Gosto não se discute. Foi assim
que, há quase dez anos, abri um dos artigos mais lidos aqui no Cinemaniac, o
nosso Top 10 Filmes Subestimados. E sigo pensando da mesmíssima forma,
principalmente quando o assunto é o mundo da Sétima Arte. Num momento em que o
‘hype’ parece definir o triunfo (ou não) de um filme, que as bilheterias se
tornaram um constante (e um tanto quanto falho) sinônimo de sucesso, eu sigo me
incomodando quando vejo alguns títulos tão singulares passarem “em branco” pelo
público. Algo que tem se tornado extremamente comum, em especial, dentro do
concorrido mercado blockbuster. E uma das mais recentes vítimas do desdém
popular foi o divertidíssimo Solo: Uma História Star Wars. Embora o conturbado
processo de produção tenha levantado uma série de dúvidas sobre o nível de
qualidade do projeto, o longa dirigido por Ron Howard conseguiu correr contra o
tempo, contornar os seus problemas, culminando numa aventura charmosa e
empolgante que tinha tudo para se tornar um grande ‘hit’. O que, definitivamente,
não aconteceu. Recebido de maneira levemente amistosa pela crítica e fria pelo
público, a película definitivamente não decolou, se tornando um retumbante
fracasso nas bilheterias. Uma obra que, na verdade, parece não ter encontrado o
seu público. Solo: Uma História Star Wars (leia a nossa crítica aqui), porém, está longe de ser o primeiro
filme pipoca a não receber o devido crédito. Neste Top 10, portanto, resolvi
preparar uma seleção com ótimos blockbusters subestimados pelo público e\ou
pela crítica, títulos que, a meu ver, não merecem cair no ingrato limbo do
esquecimento. Dito isso, começamos com...
10º Tubarão 2 (1978)
Uma das pedras fundamentais na
formação do segmento ‘blockbuster’, Tubarão (1975) ajudou a redefinir o negócio
cinema ao mostrar o lucrativo apreço do público por obras populares. Após
faturar mares de dinheiro com o virtuoso longa original, Steven Spielberg se
sentiu saciado e decidiu partir para novas empreitadas. O estúdio Universal, no
entanto, queria mais. O resultado foi o tenso Tubarão 2 (1978), um filme que,
embora tenha feito sucesso junto ao público na época do seu lançamento,
faturando US$ 187 milhões ao redor do mundo, foi retumbantemente esquecido nos
anos seguintes. O que, sinceramente, é uma pena. Sob a nervosa batuta de Jeannot
Szwarc, o longa novamente estrelado por Roy Scheider se tornou um precursor do
que eu penso ser o modelo certo de fazer uma continuação, evitando se prender
ao viés reverencial ao tirar do papel uma obra menor e mais contida. Por mais
que, a rigor, o longa siga um caminho reconhecível aos olhos do seu antecessor,
Szwarc é cuidadoso ao trazer o fator humano para o centro da trama, tornando
tudo mais pessoal ao colocar o sobrevivente Martin Brody mais uma vez como a
última linha de defesa entre um grupo de inocentes jovens e um feroz tubarão.
Ao invés de privilegiar a ação pela ação, o realizador é sutil ao se preocupar
com o desenvolvimento do protagonista, ao mostrar os efeitos dos episódios
passados na sua vida, preparando o terreno para um último ato intenso e
implacável. Com um antagonista animatrônico desta vez funcional, Szwarc tira do
papel algumas angustiantes sequências de ação, estreitando os laços entre o
público e os personagens ao, tal qual Spielberg, mostrar pouco a pouco a
agressividade do tubarão branco. Uma obra que, ao encontrar o equilíbrio
perfeito entre a ação, a aventura e o drama, mostrou que uma continuação de
respeito não precisaria necessariamente replicar as fórmulas do original desta
vez sob uma perspectiva maior e mais imponente.
9º O Último Grande Herói (1993)
Entre os anos 1980 e 1990, as comédias de ação se tornaram extremamente populares em Hollywood. Filmes como Máquina Mortífera, Um Tira da Pesada e Os Bad Boys se tornaram referências dentro do segmento, abrindo o espaço para outros títulos nem tão bem-sucedidos assim. Esse é o caso de O Último Grande Herói, um filme que tinha tudo para ser um grande ‘hit’, mas não causou o “estrago” esperado. Com Arnold Schwarzenneger na pele de um astro de ação que se vê obrigado a ter como “parceiro” um jovem fã dos seus filmes, o longa dirigido por John McTiernan (o homem por trás de o fenômeno Duro de Matar) esbanjou sagacidade ao quebrar a quarta parede, trazendo a metalinguagem para o cinema pipoca numa obra leve e esperta. Numa proposta marcada pela autorreferência, o diretor mostra habilidade ao rir do gênero que o consagrou, brincando com os clichês ao mostrar as diferenças entre o mundo da ficção e a realidade. No embalo da expansiva performance de Schawarzenneger, completamente à vontade num arquétipo ‘friendly’ que viria a se tornar recorrente na sua filmografia anos depois, McTiernam entrega uma aventura empolgante, com ótimas sacadas, divertidas sequências de ação e carregada de referências que sabe-se lá o porquê não emplacou nos EUA. Um filme saboroso para os fãs do cinema do gênero (e para os entusiastas de um entretenimento escapista) que nunca deveria cair em desuso.
8º Meu Amigo, O Dragão (2016)
O caso mais recente desta lista,
porém, não poderia ser outro. Enquanto as versões ‘live-action’ de títulos como
Alice no País das Maravilhas, Cinderella, Mogli e A Bela e a Fera encheram os
cofres da Disney, o cativante Meu Amigo, O Dragão foi simplesmente esnobado
pelo grande público. Numa versão, a meu ver, superior ao longa original, a
singela aventura familiar dirigida pelo autoral David Lowery trouxe um ar
contemplativo ao universo do estúdio, mostrando ser capaz de construir uma obra
densa e delicada sem sacrificar o senso de entretenimento. Com um protagonista
extremamente carismático, interpretado pelo promissor Oakes Fegley, o longa me
causou um natural encantamento ao narrar a jornada de um jovem órfão que, após
um trágico acidente, se vê sozinho perdido numa floresta. Obrigado a se virar
com as suas próprias forças, o acuado garoto é “adotado” por um adorável
dragão, um ser fantástico que protegia a sua existência nesta isolada floresta.
Após anos juntos, o jovem é repentinamente achado por um grupo de humanos,
ganhando assim a oportunidade de voltar ao mundo civilizado após anos vivendo
na selva. Algo que seria realmente bom se não obrigasse a se afastar tanto do
querido e fiel amigo voador. Com base nesta cativante história, Lowery investe
numa obra madura e sentimental, um filme que, diante do frenesi que cada vez
mais toma conta do universo blockbuster, se arrisca ao preferir o silêncio a um
diálogo tolo, ao valorizar a intimidade em detrimento da ação banal. Como de
costume na sua filmografia, o realizador aposta em enquadramentos refinados, em
cenas genuinamente pessoais, extraindo o máximo desta peculiar relação de
amizade enquanto desenvolve os dilemas do pequeno protagonista. Por mais que a
bem-intencionada mensagem de cunho ambiental possa soar pueril, Lowery compensa
ao tecer um belo comentário sobre a disfuncionalidade familiar, preparando o
terreno para o emotivo último ato e o empolgante clímax. Fazendo ainda um
marcante uso do CGI, o visual do dragão é sensacional, Pete’s Dragon (no
original) foi até bem recebido por parte da crítica, mas não agradou um público
cada vez mais seduzido pela face mais “hypada” do cinema pipoca. Embora não
tenha se revelado um fracasso de público mundialmente, muito em função do “mediano”
orçamento de US$ 60 milhões, a película não chegou perto de gerar o frisson
causada pelas produções citadas acima, algumas, preciso dizer, bem menos
qualificadas que está grande pequena pérola do universo blockbuster. É isso que
eu chamo de um filme subestimado.
7º Deu a Louca nos Monstros
(1987)
Lançado um pouco depois de Os
Goonies (1985) e Os Garotos Perdidos (1987), Deu a Louca nos Monstros não
conseguiu surfar na onda destes ‘hits’ na época do lançamento. O que, a meu
ver, é uma pena, já que estamos falando de uma aventura corajosa que ousou ao
colocar a criançada para desafiar os clássicos monstros da Universal. Uma
figurinha carimbada nas sessões vespertinas da década de 1990, o longa dirigido
por Fred Dekker (Noite dos Arrepios) e roteirizado por Shane Black (Máquina
Mortífera) se tornou uma espécie pérola ‘cult’ familiar ao investir num roteiro
ora sombrio e incorreto, ora leve e aventuresco. Com personagens cativantes, um
senso de humor genuinamente sacana, uma ameaça realmente assustadora e um
argumento cativante, Dekker criou um “terrir” para todos os públicos, fazendo
um primoroso uso dos efeitos práticos (em especial da maquiagem e do figurino)
ao respeitar o legado de monstros como o violento Drácula, o raivoso Lobisomem,
a ‘creep’ Múmia, o anfíbio Monstro do Pântano e o adorável Frankenstein. Sem
querer revelar muito, a relação entre a criatura de Mary Shelley e a fofíssima
Phoebe está entre os pontos altos do longa e se revela uma grata surpresa. O
mesmo, aliás, podemos dizer da assombrosa versão do “príncipe das trevas”
vivida por Duncan Regehr, um antagonista impiedoso que, graças a sagacidade de
Dekker em extrair o máximo deste verdadeiro ícone da Sétima Arte, se torna a
cereja do bolo desta inusitada aventura. Com gags afiadas, uma premissa
instigante e uma proposta visionária, Deu a Louca nos Monstros merece ser
tratado como o precursor de obras do porte de Stranger Things e It. A diferença
é que, enquanto o longa antagonizado pelo arrepiante palhaço Pennywise rendeu
US$ 700 milhões ao redor do mundo, este subestimado exemplar do cinema
oitentista faturou pouco mais de US$ 3 milhões, o que de maneira alguma faz jus
ao nível de qualidade desta pequena pérola.
6º Pequenos Guerreiros (1998)
Responsável por títulos como Piranha (1978), Grito de Horror (1981), Gremilins (1984) e Matinee: Uma Sessão Muito Louca (1993), Joe Dante é um dos realizadores mais subestimados em atividade na indústria. Seus filmes, nos anos 1980 e 1990, eram sinônimo de pura diversão, obras singulares, com uma aura escapista e uma autoral aura ‘dark’. O que fica claro, em especial, num dos seus projetos mais empolgantes, o esperto Pequenos Guerreiros. Influenciado pelo fenômeno Toy Story, o diretor trouxe o universo lúdico das ‘action figures’ para o mundo real numa aventura sagaz e visualmente memorável. Fazendo um marcante uso do CGI na composição dos personagens, o longa narra as desventuras de uma pacata família que, após um engano, recebe um lote de brinquedos pensados para serem verdadeiras armas de guerra. Com inteligência artificial e um propósito, os agressivos bonequinhos militares, o Comando Elite, entram em rota de colisão com os seus rivais, os bondosos alienígenas Gorgonóides, iniciando uma batalha que logo sairia do controle e geraria caos aos seus inocentes donos. Inspirado por títulos como o cult O Mestre dos Brinquedos, Joe Dante investe numa premissa aparentemente simples, aparentemente requentada, mas com uma roupagem original, uma forte mensagem antibélica, personagens absurdamente cativantes e um visual à altura do que era oferecido na época. Somado a isso, o diretor reuniu um timaço do primeiro escalão na equipe de dubladores, elevando o nível da aventura ao trabalhar com nomes do porte de Tommy Lee Jones, Frank Langella, Bruce Dern, Ernest Borgnine e George Kenedy. Com sequências de ação inventivas, um particular senso de humor e um roteiro satisfatoriamente inteligente, Pequenos Guerreiros é um blockbuster com identidade própria, um filme que, apesar dos seus predicados, não emplacou. Recebido com frieza pela crítica, o longa faturou pouco mais de US$ 50 milhões ao redor do mundo, um valor pouco acima dos US$ 40 milhões de orçamento. Após ganhar uma segunda chance no mercado ‘home-vídeo’ e se tornar um sucesso na transição dos anos 2000, Pequenos Guerreiros não demorou muito para cair no esquecimento, se revelando um dos blockbusters mais subestimados deste período.
5º Constantine (2005)
Num momento em que os filmes de
super-herói começavam a dominar o terreno dos blockbusters, o ‘bad-ass’
Constantine passou longe de ter o mesmo êxito de títulos como os primeiros
X-Men, Homem-Aranha e O Quarteto Fantástico. O que, a meu ver, é um grande
pecado, com o perdão do trocadilho. Sob a refinada batuta de Francis Lawrence
(Jogos Vorazes), o longa estrelado por Keanu Reeves e Rachel Weisz (olha ela de
novo) se antecipou ao tentar trazer os quadrinhos considerados adultos para o
‘mainstream’, encontrando na figura do caçador de demônios o personagem ideal
para atrair jovens e adultos. Uma sacada, de fato, muito inteligente. Embora
não seja um profundo conhecedor da ‘graphic novel’ de Jamie Delano e Garth
Ennis, ficou claro o esmero de Lawrence em levar o pano de fundo
místico\espiritual para o centro da trama, precisando de alguns minutos para
estabelecer uma realidade complexa em que entidades vagam pela terra, anjos
agem de maneira dúbia e que demônios parecem tentar instaurar um novo
apocalipse. Com Keanu Reeves desfilando o seu singular carisma na pele de um
caçador sarcástico com tendências suicidas, o diretor conseguiu caprichar no
visual sem sacrificar a narrativa, encontrando um bem-vindo meio termo num
thriller de ação\horror\fantasia instigante e empolgante. Buscando referência
ora em elementos barrocos, vide o(a) fantástico(a) Anjo(a) Gabriel de Tilda
Swinton, ora na modernidade urbana, Lawrence é astuto ao, tal qual a HQ,
flertar com elementos religiosos dentro de um contexto muito próprio, criando
uma obra visualmente estilosa e narrativamente empolgante. A recepção geral, no
entanto, ficou bem abaixo das expectativas. Recebido de maneira morna pela
crítica, o longa foi especialmente mal nas bilheterias americanas, rendendo US$
75 milhões contra os US$ 100 de orçamento. Diante da megalomania que tomou
conta do gênero nos últimos anos e do triunfo posterior dos filmes de
super-heróis para adultos, eu tenho percebido que Constantine passou a ser
encarado com novos olhos, mostrando o quão subestimado foi o longa na época do
seu lançamento.
4º Mar de Fogo (2004)
Levemente inspirado numa incrível história real, Mar de Fogo é uma aventura à moda antiga que provavelmente por isso não encontrou o seu público. Com Viggo Mortensen na pele de um caubói decadente disposto a participar de uma perigosa corrida a cavalo no deserto, o longa dirigido por Joe Johnston (Rocketeer) vai da empolgação a emoção ao acompanhar a épica jornada de um homem em território estrangeiro. Fazendo um brilhante uso do expansivo cenário desértico, capturado em sua face mais opressiva pelas lentes de Shelly Johnson, o realizador investe numa história com múltiplas facetas, que se inicia como uma típica história de superação, ganha elementos mais escapista no momento em que o protagonista se envolve com a filha de um respeitado sheik (o legendário Omar Sharif, num dos seus últimos papeis) e se transforma num denso drama no momento em que cavalo e homem precisam se autoafirmar contra o preconceito. Impulsionado pela magnífica performance de Mortensen, Johnston é astuto ao estreitar os laços entre o protagonista e o seu animal, tecendo um comovente comentário sobre as raízes indígenas ao lembrar das memórias e tradições daqueles que foram dizimados no processo de colonização da América. Embora o foco esteja na ação, vide o catártico clímax, o diretor esbanja delicadeza ao traduzir os obstáculos enfrentados pela dupla, ao capturar a deterioração física\emocional durante a corrida, preenchendo esta aventuresca premissa com um ‘background’ bem mais denso que a premissa aparentava sugerir. Apesar dos predicados visuais e da grandiloquência da obra, no entanto, Mar de Fogo conquistou o espaço esperado (eu diria merecido). Recebido de maneira morna pela crítica, o longa, cujo orçamento beirou a casa dos US$ 100 milhões, faturou “apenas” US$ 67 milhões em solo americano, US$ 107 mi ao redor do mundo, um retorno muito baixo para uma produção deste porte. Como costumo dizer, porém, não podemos medir a qualidade de um filme pela sua lucratividade, o que fica bem claro, em especial, quando nos deparamos com pérolas subestimadas como Mar de Fogo e muitos outros títulos desta lista.
3º Tempestade (1998)
Se eu pudesse escolher o
subestimado entre os subestimados desta lista, este seria o excelente
Tempestade. Numa época que Hollywood se viu encantada pelos filmes de
catástrofes naturais, entre eles os hoje desvalorizados Volcano: A Fúria, O Inferno
de Dante e Twister, o diretor Mikael Salomon (Band of Brothers) ousou ao
subverter este popular formato, usando elementos do gênero num ‘heist movie’
empolgante e angustiante. Com um elenco recheado de nomes talentosos, entre
eles Christian Slater, Morgan Freeman, Randy Quaid e Minnie Driver, o longa
instiga ao narrar a história de um grupo de assaltantes que, no meio de uma
tempestade, resolve assaltar um carro forte. Acuado, um dos guardas foge com os
US$ 3 milhões e o esconde, sem saber que a enchente, um dúbio xerife e os
violentos assaltantes logo se tornariam um grande obstáculo numa noite
daquelas. Com efeitos práticos impactantes, um argumento recheado de
personagens multidimensionais e um intenso clima de corrida contra o tempo,
Salomon entrega um thriller naturalmente imersivo, um filme tenso do começo ao
fim principalmente pela forma com que transforma a tormenta como um agente
complicador. Apesar do inegáveis predicados estéticos e narrativos, entretanto,
Tempestade (Hard Rain, no original) foi tratado com desdém pela crítica (em sua
maioria negativa) e pelo público. Com orçamento de US$ 70 milhões, a película
rendeu pouco mais de US$ 19 milhões nos EUA, um enorme fracasso para os cofres
da Paramount. Para piorar, nos últimos anos, Tempestade parece ter caído
completamente no esquecimento, se tornando um daqueles títulos praticamente impossíveis
de se achar nos mais populares serviços de ‘streaming’. Alô Netflix, Alô Amazon
Prime.
2º A Múmia (1999)
Esse é um caso especial. Com efeitos visuais ainda hoje impactantes, uma construção de mundo impecável e personagens extremamente cativantes, A Múmia se revelou um genuíno sucesso de público. Um típico filme pipoca para muitos. Eu sigo achando, no entanto, este um dos últimos grandes representantes do clássico cinema de aventura. Sob a engenhosa batuta de Stephen Sommers, o longa estrelado por Bredan Fraser e Rachel Weisz nos levou para um Egito ‘noir’ numa premissa envolvendo um mercenário desajustado, uma tímida bibliotecária, um hilário trambiqueiro e uma milenar criatura maligna. Numa espécie de Indiana Jones “turbinado”, Sommers esbanjou virtuosismo técnico ao abraçar o pano de fundo mitológico, transformando o desconstruído Imohtep num dos primeiros grandes personagens digitais do cinema. Uma ameaça implacável que, como se não bastasse o seu visual naturalmente ‘creep’, ganha imponente superpoderes. Como não citar, por exemplo, a fantástica sequência aérea no deserto, um daqueles momentos mágicos que se tonaram bem comuns nos blockbusters dos anos 1990. Contando ainda com um cativante arco romântico, a química entre Weisz e Fraser era gritante, e um impagável senso de humor, A Múmia é cinema em sua máxima potência, um filme leve, tenso e empolgante que não merece ser tratado como um mero caça-níquel de verão. O que fica bem claro, em especial, quando os comparamos com as duas esquecíveis sequências.
1º O Gigante de Ferro (1999)
Quando o assunto são filmes
subestimados, entretanto, poucos foram (e são) tão subvalorizados quando o
fantástico O Gigante de Ferro (1999). Um dos últimos grandes representantes da tradicional
animação em 2-D, o longa dirigido por Brad Bird se revela uma pérola comovente,
uma história de amizade entre um curioso garoto e um gigantesco robô com
problemas de memória. A partir de traços lúdicos e recheados de personalidade,
o diretor investe numa história doce, uma jornada afetuosa consagrada por
personagens cativantes, pela delicadeza do texto, pelas magníficas cenas de
ação e pela maneira com que explora as diferenças de escala entre os
protagonistas. Além disso, como se não bastasse o esmero de Bird em estreitar
os laços entre o pequeno garoto e o gigante robô, o argumento é enfático ao
questionar as raízes bélicas norte-americanas, tirando um sagaz proveito do
contexto histórico (a Guerra Fria) e do ‘background’ super-heroico ao preparar
o terreno para um encantador último ato. Um desfecho arrepiante digno dos
melhores filmes do segmento. Lançado num momento em que a animação digital já
começava a dominar o mercado, O Gigante de Ferro foi tratado com um inigualável
desdém. Hoje respeitado pela mídia especializada, na época do lançamento o
filme não teve a mesma atenção, o que talvez explique o seu pífio desempenho
nas bilheterias. Com orçamento de US$ 70 milhões, o longa faturou US$ 23
milhões ao redor do mundo, um desempenho injusto que de maneira alguma reflete
o nível de qualidade desta produção.
Menções Honrosas
- A Ilha (2005)
Preciso confessar algo. Eu me irrito muito quando vejo um lugar comum se transformar numa opinião popular. Nos últimos anos, por exemplo, virou algo normal ver “entendidos” tratar Michael Bay como um péssimo diretor. Assim como aconteceu recentemente com Nicolas Cage, por alguns filmes (vide os detestáveis últimos Transformers) o realizador se tornou sinônimo de produções sem qualidade. O que é um erro. Embora ele esteja longe de ser um dos meus diretores favoritos, é fato que, quando acerta, Bay entrega grandes exemplares do cinema pipoca. Os Bad Boys (1995), A Rocha (1996) e Armaggedon (1997) estão aí para comprovar. Entre esses títulos, porém, um dos mais subestimados é o futurista A Ilha (2005). Transitando entre a ficção-científica e a ação com inesperada originalidade, Bay pinta uma visão de futuro pessimista onde os seres humanos viviam organizadamente em colônias ‘hi-tech’ sonhando com o dia que seriam sorteados para uma paradisíaca ilha. A reação de passividade, no entanto, é quebrada quando um dos “habitantes” resolve questionar a sua existência, iniciando uma investigação que viria a mudar a sua maneira de enxergar o mundo. Inspirado em Sci-Fi’s cabeças como THX 1138 (1971) e 1984 (1984), Bay é sagaz ao levar os conflitos existenciais do gênero para o grande público, entregando uma obra empolgante, enervante e ao mesmo tempo satisfatoriamente inteligente. Impulsionado pelas magnéticas performances de Ewan McGregor e Scarlett Johansson, o diretor consegue construir um thriller de ficção dividido em duas metades bem distintas, se preocupando em construir esta distópica realidade, em situar o espectador dentro do imersivo cenário, para só então quebrar as nossas expectativas e investir em soluções mais “palatáveis” para o universo dos filmes pipocas. O resultado é uma obra visualmente estilosa, com sequências de tirar o fôlego e um clímax inesperadamente comovente, daqueles que um “péssimo” diretor nunca seria capaz de tirar do papel. O retorno, porém, ficou longe do esperado. Como se não bastasse a morna recepção por parte da crítica, o longa naufragou nas bilheterias norte-americanas, rendendo modestos US$ 35 milhões, um valor praticamente irrisório perto dos US$ 126 milhões de orçamento. Estamos diante, no entanto, de uma obra como ideias próprias e de um Michael Bay que pensava mais em criar e menos em explodir as coisas.
- No Limite do Amanhã (2014)
Só pelo fato de ter Tom Cruise no
elenco, um blockbuster já é tratado como um sucesso em potencial. Quando o
filme é realmente empolgante, então, a chance de lucratividade é grande. O caso
No Limite do Amanhã, no entanto, é um capítulo à parte. A rigor, o Sci-Fi
dirigido por Doug Liman tinha tudo para se tornar um verdadeiro arrasa
quarteirões. Com um argumento inventivo, uma estrutura narrativa típica do
universo ‘gamer’, personagens de fácil identificação, sequências de ação
empolgantes e um ‘plot’ impactante, o longa se revela um entretenimento de alto
nível incrementado pela presença de Cruise e da talentosa Emilly Blunt. Um
filme que, embora peque pela condescendência no seu terço final, impacta ao
colocar a raça humana diante do apocalipse alienígena. Apesar do singular
visual e das explosivas sequências de batalha, no entanto, No Limite do Amanhã
esbarrou nas suas próprias pretensões. Talvez confiando na figura de Cruise, ou
no evidente potencial da obra, a Warner resolveu despejar US$ 178 milhões na
produção. Um valor difícil de ser recuperado, principalmente quando o assunto
são produções originais. Embora o filme tenha conseguido equiparar as coisas ao
redor do mundo, rendendo cerca de US$ 370 mil, o fato é que No Limite do Amanhã
não atraiu o grande público, se tornando uma das obras mais subestimadas pelo
público da carreira de Tom Cruise.
- Speed Racer (2008)
Inspirado no clássico anime japonês, os então irmãos Wachovski (Matrix) capricharam nas cores e no visual estilizado na vibrante adaptação Speed Racer. Com o seu singular modo de enxergar o cinema, a dupla conseguiu capturar o frenesi deste icônico desenho animado, usando e abusando do CGI na composição das insanas corridas, na reconstrução dos marcantes veículos, na composição dos psicodélicos cenários e nas espertas soluções visuais. Prezando pela fidelidade, os Wachovski fazem jus ao legado da série ao explorar os principais personagens da série, encontrando no purismo de Speed (Emile Hirsch), na intransigência do bonachão Pops (John Goodman) e no enigmático Corredor X (Mathew Fox) os ingredientes necessários para apontar a sua reconhecida mira contra as grandes corporações. Com uma montagem recheada de soluções espertas e sequências que parecem ter sido reproduzidas quase que diretamente dos animes, o grande trunfo de Speed Racer está na maneira com que o argumento preza pelo espírito esportivo, o que fica nítido, em especial, no empolgante último ato. Curiosamente, porém, apesar do zelo para com o material fonte e do virtuosismo estético, Speed Racer foi detonado pela crítica norte-americana, o que, naturalmente, se refletiu nas bilheterias. Com orçamento de US$ 120 milhões, o longa rendeu pavorosos US$ 93 milhões mundialmente, ficando muito aquém às expectativas. Sigo achando, porém, um blockbuster extremamente subestimado, principalmente pela perspicácia das hoje irmãs Wachovski em extrair algo novo de um reconhecido produto sem sacrificar as suas raízes. Um fato raríssimo quando o assunto são as adaptações de mangas e animes.
- Alta Frequência (2000)
Assim como Tempestade (1998),
Alta Frequência era um blockbuster em potencial que simplesmente não encontrou
o seu lugar ao sol. Com elementos de viagem no tempo, uma instigante premissa e
uma carismática dupla de protagonistas, o longa dirigido por Gregory Hoblit transitou
entre o Sci-Fi e o Suspense Policial com maestria, conseguindo entregar uma
produção com um charme todo especial. Trazendo Dennis Quaid e Jim Caviezel como
pai e filho separados por várias décadas, o realizador capricha ao construir um
arco dividido em duas linhas narrativas paralelas, tirando um ótimo proveito
desta peculiar interação no desenvolvimento de uma história em que toda ação
tem a sua consequência no futuro. Embora se inicie como um revigorante drama
familiar, o argumento, pouco a pouco, é perspicaz ao explorar o lapso temporal
que os separa, ao estabelecer as novas e fantásticas possibilidades. À medida
que um passa a interferir na linha temporal do outro, porém, novas situações ganham
forma, novas ameaças ressurgem das cinzas, aquecendo uma história capaz de se
manter tensa e envolvente do primeiro ao último ato. Prezando pelos detalhes,
algo muito necessário em títulos do subgênero, Alta Frequência até deu algum
retorno financeiro, mas nunca conquistou o ‘status’ que eu considero justo.
Basta, por exemplo, compará-lo com o popular (e divertido) Efeito Borboleta
(2004), um filme com sérios problemas de coesão narrativa, com algumas soluções
um tanto quanto forçadas, mas que, ainda assim, faturou alto nas bilheterias,
quase US$ 100 milhões, e até hoje é lembrado por muitos com grande carinho.
- O Último Guerreiro das Estrelas (1984)
Um dos precursores no advento do
CGI no cinema, O Último Guerreiro das Estrelas é o tipo de filme que sabe como
requentar uma história sem perder a originalidade. Influenciado pelo estrondoso
sucesso da franquia Star Wars e pelo status 'cult' do vanguardista Tron (1982),
o cativante longa dirigido por Nick Castle (O Garoto que Podia Voar) causou (e
ainda causa) um inegável fascínio ao buscar um sincero diálogo com o imaginário
infanto-juvenil oitentista, usando o 'boom' dos games como o ponto de partida
para a construção de uma inventiva 'space-opera'. A rigor, o longa não se faz
de rogado ao reciclar a típica jornada do herói consagrada por George Lucas. O
Luke Skywalker da vez é o sonhador Alex Ross (Lance Guest, excelente), um jovem
humilde e sem grandes perspectivas que, após muita dedicação a um Last
Starfighter, é recrutado por um esquadrão de elite especial para combater a
nefasta ameaça de um tirano das galáxias. Com base nesta premissa naturalmente
reconhecível, Nick Castle é astuto ao preencher a trama com elementos
tipicamente oitentistas. A começar pelo humor, que, graças aos agradáveis
coadjuvantes, ao esperto caçula vivido por Chirs Hebert e a impagável
"versão beta" do herói, permeia a história com leveza e consistência.
Outro ponto que agrada, e muito, é o singelo 'background' familiar. Ao optar
por valorizar o arco terrestre, Castle é cuidadoso ao construir o drama do protagonista,
flertando com elementos do 'coming of age movies' ao refletir sobre os mundanos
medos de Alex, sobre as suas inseguranças e a difícil missão que é voar com as
suas próprias asas. Como um bom representante das 'space-operas', no entanto,
quando necessário O Último Guerreiro Espacial investe na ação, entregando uma
aventura visualmente visionária. Numa época em que o CGI começava a ser testado,
Nick Castle aposta as suas fichas nos cenários virtuais, flertando com a
linguagem dos games na composição dos divertidos (e dinâmicos) embates
espaciais. Por mais que, hoje, os efeitos soem datados, é inegável que, para
época, o resultado foi espetacular, conferindo ao longa um charme todo
especial. Embora careça de um vilão de peso, O Último Guerreiro das Estrelas se
revela uma obra tipicamente oitentista, uma aventura recheada de predicados
estéticos\narrativos que encanta pela sinceridade com que dialoga com os
anseios do seu público alvo. Um filme que merece ser redescoberto.
- Os Espíritos (1996)
Antes de revolucionar a indústria
do cinema com a imponente trilogia Senhor dos Anéis, Peter Jackson escreveu o
seu nome com filmes menores e divertidíssimos que o colocou no radar do grande
público. Após abraçar a trasheira em títulos como Fome Animal (1992) e mostrar
o seu amadurecimento no drama Almas Gêmeas (1994), o realizador neozelandês
invadiu Hollywood com o sombrio blockbuster Os Espíritos (1996). Com o eterno
Marty McFly Michael J. Fox como protagonista, o longa transitou entre a
Aventura e o Terror ao narrar as desventuras de um jovem que, após um trágico
acidente, descobre ter a oportunidade de ver pessoas mortas. Disposto a ganhar
algum dinheiro com esse “dom”, ele se vê em apuros quando cruza o caminho com
um espirito fugitivo, um assassino em série disposto a dar sequência a um
nefasto plano de quando era vivo. Numa época em que o ‘boom’ dos efeitos
digitais invadia o mundo da Sétima Arte, Jackson mostrou a sua reconhecida
perícia ao investir em soluções digitais completamente à frente do seu tempo,
respeitando o pano de fundo ‘creep’ da premissa ao transitar entre os risos e
os sustos, entre a fantasia e o horror. No embalo da expansiva performance de Fox,
elétrico na pele de um homem numa sinistra corrida contra o tempo, o diretor
entregou uma aventura (se é que podemos trata-la assim) com uma aura única, um
produto híbrido capaz de mostrar o misto de autoralidade e ousadia de um então
promissor Peter Jackson. Ao contrário de títulos semelhantes como o popular Os
Fantasmas se Divertem (1988), entretanto, Os Espíritos não conquistou o
reconhecimento esperado. Recebido com inércia pela crítica e desdém pelo
público, o longa faturou na época US$ 29 milhões em solo norte-americano, um
valor somente pouco acima dos US$ 26 milhões de orçamento. Somado a isso, assim
como outros representantes desta lista, o filme se tornou uma figurinha difícil
nos dias de hoje, um daqueles títulos solenemente esnobados pelas principais
plataformas digitais. Muitos, inclusive, sequer associam esta vibrante obra ao
autor dos gigantescos O Senhor dos Anéis, King Kong e O Hobbit.
Vale lembrar de: Homem de Ferro 3
(2013), Resident Evil: Retribuição (2012), Zathura (2005), X-Men: Apocalipse
(2016), Troia (2004), Chappie (2015), Tomorrowland (2015), Stardust (2007).
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