Zoe Saldana é uma atriz singular de escolhas singulares.
Nascida nos EUA, mas com forte ascendência latina (ela morou durante grande
parte da sua juventude na República Dominicana), a realizadora é hoje um dos
mais expressivos rostos do cinema moderno, plural e diversificado. Com um
repertório vasto e um talento natural, Saldana, como muitas, começou reduzida a papéis "minoritários". Não demorou muito, porém, para ela transpor as
barreiras impostas pelos arquétipos étnicos. A amiga negra/latina da protagonista
logo se tornou uma pirata, depois uma assassina em busca de vingança. Num
piscar de olhos, Saldana passou a ser uma figura constante em grandes produções.
Hoje, do alto dos seus 40 anos, ela é primeira atriz da história a estrelar
três dos cinco filmes de maior bilheteria da Sétima Arte. Peça chave em marcas
do porte de Avatar, Star Trek e (claro!) Vingadores, Zoe Saldana se acostumou a
colecionar papéis em estrondosos sucessos de público, entre eles a inteligente
tenente Uhura, a valente guerreira Nefity e a destemida heroína Gamora. O que
fica mais uma vez bem claro com o lançamento de Vingadores: Ultimato. Um filme
evento de grandes proporções que, em menos de quinze dias, já ultrapassou a
marca dos US$ 2,2 bilhões ao redor do mundo. O seu triunfo enquanto artista é
inquestionável. Curiosamente, entretanto, Saldana está longe de ter o mesmo
prestigio de outras colegas de profissão. Enquanto nomes como os de Scarlett
Johansson, Jennifer Lawrence e mais recentemente Brie Larson são facilmente
reconhecidos pelo grande público, ela ainda não conquistou o seu 'star power'. E,
deixando de lado o (óbvio) contexto racial, a explicação me parece óbvia. Saldana está
disposta a se "sacrificar" ao máximo em prol dos seus trabalhos,
incluindo a sua própria imagem. Algo raro num meio tão vaidoso.
“Eu me sinto um pouco como uma
vira-lata, porque eu moro no espaço, ninguém me quer aqui na Terra.” Com ironia
e um sutil tom crítico, Zoe Saldana, em entrevista cedida ao jornal britânico
Independent em 2017, não fugiu da raia quando perguntada sobre o seu status
dentro da indústria. Mesmo hoje, com três grandes franquias no seu currículo
(Star Trek, Avatar e Vingadores), deve ser duro para ela perceber que não
conquistou (ainda) o nível de popularidade de alguns dos seus\suas colegas de
set. O que, a meu ver, é inexplicável. Dona de uma filmografia eclética,
Saldana é daquelas que topa desafios. Quantas atrizes, por exemplo, estariam
dispostas a “sumir” dentro de uma personagem digital numa aposta (então
arriscada) como Avatar? Ou então passar diariamente por quatro horas de maquiagem
para interpretar uma ‘bad-ass’ mercenária numa (então desvalorizada) incógnita
chamada Guardiões da Galáxia? Ela estava. E foi recompensada por isso. Embora
não esteja nas listas das mais bem pagas de Hollywood, nem tão pouco das mais
premiadas, Saldana viu no cinema blockbuster o “trampolim” que precisava para alçar
voos mais altos. E ainda hoje é muito grata por isso. E ai de quem tente desqualificar
o cinema pipoca. Em entrevista recente ao Net-a-Porter, a atriz norte-americana
não titubeou em questionar àqueles que desmerecem o trabalho dentro do
segmento. “Eu estive em salas com pessoas nesta indústria que são ótimas no que
fazem, mas são absolutamente elitistas quando olham para filmes como os filmes
da Marvel ou atores como eu. Eles acham que estamos nos vendendo de alguma
forma. (...) Esses elitistas devem ser um pouco mais conscientes sobre o que
significa um super-herói para uma criança pequena. Porque você não está apenas
me desanimando, você está insultando o que aquela criança considera importante
em seu mundo. Eu me sinto muito orgulhosa de estar vivendo no espaço, de estar interpretando
alienígenas verdes e azuis, para inspirar, principalmente, as gerações mais
jovens. Lembro-me de como era ser jovem e sentir-me completamente excluída das
conversas convencionais sobre a vida, porque eu era apenas pequena, sem
importância e "diferente”. ”, enfatizou a atriz.
Curiosamente, porém, a primeira
experiência de Zoe Saldana dentro do gênero foi um tanto quanto frustrante.
Após se destacar em pequenos projetos como o ‘indie’ Sob a Luz da Fama (2000), o
terrível Crossroads: Amigas para Sempre (2002), onde dividiu a tela (pasmem)
com a então estrela da música Britney Spears, e o musical genérico Ritmo Total
(2002), a então jovem atriz foi convidada para dividir a tela como Johnny Depp
e companhia no ótimo Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra (2003). Na
pele da pirata Anamaria, Saldana finalmente tinha a chance que precisava para
colocar a sua carreira num novo patamar. O resultado, entretanto, foi decepcionante
em muitos sentidos. Ao Cosmopolitan, a atriz disse que a sua experiência no set
foi a pior da sua vida profissional. “Eu saí daquele filme me sentindo meio
amarga. Tudo naquele set parecia muito elitista. Lá, você lidava com algumas
pessoas que eram ótimas e talentosas, e outras que não eram nada disso. Eu
ficava pensando: ‘Era melhor ter ficado em casa, com a minha família, estudando
ou viajando. Eu fui tratada de maneira realmente terrível. Ninguém falava
comigo direito. Eu era como uma figurante, mas em um set no qual os figurantes
não são tratados com o respeito que eles merecem como funcionários”, concluiu a
atriz. Felizmente, aqui, a primeira impressão não foi a que ficou. Até porque,
logo em seguida, Saldana recuperou o seu “fôlego” ao trabalhar com Steven
Spielberg no plural e cativante O Terminal (2004). Mesmo com um papel pequeno,
ela iluminou a maior parte das suas cenas ao viver uma oficial da alfandega às
avessas com as investidas de um insistente pretendente. Nos anos seguintes, no
entanto, a falta de oportunidade bateu a sua porta. Não, Zoe Saldana não deixou
de trabalhar. Mas, numa época em que a questão da diversidade era muito maltratada
em Hollywood, ele viu a sua carreira ficar reduzidas a papéis rasos em filmes
fracos (A Família da Noiva), modestos (Ponto de Vista) ou inglórios (Herança
Paranormal).
A essa altura, Zoe Saldana
precisava deixar a sua marca. E de um pupilo de Steven Spielberg veio a
personagem que mudaria a sua carreira. Historicamente, Star Trek sempre exerceu
um papel de pluralidade dentro da cultura pop. Lá nos anos 1960, numa escolha ousadíssima,
a equipe de produtores capitaneada por Gene Roddenberry investiu num elenco diversificado, dando voz a tipos
então "minoritários" dentro da sociedade norte-americana ao tirar do papel
personagens como o soviético Pavel Chekov, o asiático Tenente Sulu e a negra
Tenete Huhura. Fiel a essência integradora do produto original, J.J Abrams encontrou em Zoe
Saldana o misto de charme, força e feminilidade para resgatar o legado criado
lá atrás pela igualmente poderosa Nichelle Nichols. Na pele da nova Uhura, a
atriz entregou em Star Trek (2009) uma protagonista feminina reconhecível e
representativa, um tipo que, talvez pela primeira vez na sua carreira
profissional, ela poderia chamar de seu. “Eu acho que o importante é quando
você cria uma base para um personagem. Para Uhura, eu dei ar dos meus próprios
pulmões. Eu trabalhei com o diretor original. Ela fala de uma certa maneira,
ela se move de uma certa maneira. Backstory é tudo para mim. Quando em dúvida
você sempre vai para o passado. Não importa se você vai para uma sequência ou
uma trilogia ou o que quer que seja, você vai para aquela história de fundo.
Adoro eles. Eu adoro criar um pano de fundo de quando meu personagem tinha
cinco anos, mesmo que ninguém nunca o ouça. É a única vez que eu uso um diário
para escrever, é quando faço isso através dos olhos de uma pessoa diferente. E
eu crio um mundo para eles. Isso é tão significativo para mim.”, revelou
Saldana em entrevista ao Dan of Geek. Algo que, verdade seja dita, ficou bem
claro no seu “despretensioso” trabalho seguinte, um tal de Avatar (2009). Se
colocando na vanguarda da Sétima Arte ao trabalhar com a técnica de captura de
movimentos, Saldana, sob a virtuosa batuta de James Cameron, entregou uma
heroína com nuances próprias, muita dor, resiliência, raiva e imponência. Uma
personagem feminina única impulsionada por uma performance marcante.
Neste contexto, pouco importa se
o público conhece ou não quem é Zoe Saldana. Pouco importa se, numa daquelas
polêmicas bizarras, alguns tenham a considerado negra de menos para interpretar
a cantora Nina Simone na consequentemente detonada cinebiografia Nina (2016). O
seu trabalho passou a falar por si só. Transitando entre o ‘indie’ (Sentimentos
que Curam, A Caçadora de Gigantes) e o ‘mainstream’ (Star Trek: Sem Fronteiras,
Vingadores: Guerra Infinita) com desenvoltura, ela decidiu abraçar aquilo que
acreditava. Decidiu, sem um pingo de vergonha e\ou vaidade, jogar para equipe, se
entregar com devoção às suas personagens, defendendo a relevância do
blockbuster, o seu alcance e principalmente a rara chance de valorizar a busca
por representatividade. Os seus motivos me parecem bem justos. "Ver
garotas jovens olhar para você como uma heroína de ação torna difícil dizer não
a esses papéis. Eu me lembro de como era ser uma garotinha e não ter ícones que
eu realmente pudesse amar em filmes de ação. Se não fosse por Sigourney Weaver
(Alien: O Oitavo Passageiro) e Linda Hamilton (O Exterminador do Futuro) como
Sarah Conner, não sei o que teria feito. É engraçado, porque ambos os
personagens foram criados por James Cameron e depois acabei trabalhando com ele
(em Avatar). Espero que existam garotinhas como eu que estão sempre pensando
fora da caixa e queiram outra coisa, e eu posso preencher um espaço e dar às
mulheres mais opções em termos de como elas podem pensar em si mesmas.”,
confidenciou a atriz ao jornal Independent. Esqueça, portanto, o aspecto financeiro, o retorno nas bilheterias, o sucesso das suas populares produções. Em muitos casos, são das decisões corajosas que nascem algumas das grandes estrelas do cinema. E, se dependesse somente deste sentimento, Zoe Saldana estaria entre as mais reluzentes de Hollywood na atualidade. "Como artista, gosto de trabalhar com cineastas que têm a coragem de imaginar o inimaginável. Esses são os tipos de radicais que eu me identifico e eu cresci em uma casa onde havia muitas histórias que foram colocadas em lugares não convencionais. Eu achei a fuga muito mais gratificante, pelo menos para mim. E depois, com base em ser mulher, ao viver um alienígena, evito interpretar a namorada de alguém aqui na Terra, porque isso é um pouco doloroso.", sintetizou Saldana, em entrevista ao site Collider, refletindo sobre a (ainda hoje evidente) carência de grandes personagens femininas dentro de Hollywood.
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