Vivemos tempos difíceis. De
retrocesso. De validação de alguns perigosos discursos. Alguns deles de cunho
extremamente preconceituoso. Pior do que as manifestações de ódio individual,
entretanto, é o racismo institucional. O racismo que mata sem pedir identidade.
O racismo que segrega. Que causa desigualdade. Que rouba a dignidade de pessoas
que, como eu ou você, só querem prosperar. O racismo que parte daqueles que
deveriam proteger a todos os cidadãos de maneira igualitária e justa. Uma
mazela social que fica bem clara na poderosa minissérie da Netflix Olhos que
Condenam. Quando eu achava que a primorosa Chernobyl seria o suprassumo da TV
em 2019, a diretora Ava Duvernay (Selma) esmurra os nossos estômagos expor as
feridas causadas por um sistema policial\judicial sujo e desigual capaz de
replicar o pior do que vivemos em sociedade. Mais do que um drama inspirado em
indignantes fatos, a prisão e condenação de cinco inocentes jovens negros, a
série vai além ao abraçar a complexidade do caso, ao escancarar o preconceito
legitimado pelo Estado, ao refletir sobre a desigualdade, ao questionar o
sistema, ao sofrer junto dos seus personagens. Duvernay é cuidadosa ao se
debruçar tanto nos bastidores da perversa investigação, quanto na intimidade
dos jovens, extraindo o máximo do talentoso elenco na tentativa de traduzir a
revolta, a dor e a resiliência das vítimas de uma das maiores injustiças
reconhecidas pela justiça dos EUA. O resultado é uma produção envolvente,
intensa e implacável ao se insurgir, em especial, contra a forma cruel com que
o sistema age com aqueles que (para muitos) trazem na cor da pele um
"indício" de culpa. No cinema, aliás, após a chacoalhada casada pelo
movimento Oscar So White, os conflitos raciais passaram a ser investigados com
muito mais propriedade nos últimos anos. A representatividade em tela se tornou
algo urgente, o que tem rendido uma excepcional safra de filmes. Neste artigo,
portanto, decidi reunir alguns dos melhores novos filmes sobre o tema numa
lista com dez grandes obras sobre problemas raciais que todo mundo deveria
assistir.
- Se a Rua Beale Falasse (2018)
E para começar nada mais justo do
que trazer Barry Jenkins. Vencedor do Oscar de Melhor Filme com Moonlight
(2016), o realizador se tornou uma das principais vozes do cinema
afro-americano na atualidade. Seus projetos recentes levaram a realidade para a
tela grande sem abrir mão da sensibilidade. O que, diga-se de passagem, em nada
reduz os ecos das suas críticas. Algo que fica bem claro no seu mais recente
projeto, o elegante Se a Rua Beale Falasse. Mais do que simplesmente colocar o
dedo na ferida contra a perversidade de um sistema desigual e racista, Jenkins
convida o espectador a refletir sobre o todo ao nos brindar com uma crônica
(infelizmente atemporal) sobre a vulnerabilidade do indivíduo negro na
sociedade americana. Adaptação da obra homônimo de James Baldwin, Se a Rua
Beale Falasse troca o grito de revolta pela serenidade da resiliência ao narrar
as desventuras de um jovem casal (Kiky Lane e Stephan James) obrigado a ver o
seu promissor futuro ser colocado em cheque diante de uma infundada acusação.
Sem a intenção de entregar mais uma obra sobre o falho e tendencioso sistema
judiciário dos EUA, Jenkins evoca um misto de afeto e indignação ao invadir a
rotina dos apaixonados Tish e Fonny. Graças a sua esperta estrutura não linear,
o argumento assinado pelo próprio cineasta é comedido ao expor sob um vistoso
filtro cinematográfico a realidade como ela é, sem dispersões e um pingo de
condescendência. Se a Rua Beale é, a rigor, um filme sobre o amor (fraterno,
materno, matrimonial), a dor e as sequelas causadas pela injustiça. Uma obra
sobre os sonhos que não se concretizam, sobre o vazio que abala, que causa
medo, insegurança. A magnífica sequência do loft, em especial, é de cortar o
coração. Apesar da delicadeza de Jenkins na construção do elo do casal,
impressiona a forma com que o realizador, nas entrelinhas, estabelece a
vulnerabilidade, a sensação de efemeridade, como se a qualquer momento tudo
pudesse ruir. Os diálogos são fortes e incisivos. Os personagens são humanos. A
sensação de desconforto é evidente. No fim, embora peque pela falta de ritmo em
algumas passagens, um desnível compensado pela refinada assinatura visual do
longa, Se a Rua Beale Falasse é enfático ao expor a disfuncionalidade causada
pelo círculo vicioso da desigualdade social.
- Fruitvale Station (2013)
Ver Fruitvale Station no cinema
foi uma experiência difícil. Na minha crítica, postada durante uma edição do
Festival do Rio, lembro de ter comentado sobre o silêncio fúnebre que tomou
conta da sessão com o subir dos créditos finais. Uma reação muito forte que, a
meu ver, sintetiza o clima da obra de um então promissor diretor Ryan Coogler.
Inspirado numa devastadora história real, o longa estrelado por Michael B.
Jordan choca ao narrar as últimas horas de vida de um jovem homem vítima de
violência policial. Ali, independentemente da veracidade dos fatos, o que o
longa faz é revelar o impacto do racismo em sua face mais agressiva. Logo na
desconcertante primeira cena, um vídeo amador do momento em que um policial
ataca ferozmente um homem indefeso, Coogler é enfático ao preparar o espectador
para o que estava por vir. Uma realidade reconhecível seja aos olhos dos
moradores de uma metrópole como Nova Iorque, seja sob a perspectiva de um
morador de uma comunidade do estado do Rio do Janeiro. O Oscar Grant vivido por
Michael B. Jordan é apenas mais uma vítima de um sistema desigual. Disposto a
se redimir após um período na prisão, ele esbarra na farsa da ressocialização,
na falta de oportunidades, na desconfiança geral e óbvio na violência urbana
enfrentada no dia a dia por muitos. Um filme urgente, principalmente por
mostrar as sequelas causadas pelo racismo institucionalizado, o racismo que
oprime, que mata, que destrói vidas inocentes sob a chancela do Estado.
- Sonhos Imperiais (2014)
Imagine uma versão do comovente A
Procura da Felicidade (2006) só que na realidade nua e crua da periferia dos
EUA. Esta é a proposta de Sonhos Imperiais, um pequeno grande filme sobre a
luta de um ex-presidiário contra o círculo vicioso do mundo do crime. Ao longo
das enxutas 1 h e 25 min de duração, o promissor diretor Malik Vitthal dá uma
ruidosa voz a uma camada da sociedade frequentemente esnobada em Hollywood. Sob
uma perspectiva realística e questionadora, o longa esbanja propriedade ao
narrar a jornada de Bambi, um jovem criado na marginalidade que, após um período
preso, decide desafiar este ‘status quo’ e se dedicar a criação do seu pequeno
filho. Num relato comovente, Vitthal rompe com o maniqueísmo ao mostrar a
violência e a criminalidade como a principal sequela da desigualdade. Embora se
apresse em alguns momentos, subaproveitando arcos e personagens marcantes, o
argumento assinado por Ismet Prcic é incisivo ao mostrar a desoladora rotina de
um jovem em busca de uma nova chance, refletindo sobre o desdém social ao criar
um personagem encurralado. De um lado temos o tentador (e perigoso) mundo do
crime. Do outro a escassez de oportunidades impostas por um sistema hipócrita e
nada amistoso. Com diálogos densos, personagens multidimensionais e uma
abordagem realista, Vitthal surpreende ao, em meio a um cenário tão cruel,
tratar a literatura como uma espécie de refúgio. Fazendo um singular uso do
‘voiceover’, os textos de Bambi se revelam uma poderosa crônica sobre o cenário
que o cerca, uma visão de alguém que verdadeiramente viveu aquilo bem de perto.
Um sentimento potencializado pela sólida performance de John Boyega.
Reconhecido pela sua intensidade, o ator britânico é daqueles que traz a
verdade no seu olhar, imprimindo em cada frame o misto de esperança,
resiliência e raiva que ditam o rumo do seu personagem. Na pele de um jovem
talentoso, Boyega opta pelo comedimento ao capturar as nuances do seu Bambi, ao
mostrar a dura rotina de um ex-presidiário obrigado a andar na corda bamba, se
tornando a alma de uma obra que tem muito a dizer. Contando ainda com uma expressiva
fotografia noturna e planos íntimos recheados de sentimentos, Sonhos Imperiais
extrai a arte por trás de uma dura realidade ao traduzir com rara beleza uma
verdade infelizmente universal. Seja num gueto norte-americano, seja numa
favela brasileira.
- Cara Gente Branca (2014)
Com uma anárquica dose de
cinismo, Cara Gente Branca é o tipo de obra que não parece interessada em fazer
“amigos”. Com base nos inúmeros e abomináveis casos de festas com um forte teor
racista em campus de respeitadas universidades norte-americanas, o estiloso
longa dirigido por Justin Simien coloca o dedo em inúmeras feridas ao expor o
preconceito em sua face mais velada e dissimulada. Com a sempre radiante Tessa
Thompson na pele de uma jovem (e ferina) universitária alçada a líder do
movimento negro num ambiente dominado majoritariamente por brancos, o
realizador esbanja criatividade ao tratar o racismo nos seus mais diversos
níveis. A partir do choque inter-racial proposto pela trama, Simien é
categórico ao discutir a questão da apropriação cultural, a falta de
representatividade, a descaracterização do discurso daqueles que lutam por
igualdade. Com comentários ácidos e um tanto quanto premonitórios, o diretor é
astuto ao mostrar a farsa escondida no discurso integrador, ao escancarar as
intenções escusas, ao defender o preconceito na fala daqueles que refutam a
existência do racismo, que taxam manifestantes de vitimistas. Ou pior,
extremistas. E isso sem passar a mão na cabeça de ninguém. Todos têm a aprender
sobre o tema aqui. Embora, de maneira sucinta e categórica, Simien refute por
completo o estapafúrdio conceito do “racismo inverso”, é legal ver como o longa
dirigido por um realizador negro (o que só confere ainda mais peso ao discurso)
questiona também a maneira com que os próprios negros se enxergam dentro desta
sociedade. Com um texto aguçado e recheado de referências pop, o filme se
insurge contra a manutenção de velhos estereótipos, contra a incapacidade de
muitos em renegar os arquétipos alimentados ao longo de décadas pela sociedade
americana. No fim, maniqueísmos e precipitações narrativas a parte, Cara Gente
Grande se revela uma crônica implacável sobre uma sociedade que, em muitos
setores, ainda cultiva um maquiado processo de miscigenação. Uma dinâmica
frágil, tênue, que mais parece interessada em calar do que em dar voz. E ai
daqueles que queiram se fazer ouvir.
- Dope (2015)
Questionador, indomável e
aventureiro, Dope (leia a nossa crítica aqui) foge do lugar comum ao esmiuçar (e contestar) os estereótipos
raciais enraizados na sociedade norte-americana. Numa inusitada mistura de
gêneros, o afiado longa dirigido por Rick Famuyiwa (Nossa União, Muita
Confusão) arranca inúmeras gargalhadas ao flertar tanto com a leveza oitentista
dos clássicos juvenis de John Hughes, quanto com o engajamento social de
realizadores mais viscerais como John Singleton e Spike Lee. Embalado por uma
incrível trilha sonora, recheada de hits do Hip-Hop, o perspicaz argumento
renega através das desventuras de três jovens de classe média\baixa os clichês
sociais impostos pela desigualdade e pela falta de perspectiva. Um relato
"moleque", mas absolutamente realístico que não só traduz com extremo
bom humor alguns dos mais universais anseios da juventude, como também deixa
uma poderosa mensagem de luta contra o sistema. Seguindo a linha Os Donos da
Rua, mas sob uma perspectiva autoafirmativa, Dope fascina ao revelar a luta de
três jovens de origem humilde dispostos a conseguir algo que lhes pertencia
pela forma com que eles julgavam certa. Interpretado por Shameik Moore, o jovem
protagonista queria chegar a Harvard, mesmo oriundo do sistema público de
educação. Embora a pegada aventuresca confira uma aura leve\irônica a trama,
Famuyiwa é cirúrgico ao se insurgir contra o ‘status quo’ que eles estavam
inseridos. E quase duas décadas depois de Os Donos da Rua, é de impressionar
como a realidade das minorias pouco mudou nos EUA.
- Corra! (2017)
Confesso que, como um homem
branco, é difícil mensurar o quão vil pode ser o impacto do preconceito racial.
É complicado falar sobre um tema sem nunca ter sentido na pele, sem nunca ter
experimentado tamanha agressão. Até por isso sempre defendo a importância do
lugar de fala. De ouvir aqueles que realmente tem algo a dizer sobre um tema
delicado. De todos os títulos desta lista, porém, Corra! (leia a nossa crítica aqui) foi talvez o único
longa capaz de realmente nos colocar na pele de um homem negro vítima de
racismo. Sob a cínica batuta de Jordan Peele, o longa estrelado por Daniel
Kaluya escancara uma realidade esnobada por muitas ao, dentro de um contexto extremo,
mostrar o quão pavoroso pode ser a convivência com olhares de estranhamento,
com a perseguição, a repressão e o desprezo. O preconceito velado. Ao tratar o
seu protagonista quase que como um pedaço de carne, algo que faz todo o sentido
diante das revelações propostas pelo roteiro, Peele eleva o grau de conexão
entre público e personagem a um nível poucas vezes visto dentro do gênero, nos
permitindo, ainda que em doses minúsculas, experimentar a rotina de
indignidades enfrentadas por muitos. O resultado aflitivo, constrangedor e
genuinamente incomodo. O filme definitivo para refutar àqueles que ainda hoje,
diante de todos os fatos e notícias, cismam em defender que não existe racismo
em um país como o Brasil.
- Ponto Cego (2018)
Herdeiro natural de títulos do
porte de Faça a Coisa Certa (1989) e Os Donos da Rua (1991), Ponto Cego
(Blindspotting, no original) é o tipo de soco no estômago cinematográfico que
ora e vez nós merecemos levar. Embora o longa parta de uma premissa recorrente
na atualidade, a violência policial contra os negros norte-americanos, a
comédia dramática dirigida pelo novato Carlos Lopez Estrada surpreende ao não
ficar presa no ato em si. Um ataque covarde e naturalmente trágico que, ao ser
tratado como algo rotineiro na rotina dos personagens, surge apenas como um
agente catalisador da história. Como mais um pesadelo no dia a dia daqueles que
se acostumaram a lidar com isso. Impulsionado pelas soberbas performances
da dupla Daveed Digs (da série Black-Ish e do musical Hamilton) e Rafael Casal,
o realizador mexicano é enfático ao discorrer sobre a realidade de dois amigos
de infância que cresceram em meio a violência, a desigualdade e a
marginalidade. Com um afiado senso de ironia, Lopez esbanja astúcia ao trazer a
pluralidade étnica para o centro da trama, colocando o dedo na ferida ao
mostrar como a questão racial ainda hoje faz uma grande diferença nos grandes
centros urbanos. Ao inverter os arquétipos frequentemente utilizados no gênero,
o branco é o "gangsta" da vez, Lopez é astuto ao mostrar como, ainda
hoje, a cor da pele segue definindo a identidade\índole de algumas pessoas. Sem
um pingo de condescendência, o diretor é feroz ao apontar o dedo para aqueles
que não querem ver, mostrando como, mesmo numa sociedade teoricamente multirracial,
o preconceito e a desigualdade segue vitimando pessoas inocentes. E isso sob a
perspectiva de um homem comum que, após um episódio traumático, não conseguiu
simplesmente "virar a cara" e continuar vivendo. Usando o rap, a
descolada montagem, o visual estiloso e o seu corajoso senso de humor como um
diferencial, Ponto Cego (leia a nossa crítica aqui) é um drama social pesado, um filme pequeno e ao mesmo
tempo eloquente capaz de escancarar a barreira que separa aqueles que defendem
a multirracialidade e aqueles que realmente vivem a multirracialidade. Uma obra
que, através de cenas fortes e por vezes desconcertantes, só constata o quão
tolos são aqueles que defendem que o racismo não existe mais.
- O Ódio Que Você Semeia (2018)
Logo na sua desconcertante
primeira cena, O Ódio Que Você Semeia (leia a nossa crítica aqui) é incisivo ao jogar na cara do público
uma realidade cruel e injusta. Nela um pai de família negro, numa reunião com
ares corriqueiros, ensina os seus filhos a se portar caso se depare com uma
“batida” policial. A lição não é dada com serenidade. Não! A polícia, aos olhos
daquele homem, não simbolizava proteção. Longe disso. Era mais uma ameaça
imposta pela desigualdade e pelo racismo. Consciente da urgência temática da
sua obra, o diretor George Tillman Jr. (Homens de Honra) é veemente ao refletir
sobre a violência policial contra inocentes nos EUA sob uma perspectiva dura,
trágica e agressiva. Impecável ao revelar a seletividade do Estado no que diz
respeito a construção do estereótipo de possível ameaça, o realizador causa um
misto de raiva e tristeza ao narrar a jornada de uma jovem dedicada e educada
que desde cedo se acostumou a viver a segregação do nosso dia a dia. Sem a
intenção de contemporizar, o longa é igualmente contundente ao apontar a sua
mira para o racismo policial, para a rotina de indignidades impostas a muitos
apenas pela cor da sua pele. Com um texto sólido e sem floreios, Tillman Jr.
segue uma linha mais reativa (Malcom X é seguidamente lembrado pelo longa) ao
desafiar o seu público, ao questionar a inércia coletiva, escancarando o quão
cruel e hostil é o tratamento conferido pelas forças policiais às minorias em
território norte-americano. Embora carregue as tintas dentro do condescendente
clímax e se estique além do necessário, O Ódio que Você Semeia é um filme
categórico, um relato desconcertante sobre a violência policial, o racismo
enraizado e as inúmeras sequelas causadas pela desigualdade social.
- Infiltrado na Klan (2019)
A era Obama parece ter feito
muito mal a verve criativa de Spike Lee. Talvez “amansado” por um período de
esperança, igualdade e representatividade dentro da sociedade norte-americana,
o cultuado realizador entrou numa “má fase” criativa. A fera, porém, estava
adormecida, não enjaulada. Bastou a balança voltar a desequilibrar, a voz da
opressão falar mais alto, para que o realizador retornasse da sua entressafra
com o poderoso Infiltrado na Klan (leia a nossa crítica aqui). De volta a sua forma mais afiada e
questionadora, Lee enfia o dedo na ferida ao se insurgir contra a crescente
onda de preconceito nos Estados Unidos da América, buscando no passado a
inspiração necessária para construir uma das mais contundentes, cínicas e
corajosas críticas políticas já produzidas em Hollywood. Um filme que se
orgulha das suas raízes, da sua mensagem, da rica cultura afro-americana e
(especialmente) dos feitos de jovens corajosos que - no ápice da intolerância -
resistiram contra uma das mais nefastas faces do racismo. Em suma, um
verdadeiro manifesto contra o ódio e o racismo, Infiltrado na Klan redefine a
sua importância ao mostrar que alguns dos fatos impressos no longa estão mais
vivos do que poderíamos imaginar. Quando a questionadora obra parecia já ter
apresentado todas as suas credenciais, Spike Lee cruza a linha que separa os
talentosos dos gênios ao arrematar a trama de maneira avassaladora,
interligando passado e presente com uma coragem e um viés crítico raríssimo
dentro do showbiz nos dias de hoje.
Os filmes de viagem do tempo são tão populares por provocarem o imaginário do público. E se realmente tivéssemos este poder? Usaríamos para unir os nossos pais como em De Volta para o Futuro (1985)? Para livrar o mundo de uma epidemia como em Os Doze Macacos (1995)? Para caçar um perigoso assassino como em Alta Frequência (2000)? Para evitar um ataque terrorista como em Contra o Tempo (2011)? Ou então para conquistar a mulher que amamos como em Questão de Tempo (2013)? As possibilidades seriam tantas... Mas as consequências também. O que fica bem claro no mais novo e instigante título do gênero, o corajoso A Gente se Vê Ontem (leia a nossa crítica aqui). Produzido pelo ícone do cinema afro-americano Spike Lee, o longa dirigido por Stefan Bristol revigora este particular subgênero ao trazê-lo para um contexto bem mais atual e realístico. Inspirado por títulos como Faça a Coisa Certa (1989), Os Donos da Rua (1991) e o recente Dope (2013), a surpreendente produção original Netflix compensa os seus evidentes problemas de tom ao refletir sobre a vulnerável posição de um jovem negro dentro da sociedade norte-americana, escondendo na roupagem aventuresca uma pesada crítica política envolvendo a violência policial e as trágicas feridas causadas por esta rotineira mazela social. Um filme que atende as expectativas ao entregar uma aventura peculiar, com uma questionadora carga realística, uma obra capaz de entreter e impactar ao escancarar uma desconcertante (e muitas vezes inalterável) rotina.
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