segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Top 10 (Filmes Pós-Apocalípticos)


Após emplacar o popular Bird Box (leia a nossa crítica aqui) no final do ano passado, a Netflix voltou ao terreno dos filmes pós-apocalípticos com IO (leia a nossa crítica aqui), uma produção pequena que promete inquietar ao narrar as desventuras dos dois últimos humanos num devastado planeta Terra. Com Margaret Qualey e Anthony Mackie como protagonistas, o longa dirigido pelo francês Jonathan Hepert é apenas mais um a usar o cinema para questionar a maneira com que tratamos o nosso habitat. Na verdade, a partir dos anos 1950, com a crescente ameaça atômica e a Guerra Fria, o fim do nosso estilo de vida em sociedade se tornou um tema recorrente dentro do universo das ficções-científicas e do cinema de horror. Sejam em produções mais alegóricas, como os clássicos Mortos que Matam (1964) e A Noite dos Mortos Vivos (1968), sejam em obras mais realísticas, como A Hora Final (1959) e Mad Max (1979), este reflexivo subgênero passou a gradativamente apontar a sua mira para o público, projetando através da ficção as trágicas consequências do nosso desdém para com a natureza e o ambiente em que vivemos. O que mais me atrai no cinema pós-apocalíptico, entretanto, é a sagacidade de alguns longas em especular sobre o futuro da raça humana após uma tragédia natural\química\nuclear. Sobreviveremos em trens? Numa terra sem água? Imersos na tecnologia? No espaço? Ou quem sabe num lugar sem esperança? Indagações pertinentes que, a partir de obras que tem muito a dizer sobre o nosso estilo de vida em sociedade, surgem como uma verdadeira provocação ao espectador. Com a estreia de IO, portanto, resolvi fazer (finalmente) o meu Top 10 com alguns dos melhores (e mais impactantes) filmes pós-apocalípticos. A ideia, aqui, é destacar as obras com um cunho mais realístico, por isso exclui da seleção os ‘zombie movies’. Dito isso, seguindo o gosto pessoal desse que vos escreve, começamos com...


10º A Estrada (2009)


Poucos filmes sugeriram um vislumbre de futuro pós-apocalíptico tão pessimista quanto A Estrada, um pesado e intimista drama sobre a relação de um pai e o seu vulnerável filho numa realidade em a esperança deixou de existir. Sob a imersiva batuta de John Hilcoat, o longa é cuidadoso ao adaptar a igualmente impactante obra de Comarc McCarthy, evitando dar respostas fáceis ao se concentrar no aspecto humano da história. O que sabemos é que o nosso estilo de vida social foi dizimado por uma catástrofe relacionada ao fogo e que os poucos sobreviventes tiveram que criar uma dura casca para se manter vivos. Sem alimentos, um lugar seguro e uma perspectiva de futuro, a película sugere um cenário desolador, um ambiente destruído e solitário em que a morte surgia quase que como um alento. Um drama familiar nu e cru que impressiona ao, nas entrelinhas, refletir sobre a dura missão de um pai (vivido com maestria por Viggo Mortensen) na tentativa de preparar o seu inocente filho (Kodi-Smith McPhee) para sobreviver num cenário voraz e impiedoso. Qualquer semelhança com o nosso estilo de vida, definitivamente, não é mera coincidência.

Você pode gostar também: Ao Cair da Noite (2017)

9º Expresso do Amanhã (2013)


Uma catástrofe climática congelou o planeta Terra e dizimou a raça humana. Os poucos sobreviventes viviam num trem imparável, um veículo programado para girar em torno do globo esperando até que a natureza estivesse pronta para nos abrigar novamente. Esse é o 'plot' de O Expresso do Amanhã. Com base nesta instigante premissa, retirada da graphic novel francesa Le Transperceneige, o diretor sul-coreano Joon-Ho Bong colocou o dedo na ferida ao mirar na nossa face mais predatória e desumana. Numa brilhante alegoria social, o longa estrelado por Chris Evans, Octavia Spencer e John Hurt incomoda ao propor um enervante duelo de classes, tratando a desigualdade e a opressão como um dos grandes “vilões” da vida em sociedade. Embora todos estivessem no mesmo “barco”, é interessante ver como o filme estabelece uma estrutura social bem reconhecível, com a grande maioria de miseráveis, moradores da sucateada parte do fundo do trem, servindo como mão de obra para uma cruel e elitista minoria. Um destino tenebroso e desigual que obviamente se torna o agente catalisador para a implacável revolução social proposta pelo longa.

Você pode gostar também: Invasão Zumbi (2016)

8º Extermínio (2002)


Uma experiência genética sai do controle quando macacos criados em laboratório contaminam um grupo de idealistas ativistas. Essa é a única explicação oferecida para o que acontece em Extermínio, uma agressiva pérola do cinema britânico que, embora siga uma estrutura reconhecível dentro do universo dos filmes de zumbi, não é propriamente um representante do gênero. Numa época em que estudos deixam claro os perigos em torno de algumas experiências científicas, o longa dirigido pelo eclético Danny Boyle não titubeou em mostrar qual seria o destino de uma esvaziada Londres devastada por um vírus criado em laboratório. Embora seja uma experiente visualmente impressionante, as sequências de devastação são ainda hoje incríveis, Extermínio tira o máximo proveito da sua visão de pós-apocalipse para questionar alguns dos nossos mais enraizados problemas sociais. Desigualdade entre gêneros, violência urbana, solidão, repressão, esses e outros temas permeiam a obra com inteligência, culminando num clímax feroz e impiedoso.

 Você pode gostar também: O Dia dos Mortos (1985)

7º Matrix (1999)


Uma das obras mais influentes dentro da cultura pop moderna, Matrix aprimorou o conceito do pós-apocalipse cibernético ao pintar uma realidade em que a tênue linha entre a realidade e a ficção foi completamente diluída. Sob a inquietante batuta das irmãs Watchovski, o longa estrelado por Keanu Reeves “explodiu a cabeça” de muitos fãs do Sci-Fi numa época em que a democratização das tecnologias da computação acontecia ao redor do mundo, o que só ajudou a fortalecer o viés visionário da obra. Num cenário em que cada vez mais somos dependentes das plataformas digitais (gadgets, redes sociais), em que muitos dedicam boa parte do seu tempo a imersão virtual, em que as inteligências artificiais são uma realidade, não chega a ser tão improvável a visão de futuro pós-apocalíptico pensada pelo longa. Além disso, Matrix colocou o dedo na ferida ao nos provocar enquanto um espectador passivo disso tudo, ao apontar o perigo envolvendo a nossa estreita relação com os ambientes tecnológicos, preenchendo a obra com um ainda hoje atual debate filosófico. Embora as duas continuações estejam longe do nível de profundidade\qualidade do material aqui apresentado, Matrix marcou uma geração ao, por trás dos vanguardistas efeitos visuais, esconder uma alegoria profunda e um tanto quanto pessimista sobre um dos possíveis nêmeses da raça humana.

Você pode gostar também: Akira (1988)


6º Mad Max (1979)


O deserto australiano se tornou o palco para uma deteriorada visão de futuro no acelerado Mad Max. Uma produção pequena, mas com pretensões gigantes, o longa dirigido pelo ex-dentista George Miller “lançou” o astro Mel Gibson num filme de vingança pós-apocalíptico de tirar o fôlego. Mesmo limitado pelo baixo orçamento, a obra chamou a atenção pela sua construção de mundo, uma realidade em que a anomia (ausência do estado) batia à porta e que violentas gangues começavam tocavam o terror pelas estradas do país. Max surge como um dos últimos homens da lei, um piloto destemido (e temido) que lutava para manter os inocentes em segurança. O grande trunfo desta verdadeira pérola do cinema está na criatividade de Miller em estabelecer um cenário em que os poucos “sobreviventes” lutavam para defender o pouco que havia sobrado. A crise energética já havia acontecido, a escassez de recursos naturais era nítida, o Estado estava enfraquecido, mas, ainda assim, existia uma ponta de esperança. Um sentimento destruído com fúria no que se tornaria o primeiro capítulo da melhor franquia pós-apocalíptica da Sétima Arte.

Você pode gostar também: The Rover: A Caçada (2014)

5º Planeta dos Macacos (1968)


Eu disse a melhor porque a maior, indiscutivelmente, é a franquia Planeta dos Macacos. Responsável por um dos maiores ‘plot twists’ da história da sétima arte, o criativo Sci-Fi dirigido por Franklin J. Schaffner voltou no tempo para escancarar a nossa face mais primitiva e selvagem. Numa época de grandes transformações sócio-políticas, a película estrelada por Charlton Heston provocou o público e a crítica ao narrar as desventuras de um grupo de astronautas do futuro que, após uma longa viagem espacial, desembarcam num planeta desconhecido habitados por primatas inteligentes e altamente repressivos. A partir desta genial inversão, os humanos aqui são involuídos e facilmente manipuláveis, Schaffner, inspirado na obra de Pierre Bourrel, extrai o máximo do subtexto pós-apocalíptico ao revelar o destino dos “sobreviventes” dominados por uma minoria conservadora e autoritária. Com personagens marcantes e uma magnífica construção de mundo, Planeta dos Macacos nos brinda com uma preciosa alegoria social, um relato que, ainda hoje, soa extremamente atual. A cereja no bolo da obra, entretanto, fica pelo implacável clímax. Ali, numa reviravolta impactante, Schaffner escancara as consequências dos nossos mais perigosos atos com requintes de crueldade, entregando um daqueles desfechos inigualáveis.

Você pode gostar também: Os 12 Macacos (1995)

4º Planeta dos Macacos: A Guerra (2016)


Um clímax que, diga-se de passagem, só viria a ser melhor explicado no primoroso desfecho da trilogia reboot intitulado Planeta dos Macacos: A Guerra. Quase cinco décadas depois do lançamento do original, o que só atesta a atemporalidade da obra, o longa dirigido por Matt Reeves colocou os pingos nos is ao revelar como a raça humana deixou o planeta Terra chegar na situação estabelecida no clássico sessentista. Com efeitos visuais absurdos e a magistral performance de Andy Serkis na pele do macaco Caesar, a nova trilogia amplificou o sabor amargo deixado pelo primeiro Planet of Apes (no original) a pontuar a guerra entre humanos e primatas, entregando um capítulo final denso, crítico e genuinamente atual. Uma obra que, ao ir além da jornada do seu incrível protagonista, encontrou as inúmeras brechas necessárias para colocar o dedo na ferida e se insurgir contra a desigualdade social, o preconceito e a cultura belicosa da sociedade norte-americana.

Você pode gostar também: Eu Sou a Lenda (2008)

3º Mad Max: Estrada da Fúria (2015)


Do alto dos seus 70 anos, George Miller revolucionou o cinema de ação com o inacreditável Mad Max: Estrada daFúria. Dando sequência a sua visão de futuro pós-apocalíptico, o realizador australiano elevou a nossa devastação a máxima potência ao construir um cenário totalmente sem recursos naturais, em que a água era tratada como um produto e controlada por tiranos autocratas. No cenário proposto, os miseráveis eram abandonados a sua própria sorte, desfigurados pela contaminação do solo\ar, as mulheres eram escravas sexuais, meros objetos para a reprodução e a religião criava “servos” dispostos ao sacrifício para manter está estrutura social. Numa proposta narrativa alucinante, Miller deu a Tom Hardy a missão de interpretar o novo Max, um “sobrevivente” perturbado e traumatizado que, contra a sua vontade, se vê obrigado a fazer parte de uma pequena resolução. A genialidade do diretor, entretanto, pôde ser verdadeiramente compreendida quando percebemos a silenciosa mudança no ‘status quo’ da franquia, agora estrelada por uma impetuosa Charliza “Imperatriz Furiosa” Theron. Numa época em que os movimentos femininos clamam por respeito e igualdade de gênero, Miller se antecipou ao ‘boom’ do tema em Hollywood ao entregar uma das mais memoráveis e independentes personagens femininas da história recente do cinema, o “golpe de mestre” de um dos melhores (facilmente) filmes da última década.

Você pode gostar também: Turbo Kid (2015)

2º Wall-E (2008)


E da Pixar nasceu um dos longas mais críticos e urgentes da última década. Um filme corajoso não só pela sua profundidade temática, mas principalmente pela sua ousadia narrativa, Wall-E procurou um sincero diálogo com as novas gerações ao propor um trágico destino para o planeta Terra. Sob a genial batuta de Andrew Stanton, o longa projetou um futuro não muito distante em que o nosso planeta se tornou inabitável. Os poucos sobreviventes passaram a “viver” em gigantescas naves, inseridos numa rotina nitidamente fria e perigosa. Nela, os humanos eram completamente dependentes do estilo de vida proposto por uma ardilosa inteligência artificial. Eles não andavam mais, não se exercitavam, as relações humanas eram mínimas e a alimentação gerou uma crise de obesidade mórbida. Mais uma vez, qualquer semelhança com a nossa realidade definitivamente não é uma mera coincidência. Um viés crítico que só fica potencializado quando nos deparamos com a figura de Wall-e, um simpático (e humanizado) robô catador de lixo que se torna a nossa última esperança quando descobre que a Terra pode estar novamente pronta para abrigar a raça humana. Uma fábula com o padrão de inventividade Pixar que, naturalmente, tem muito a dizer sobre o nosso estilo de vida em sociedade. 

Você pode gostar também: 9 – A Salvação (2009)

1º Filhos da Esperança (2006)


Poucas perspectivas de um futuro pós-apocalíptico fizeram tanto sentido para mim quanto a proposta por Alfonso Cuarón no magnífico Filhos da Esperança. Uma das obras mais visionárias lançadas no cinema nos últimos anos, o enervante drama social estrelado por Clive Owen escancarou os perigos em torno da crise humana nos grandes centros urbanos numa premissa real e desoladora. No cenário proposto pelo realizador mexicano, a raça humana, “bombardeada” por agrotóxicos, pela poluição e por alimentos geneticamente modificados, perdeu a possibilidade de procriar. Sem crianças e esperança de futuro, o mundo começou a envelhecer pouco a pouco, gerando uma série de conflitos sem precedentes. A desigualdade alcançou números absurdos. A violência urbana tomou conta das grandes metrópoles. Numa época em que a crise de imigração na Europa ainda não era um tema presente nos principais telejornais, Cuarón saiu em defesa da miscigenação e da integração ao colocar uma “estrangeira” africana como o símbolo de um continente à beira de um colapso. Recheada de sequências antológicas, a película instiga ao revelar o impacto de uma improvável descoberta dentro deste peculiar ‘status quo’, refletindo sobre o melhor e o pior do ser humana com peso, propriedade e muita inteligência narrativa. Um filme com muito a dizer que, embora não se furte de mostrar a nossa realidade como ela é, causa um misto de sensações ao enxergar uma luz no fim do túnel, ao defender que a esperança pode estar onde menos esperamos.

Você pode gostar também: O Livro de Eli (2010)

Nenhum comentário: