quinta-feira, 4 de julho de 2019

Dez "pérolas" cinematográficas esquecidas dos anos 1980 para entrar no clima de Stranger Things



Nesta quinta-feira (04) chegou na Netflix a aguardada terceira temporada de Stranger Things. Uma produção aclamada que esbanjou perspicácia ao encontrar na nostálgica veia pop oitentista o chamariz necessário para atrair o grande público. Algo que, verdade seja dita, viria a se tornar comum em Hollywood nos anos seguintes em produções como It: A Coisa, Atômica, Bumblebee, Jogador Nº1, Baby Driver e tantas outras. Os anos 1980 nunca estiveram tão vivos dentro da indústria da cultura pop. No estilo, na trilha sonora, nas referências, no descompromisso. Para preparar o clima para estreia de Stranger Things, portanto, decide relembrar porque está década de irreverência cinematográfica é tão lembrada assim com uma lista com dez pequenas “pérolas” deste período que não mereciam cair no esquecimento. Títulos que, ao contrário dos clássicos reverenciados pela produção original Netflix, entre eles Os Caça-Fantasmas, Os Goonies, Conta Comigo, A Garota de Rosa Shoking e Os Garotos Perdidos, se “perderam” com a desvalorização das mídias físicas. 


- A Inocência do Primeiro Amor (1986)


Estrelado pelo então astro ‘teen’ Corey Haim, A Inocência do Primeiro Amor é um ‘coming of age movie’ revigorante com a peculiaridade narrativa dos anos 1980. Indo muito além do humor, o longa dirigido por David Seltzer foi muito além do que era entregue na época dentro do gênero ao narrar a jornada de um deslocado garotinho disposto a tudo para conquistar o coração (e não só a amizade) de uma nova aluna do colégio. Indo de encontro a alguns dos mais populares estereótipos do segmento, o longa causa um misto de diversão e comoção ao acompanhar o esforço de um garoto em busca de aceitação e autoafirmação, renegando alguns batidos clichês ao não reduzir tudo a história do nerd que repentinamente vira o garoto mais popular do colégio. Com personagens cativantes, um elenco talentoso (Charlie Sheen e Winona Ryder iniciando as suas respectivas carreiras), um extraordinário tempo de comédia e uma refrescante história de amizade, A Inocência do Primeiro Amor trouxe vida inteligente (e sutileza) para um segmento que na segunda metade dos anos 1980 passou a se repetir demais.

- A Hora da Morte (1985)


Uma espécie de versão estendida e divertidíssima do clássico da música pop Thriller, de Michael Jackson, A Hora da Morte é overdose de anos 1980. Com uma premissa simples, mas de consequências bem interessantes, o longa dirigido por Jack Brender se tornou um ‘hit’ cult das sessões vespertinas dos anos 1990 ao acompanhar as desventuras de um grupo de adolescentes após eles acordarem uma poderosa bruxa adormecida. Ao longo das enxutas uma e meia de película, A Hora da Morte traz um pouco de tudo numa misturada que a década de 80 era capaz de produzir. Tem bruxa, tem zumbi, tem lobisomem, tem fantasma, tem Terror, tem Aventura, tem Romance, tem clipe musical. Embora “limpinho demais”, os fãs do ‘gore’ podem se decepcionar, Brender compensa ao investir numa atmosfera naturalmente imersiva, num carismático casal de protagonistas e na eclética trilha sonora, entregando uma obra ainda hoje muito divertida.

- A Fortaleza (1985)


Em pensar que filmes como A Fortaleza passavam na tarde dos anos 1990 no saudoso Cinema em Casa do SBT. Que época maravilhosa! De longe o filme mais corajoso desta lista, o brutal thriller australiano dirigido por Arch Nicholson testa as nossas expectativas ao não se contentar com o escapismo. Num primeiro momento, apesar da pesada premissa, o sequestro de um grupo de crianças e da sua valente professora, A Fortaleza flerta com a aventura ao acompanhar a tentativa de fuga do grupo de um rochoso cenário. Por mais que o clima de tensão salte aos olhos, a sensação é que nada de muito ruim pode acontecer àquelas cativantes crianças. Ledo engano. À medida que a trama avança a insanidade passa a tomar conta. O perigo logo dá as caras. Com máscaras de animais, os sequestradores se revelam mais ameaçadores do que em muitos títulos do gênero. Por trás da tensão e do pesado rumo que a trama toma, porém, brota um exótico e ousado 'coming of age movie' com comentários "afiados" sobre a perda da inocência. Expostos ao perigo, o grupo de crianças se vê obrigado a precocemente reagir. Eles precisam criar casca, amadurecer, superar as adversidades, deixar de ser ver como crianças. Nas entrelinhas, em especial na figura da aluna vivida por Rebecca Rigg, Nicholson é contundente ao expor sob a perspectiva pueril dos personagens a perversidade da vida adulta. Obrigada a se enxergar como mulher, Narelle sofre diante do medo, do despreparo para agir como tal, um arco potencializado pela maneira com que o diretor explora o impacto no psicológico da adolescente. O que, diga-se de passagem, ajuda a explicar o raivoso clímax, um desfecho violentíssimo que faz sentido dentro da proposta do longa. Embora peque pelo exagero em alguns momentos, A Fortaleza mostra à sua peculiar maneira o quão traumática pode ser a precoce perda da inocência.

- O Último Guerreiro das Estrelas (1984)


São poucas as adaptações de videogame que funcionaram no cinema. Bem poucas. Os bons filmes sobre o universo dos games, porém, são mais comuns do que muitos pensam.  O que fica bem claro com o empolgante O Último Guerreiro das Estrelas. Na época dos saudosos árcades, Alex Rogan (Lance Guest) era “viciado” no jogo The Last Starfighter. Vivendo numa pacata comunidade, o inteligente jovem queria alçar voos mais altos, estudar longe dali, mas sua atual condição financeira não permitia grandes sonhos. Tudo muda, no entanto, quanto ele descobre que o jogo na verdade era uma espécie de simulador e que o seu ótimo desempenho o colocou no radar de uma respeitada esquadrilha espacial. Fazendo um comovente uso do subtexto social, o longa dirigido por Nick Castle transita entre a Aventura, a Comédia, a Space Opera e o Drama com desenvoltura, nos brindando com uma história sólida que já merecia um remake com os efeitos visuais atuais. Isso porque, embora não prejudiquem a experiência, O Último Guerreiro das Estrelas não passa no teste do tempo quando o assunto são as sequências espaciais. Apesar do virtuosismo de Castle, aos olhos do público atual, em especial dos mais jovens, o filme pode não causar o mesmo efeito. Para época, porém, o resultado chega a ser até impressionante, valorizado pelo imersivo design de produção e pelo precioso uso dos efeitos práticos. No fim, O Último Guerreiro das Estrelas se revela uma aventura leve, engraçada e com muito coração, daquelas que andam em falta nos dias de hoje.


- Trovão Azul (1983)


Por falar em filmes oitentistas empolgantes, Trovão Azul é o tipo de produção que sobreviveu muitíssimo bem ao teste do tempo. Com o saudoso Roy Scheider na pele de um anárquico piloto da polícia, o longa dirigido por John Badham (dos ótimos Jogos de Guerra e Um Robô em Curto Circuito) surpreende ao se revelar um filme com muito mais a dizer sobre o tema proposto. No papel, estamos diante de um enervante thriller de ação envolvendo um helicóptero ‘hi-tech’, um policial acuado e uma conspiração do governo. Com sequências práticas marcantes, Badham faz jus a velha escola ao extrair o máximo das cenas aéreas, nos brindando com planos ainda hoje dignos de nota. Toda a sequência do clímax, por exemplo, é de impressionar. O mesmo, aliás, podemos dizer ao detestável antagonista vivido por Malcom McDowell. Por trás da trama conspiratória, entretanto, Trovão Azul vai além ao tocar em questões muito atuais, refletindo sobre a violência policial e a exposição das minorias ao “fascismo” estatal num filme antissistema. Bem que a Netflix podia seguir “resgatando” mais obras como essa.

- Trânsito Muito Louco (1985)


Ahh as comédias oitentistas... Numa época em que fazer rir era a única preocupação de muitos realizadores, Trânsito Muito Louco alcança um nível de risadas por minuto altíssimo ao narrar as desventuras de um grupo de desastrados motoristas às avessas com um curso de reciclagem. No embalo de Loucademia de Polícia (1984), o longa dirigido por Neil Israel (roteirista do Loucademia) repete a fórmula com energia num filme recheado de situações cômicas impagáveis. Embora não tenha um grupo de personagens tão marcantes quanto o clássico estrelado por Steven Gutemberg, Moving Violantions (no original) supera em muitos momentos o hit do ano anterior ao conseguir extrair o máximo dos seus melhores personagens. Ao contrário do protagonista falastrão vivido por John Murray, tipos como a hipocondríaca (Wendie Jo Speder), o dono de uma loja de mecânica (Fred Willard), o mórbido fã de cinema (Brian Becker) e principalmente a idosa cegueta (Nedra Volz) protagonizam gags dignas de boas gargalhadas, elevando o nível da sátira e a qualidade do longa como um todo. Recebido com críticas pesadas na época do lançamento, Trânsito Muito Louco ganhou status cult no mercado ‘home-video’ e hoje é lembrado com carinho por todos que cresceram assistindo a dobradinha Sessão da Tarde\Cinema em Casa.


- Deu a Louca Nos Monstros (1987)


Um dos meus filmes favoritos, Deu a Louca nos Monstros é daqueles títulos que eu sempre coloco nas minhas listas de subestimados. Além de ser uma pérola cult, o longa dirigido por Fred Dekker apresentou os clássicos Monstros da Universal para as novas plateias com uma espécie de Os Goonies versão “moleque”. Embora eu seja um fã do clássico de Richard Donner, Monster Squad (no original) fez jus ao legado destes icônicos antagonistas ao entregar uma aventura cômica com sacadas geniais, personagens humanos, diálogos muito engraçados e um dos mais assustadores Conde Drácula da história do cinema. No fim, Deu a Louca nos Monstros se revela um filme sobre a amizade na infância capaz de fazer rir, assustar, empolgar e ainda arrancar sinceras lágrimas. Um verdadeiro parque de diversões. Talvez o filme dos anos 1980 que mais se reconheça em Stranger Things.

- A Aparição (1986)


Tá ai um filme que eu curtia bastante nos anos 1990. Com Charlie Sheen, Nick Cassavetes e Randy Quaid no elenco, A Aparição é um Velozes e Furiosos paranormal com elementos de thriller de vingança que cansei de assistir no Cinema em Casa. Com uma premissa simples e uma aura descolada, o longa narra as desventuras de um grupo de jovens fãs de corridas ilegais que vê a sua existência ameaçada quando um misterioso piloto os desafia. Embora narrativamente cíclico, A Aparição é um ‘cult movie’ com pedigree, um filme brega, com um ‘plot’ estrambólico, uma subtrama familiar, tudo a serviço da desculpa para colocar jovens em corridas mortais contra um sombrio piloto. O visual ‘hi-tech’ do carro, aliás, era muito 'cool', o que, na época, era um prato cheio para a garotada fã de cinema de ação.


- Spacecamp (1986)


Com um então jovem Joaquin Phoenix na pele de um prodígio fã da NASA, Spacecamp é o tipo de produto escapista que caiu em desuso em Hollywood. Sem grandes pretensões, mas com um elenco jovem recheado de nomes conhecidos, o longa dirigido por Harry Winner brinca com o imaginário da garotada ao acompanhar as desventuras de um grupo de alunos de um curso de verão da NASA que acidentalmente são lançados para o espaço. No embalo do carismático elenco, capitaneado por nomes como os de Kate Capshaw (Indiana Jones e o Templo da Perdição), Lea Thompson (De Volta para o Futuro), Kelly Preston (Irmãos Gêmeos) e Tate Donovan (Poção de Amor Nº9), o longa até custa a “decolar”, mas quando viaja para o espaço o resultado é divertidíssimo. Como se não bastasse a química entre os atores, as sequências espaciais funcionavam bastante na época, criando um clima de tensão\aventura com a cara das sessões vespertinas dos anos 1980\1990.



- Sete Minutos no Paraíso (1985)


Para fechar esta lista de maneira mais leve, Sete Minutos no Paraíso é um filme encantador. Muito mais do que um romance ‘teen’ protocolar, o longa estrelado por uma jovem Jennifer Connely foge do lugar comum ao entender que o jovem dos anos 1980 não queria só sexo, festas e popularidade. Embora sob um viés otimista típico da época, o longa dirigido e roteirizado por Linda Fefferman esbanja sensibilidade ao invadir a intimidade de um trio de amigos obrigados a lidar com a responsabilidade precoce, as sequelas do divórcio e o fervor hormonal desta fase da vida. Numa época em que Hollywood era dominada por homens, a direção feminina confere um toque especial ao projeto, respeitando o senso de humanidade dos seus personagens ao nunca reduzi-los a um arquétipo. Mesmo nos momentos mais formulaicos da trama, Fefferman consegue tocar em temas mais reais, respeitando a complexidade do tema proposto sem nunca pesar demais a mão. O resultado são personagens carismáticos, sequências tocantes e uma cena final de rara beleza.

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