da sua
carreira ao abraçar a complexidade dela. Uma mulher com um peculiar senso de
integridade que, na ânsia de imperar num universo masculinizado, se expôs às
falhas\vaidades\interesses do seu requintado público alvo. E pagou um preço
caro por isso. O filme, entretanto, acerta ao não concentrar nos fatos
conhecidos. Transitando entre o passado e o presente com enorme sagacidade,
Sorkin se preocupa em investigar o que movia esta mulher, a sua gana vencedora,
a sua relação com as derrotas esportivas (ela foi atleta com aspirações
olímpicas), os seus conflitos familiares e (acima de tudo) a sua dedicação em
romper com o arquétipo do sexo frágil. Uma jornada exaustiva e deteriorante
capturada com particular afinco por Jessica Chastain, uma mulher que, tal qual
a sua Molly Bloom, lutou arduamente para ser tratada com uma igual.
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