domingo, 12 de janeiro de 2020

Lista | Os Melhores Filmes ‘Indies’ da Década (2010 – 2019)


É indiscutível que a década de 10 foi emblemática para o cinema blockbuster. Nunca se empregou tanto dinheiro no segmento. Nas últimas semanas, inclusive, me aprofundei mais no tema num Top 10 com o que de melhor o cinema pipoca ofereceu neste período. É curioso perceber, no entanto, que a mesma década foi também transformadora para o cinema ‘indie’. Talvez pela centralização dos investimentos em produções gigantescas, alguns estúdios\realizadores viram a oportunidade de lucrar com pouco investimento. Neste período, por exemplo, vimos a consolidação de companhias como a A24, a Blumhouse e a RT Productions. Uma trinca de produtoras que, com ideias criativas, artistas talentosos e baixas cifras, desafiou o ‘status quo’ de Hollywood com uma postura audaciosa. Vimos também artistas do circuito “alternativo” chegarem ao ‘mainstream’ com liberdade para imprimir as suas ideias, entre eles nomes como os de Greta Gerwig, Noah Baumbach, Taika Waititi, Chloe Zhao e Ryan Coogler. O resultado não poderia ser outro. Uma safra de pequenos grandes filmes de fazer inveja a qualquer mega produção. Nada mais justo, portanto, do que reverenciar estas preciosas obras numa lista com os vinte melhores filmes independentes da década. Como critério, além do gosto pessoal, decidi tratar por filme ‘indie’ todo tipo de longa indicado para premiações do circuito alternativo (Spirit Awards, Gotham Awards). Além disso, em função da péssima distribuição em solo brasileiro, tive que excluir da lista as produções que não foram lançadas oficialmente por aqui até o fechamento deste artigo. Por isso títulos como Her Smell, Waves, Honey Boys, Uncut Gems, The Souvenir, A Despedida e The Last Black Man in San Francisco não foram considerados. Dito isso, começamos com...

20º Capitão Fantástico (2016)


Com uma visão de mundo própria e um refrescante ar ‘indie’, Capitão Fantástico coloca em cheque vários padrões\convenções sociais num drama com algo a dizer. Impulsionado pela vigorosa performance de Viggo Mortensen, o longa escrito e dirigido por Matt Ross promove algumas interessantes reflexões ao narrar a jornada de um pai obrigado a abandonar o seu estilo de vida alternativo para levar os seus filhos ao enterro da sua querida esposa. Um filme tocante, profundo e genuinamente cômico que nos brinda ainda como uma das sequências fúnebres mais comoventes dos últimos anos.

19º Projeto Flórida (2018)


Um estudo primoroso sobre as sequelas causadas pela desigualdade social, Projeto Flórida causa uma catarse de sentimentos ao revelar a injustiça sob o olhar ingênuo de uma pequena garotinha. Além de revelar para o mundo a promissora Broklynn Prince, o longa dirigido por Sean Baker colocou o dedo em enraizadas feridas ao mostrar aquilo que pouca gente quer ver. Numa sacada de gênio, o realizador potencializa o teor crítico do seu texto ao situar a trama numa colorida Orlando, o lar do Walt Disney World, uma terra de sonhos para muitas crianças ao redor do mundo. À margem da grandiosidade dos parques temático, porém, acompanhamos as desventuras de uma menina que só queria se divertir, mas que sequer desconfiava dos problemas que a cercavam. Com uma sequência final de despedaçar o coração, Projeto Flórida enxerga a realidade escondida numa arco-íris de cores e sonhos num filme urgente e necessário.

18º Fruitvale Station (2013)


Por falar em graves chagas sociais, Fruitvale Station causa um misto de choque e indignação ao dar voz a uma das inúmeras vítimas da violência policial nos EUA. Inspirado em devastadores fatos, o contundente longa dirigido por Ryan Coogler não poupa o espectador ao dramatizar as últimas horas de um jovem negro antes da sua revoltante morte nas mãos de um policial despreparado. Ao ir além do tema em questão, o realizador é enfático ao falar sobre o racismo institucional, sobre o preconceito que mata, mas também o que segrega, o que limita, o que afasta, o que assombra. No último dia do ano seguimos os passos de um homem que só queria se restabelecer, conquistar o que era seu por direito, sustentar aqueles que amava. Um retrato importante por sua urgente natureza social, mas também por revelar nomes como os do próprio Ryan Coogler e o do ator Michael B. Jordan, hoje duas certezas em Hollywood.

17º Mommy (2014)


Intenso e divisivo, Mommy repercute o fardo do amor materno sob a caótica perspectiva de um jovem instável e problemático. Com um olhar humano sobre os desequilíbrios de uma família nada funcional, o longa dirigido pelo então promissor Xavier Dolan vai dá ternura ao choque para narrar a última tentativa de uma imatura mãe em manter a guarda do seu agressivo filho. Com uma direção pouco ortodoxa e enquadramentos fechados que só parecem catalisar a angústia impressa em tela, Dolan testa as expectativas do público como poucos ao investigar esta complexa tentativa de reconexão, investigando os tormentos dos seus personagens com um misto de sutileza e brutalidade que torna tudo bastante imprevisível. Mais um pequeno grande filme da lista com um belo desfecho.

16º Lady Bird (2017)


Greta Gerwig poderia estar nesta lista por Frances Ha. Ou por Mistress America. O escolhido, no entanto, foi o longa que a colocou no radar do grande público. E com todo merecimento. Lady Bird é um retrato encantador sobre o errático processo de amadurecimento de muitos jovens. Com um texto afiado, um senso de drasticidade típico desta fase da vida e muito humor, o longa capitaneado por uma radiante Saoirse Ronan é enfático ao acompanhar uma jovem em constante metamorfose às avessas com os seus próprios erros. Poucas coisas ensinam tanto quanto os percalços da vida. Gerwig sabe disso. Pobre da sua protagonista que, na ânsia de voar com as suas próprias asas em busca da independência, é obrigada a experimentar os elevados obstáculos impostos pela vida adulta numa jornada deliciosamente irônica e reconhecível.

15º Moonlight (2016)


Mais um poderoso drama social da lista, Moonlight é categórico ao mostrar as carapuças que a vida as vezes nos obriga a criar. Dividido em três atos bem específicos, o longa dirigido por Barry Jenkins é incisivo ao narrar as desventuras de um mesmo personagem em fases distintas da sua vida: a infância desprotegida, a adolescência errática e a repressão da vida adulta. Com um elenco fantástico em mãos, Mahershala Ali, por sinal, entrega no magnífico primeiro ato uma das grandes performances masculinas da década, o realizador encara a realidade com um autêntico olhar poético, esbanjando sensibilidade e comedimento ao expor as barreiras impostas a um jovem negro\gay num cenário de extrema desigualdade. Um relato íntimo e ao mesmo tempo abrangente sobre as muitas mazelas do nosso dia a dia.

14º Eu, Tonya (2017)


Inspirado nos feitos e fatos protagonizados pela polêmica patinadora Tonya Harding, Eu, Tonya usa a história real como o ponto de partida para um estudo recheado de cinismo sobre a obsessão humana. Diante de um meio competitivo e um tanto quanto perverso, Craig Gillespie faz um brilhante uso dos contrastes ao enxergar a rudeza e o desequilíbrio em torno de um esporte tão belo e gracioso. No embalo da soberba performance de Margot Robbie, explosiva em cena, o realizador nem precisa flertar com a sátira ao dar voz a uma figura caótica, traumatizada e a sua peculiar maneira indomável. Uma mulher que, acostumada a bater recordes e a conviver com a pressão, esqueceu que nem só de vitórias a vida é feita. As vezes saber perder pode ser a chave para o sucesso. Um filme estiloso, elétrico e empolgante com muito a dizer sobre aqueles que levam a competitividade a níveis extremos.

13º Fora de Série (2019)


Outro peculiar retrato da juventude na lista, Fora de Série demole alguns enraizados rótulos ao defender que existe várias formas de se alcançar um mesmo objetivo. Sob a surpreendente batuta da estreante Olivia Wilde, um dos maiores ‘hits’ de 2019 esbanja sarcasmo ao rir do desespero juvenil de duas nerds à medida que elas descobrem que os seus farristas colegas de classe passaram para faculdades tão conceituadas quanto as suas. Ao se insurgir contra clássicos arquétipos, a realizadora encontra na tardia busca das duas por alguma experiência real no ambiente escolar a oportunidade perfeita para tecer brilhantes comentários sobre amadurecimento, descoberta sexual, sororidade, autoafirmação e os inúmeros tabus enfrentados por muitos jovens ao redor do mundo. Um texto potente e impagável valorizado pelas magníficas performances de Kaitlyn Denver e Beani Feldstein. As duas esbanjam carisma ao abraçar a irreverência cômica da obra sem diminuir os sólidos conflitos das suas respectivas personagens. Um trabalho revigorante que faz de Fora de Série um retrato real e genuinamente feminino sobre os perigos escondidos no amadurecimento precoce.

12º Tully (2018)


Outro grande filme sobre maternidade da lista, Tully é sagaz ao discutir os conflitos de uma incomodada mulher às avessas com a frustração matrimonial. Dirigido por Jason Reitman, escrito por Diablo Cody e estrelado por Charlize Theron, o longa brinca com as expectativas do público ao acompanhar os angustiados passos de uma mulher em busca da recuperação do seu amor próprio. Muito mais afiado do que o esperado, o irreverente drama renega todo e qualquer tipo de filtro ao dar voz a uma mulher\mãe pressionada, sem perspectivas, cansada de aceitar a sua rotina passivamente. Na busca por um fato novo, ela encontra na troca de experiências com a sua jovem e recém-contratada babá o empurrão que precisava para sair do marasmo que tomou conta da sua vida. Inteligente, irônico e envolvente, Tully gera uma empatia natural ao colocar a versatilidade de Theron à prova num filme sobre anseios juvenis, expectativas e a frustração da vida adulta.

11º Uma Mulher Fantástica (2017)


Muito mais do que um relato desconcertante sobre a realidade de muitos transgêneros ao redor do mundo, Uma Mulher Fantástica impacta ao investigar a árdua luta de uma mulher obrigada a sair do “conforto” da clandestinidade numa tardia busca pelos seus direitos. Com um olhar próprio e sensível sobre o tema, o diretor Sebastian Lelio toca em dolorosas feridas ao expor a revoltante jornada de afirmação de uma trans após a repentina morte do seu companheiro. Sob a perspectiva desta complexa personagem, a elegante Marina (Daniella Vega), o realizador chileno é categórico ao mostrar porque muitos casais optam pela discrição e as sequelas deste comportamento. Num recorte dinâmico e intenso, Lelio causa um desconforto natural ao mostrar a reação das pessoas a presença da sua protagonista. O preconceito é natural na rotina dela. O desconforto é exposto com contundência. A violência\agressividade parece sempre à espreita. Obrigada a dialogar com a família do seu saudoso parceiro, Marina passa a incomodar involuntariamente. Todos pensam o pior dela. O médico, a polícia, a ex-esposa, o filho. E os que não compartilham desta visão são inertes. Tudo que ela queria, no entanto, era ser respeitada. Ser tratada como um ente querido. Ser legitimada. Aos olhos destes homens e mulheres “comuns”, Lelio é enfático ao escancarar uma dura realidade. Sem nunca reduzir tudo ao mero maniqueísmo, o cineasta usa o luto como um inteligente agente catalisador. O desequilíbrio causado pela perda leva ao preconceito, a hostilidade, a insensibilidade. Um cenário reconhecível valorizado pela soberba performance de Daniela Vega. Em meio a atos tão vis, a sua Marina reage com uma nobreza comovente. A atriz chilena interioriza o turbilhão de emoções da personagem com um misto de elegância, comedimento e impavidez, respondendo as ameaças quase sempre com extremo autocontrole. Estamos diante de uma mulher que, tal qual Marina, sabe bem qual o estrago que uma palavra\ato impensado pode causar para uma trans. Um sentimento que vulnerabilidade que, verdade seja dita, é trabalhado com propriedade por Sebastian Lelio, culminando em passagens ora dramáticas e indignantes, ora tensas e desesperadoras. O que, de fato, só ajuda a reforçar o elo entre público e personagem. Recheado de sequências primorosas, a contrastante cena da dança na discoteca, por exemplo, surge como a única fuga possível de uma pessoa desesperada, Uma Mulher Fantástica invade a intimidade de uma mulher transgênero num estudo de personagem refinado, alarmante e realista por natureza.

10º Bom Comportamento (2017)


Um thriller estiloso e enervante, Bom Comportamento é uma experiência cinematográfica imprevisível. Sob a batuta de duas das mais novas e influentes vozes do circuito ‘indie’, os irmãos Ben e Josh Safdie, o instigante longa estrelado por Robert Pattinson urge aos olhos do público ao narrar a desesperadora jornada de um assaltante disposto a tudo para conseguir reunir o dinheiro necessário para pagar a fiança do seu inocente irmão. Com um protagonista genuinamente amoral em mãos, a dupla de realizadores capricha em todos os aspectos fílmicos ao entregar uma trama instigante, com um forte senso de realidade, personagens cativantes, um visual impressionante e muito pulso narrativo. Ao invés de reduzir tudo ao frenesi, o que não é o caso aqui, os irmãos Safdie esbanjam maturidade ao enxergar além da ação pela ação, preenchendo o ‘plot’ com dilemas sólidos e uma incômoda carga dramática.

9º Cisne Negro (2010)


É legal ver como um mesmo tema pode ser abordado de formas distintas no cinema. Indo de encontro ao anarquismo pop de Eu, Tonya, Cisne Negro abriu a década escancarando as sequelas em torno da busca pela perfeição num drama corrosivo e intimista. Sob a peculiar batuta de Darren Aronofski, o longa abraçou o suspense psicológico ao mergulhar na mente de uma bailarina às avessas com as pressões do seu dia a dia. Sem medo de testar o seu público, o cultuado realizador coloca o dedo na ferida ao enxergar além da plasticidade dos movimentos, da leveza dos números musicais. Por trás do sucesso existe trabalho, dedicação, competição, conflitos, traumas e angústia. Guiado pela arrebatadora performance de Natalie Portman, Aronofski provoca ao expor o quão tênue pode ser a linha que separa o esforço da obsessão, a resiliência da intransigência, o sonho da ambição. Um balé insano comandado por um realizador com uma visão artística muito particular.

8º Drive (2011)


Influente esteticamente e narrativamente, Drive surgiu como um atropelo. Pilotado em alta velocidade pelo dinamarquês Nicolas Winding Refn, o longa não só ajudou a resgatar a estética neonizada oitentista que se tornaria uma moda nos anos seguintes, como também trouxe um frescor original a um gênero que andava repetindo ideias em demasia. Livre das amarras dos grandes estúdios, o cineasta tirou do papel um thriller de ação pretensioso, com personagens enigmáticos, um visual estiloso, sequências violentíssimas e um teor urbano que há tempos Hollywood não via. Um filme de caubói moderno e silencioso sustentado também pela performance de Ryan Gosling que, com uma impavidez descolada, criou um dos anti-heróis mais memoráveis da década. Sem dúvida uma bela atualização do arquétipo do pistoleiro sem nome.

7º Boyhood: Da Infância à Juventude (2014)


Uma experiência cinematográfica única e ambiciosa, Boyhood revolucionou os ‘coming of age movies’ ao acompanhar o amadurecimento dos seus personagens ao longo de doze anos. Num daqueles raros casos em que a realidade e a ficção se confundem, o aclamado diretor Richard Linklater decidiu explorar as convenções deste popular subgênero da forma mais verossímil possível. Numa proposta genuinamente naturalista, o cineasta mostrou os altos e baixos de uma família disfuncional como tantas outras, indo além dos conflitos intimistas ao refletir sobre as transformações de um país em metamorfose social\política. Recheado de personagens cativantes e grandes atuações, Boyhood é um triunfo do cinema moderno. Um filme que tinha tudo para não funcionar, tudo para não acontecer, mas que na base da marra e do talento se tornou uma das produções mais celebradas da década. 

6º Corra! (2017)


Quem me segue por aqui sabe que tenho algumas ressalvas quanto ao ato final de Corra!. Não comprei totalmente algumas das soluções pensadas por Jordan Peele na construção da peculiar mitologia pensada para o filme. No fim, porém, os fins justificaram os meios. Hoje, quatro anos depois, é fácil perceber a irrelevância desses “excessos” perante o efeito que o filme causou. Um estrondoso sucesso de público e crítica, Get Out (no original) ajudou a mudar a ordem das coisas em Hollywood. Como se não bastasse a poderosa crítica social proposta pelo longa, Peele conseguiu mostrar que representatividade importava, que o público clamava por títulos assim. Obras diversificadas, impactantes, corajosas. Um ‘hit’ inquestionável que mostrou a força do cinema ‘indie’ e o quão lucrativas poderiam ser as suas novas vozes.

5º Ex_Machina (2014)


Poucos filmes me instigaram tanto a pensar sobre o mundo tecnológico em que vivemos quanto o primoroso Ex_Machina: Instinto Artificial. Numa proposta ambiciosa por natureza, o longa escrito e dirigido por Alex Garland faz jus a tradição do gênero Sci-Fi ao usar a sua reconhecível projeção de futuro para discutir a nossa perigosa relação com as novas tecnologias. Com três dos atores mais interessantes de Hollywood em mãos, o guatemalteco Oscar Isaac, a sueca Alicia Vikander e o britânico Domhnaal Gleeson, o realizador é inteligente ao enxergar além do suspense envolvendo a tênue relação entre dois programadores e a sua criação, uma inteligência artificial num corpo feminino. Ao contrário de muitos títulos do segmento, Ex_Machina não se reduz a discutir os perigos em torno do complexo de Deus dos seus personagens. Por trás do debate filosófico sobre o que define a existência de um ser, Garland é astuto ao preencher a trama com questões de cunho genuinamente feminino, encontrando na perversidade escondida nos planos em torno desta descoberta a oportunidade perfeita para falar sobre machismo, desigualdade de gênero e a constante luta por independência. Com um roteiro insinuante, um design de produção primoroso e uma direção capaz de extrair a tensão dos momentos mais imprevisíveis, Ex_Machina colocou o cinema ‘indie’ no primeiro patamar de Hollywood ao desafiar gigantes na temporada de premiações.

4º O Quarto de Jack (2015)


Um dos filmes mais espinhosos e ao mesmo tempo delicados lançados nos últimos anos, O Quarto de Jack encontra na magia a fuga de uma realidade dilacerante. A partir de uma premissa pesadíssima, o criativo diretor Lenny Abrahamson provoca um misto de sentimentos ao acompanhar a jornada de uma mãe disposta a tudo para transformar o seu cativeiro no lugar mais feliz do mundo para o seu pequeno filho. Num ‘mise en scene’ primoroso, o cineasta transforma um minúsculo cenário no palco perfeito para a construção de uma relação estreita, doce e ao mesmo tempo revoltante. Sem distrações, o foco em boa parte do longa está nos personagens, na perspectiva deles sobre os fatos em questão e na maneira com que eles reagem a tudo isso. Uma abordagem recheada de contrastes impulsionada pelas espantosas performances de Brie Larson e Jacob Tremblay. Juntos, “mãe” e “filho” compartilham todas as emoções esperadas de uma obra tão pesada com comedimento, sensibilidade e muita intensidade. O tipo de projeto que extrai reações espontâneas do público. Um mix de revolta, comoção e indignação. E isso, verdade seja dita, sem nunca atenuar o drama dos seus personagens. No fim, embora não parta de fatos específicos, O Quarto de Jack mostra a realidade de uma vítima de um sequestro como ela é. Com dor, medo, traumas e um errático sentimento de esperança.

3º Whiplash (2014)


Um espetáculo visceral e elétrico, Whiplash é talvez um dos mais profundos estudos sobre a obsessão humana que o cinema já viu. Sem devaneios e um pingo de estilização, o drama dirigido por um então prodígio Damien Chazelle é feroz ao expor até onde um jovem baterista está disposto a ir para experimentar a ilusão da perfeição. Com um visual imersivo, uma linguagem narrativa vibrante e um inesperado clima de tensão, o jovem realizador aproximou o Jazz do universo pop num retrato contundente sobre as sequelas físicas\emocionais ocasionadas por uma rotina recheado de excessos. Por mais que o versátil Miles Teller capture as angústias do seu personagem com enorme propriedade, o show aqui é do mentor tirano vivido por J.K Simmons. Numa das maiores performances masculinas da história recente do cinema, o carismático ator cria um mestre severo e abusivo, um maestro com motivações até justas, mas com um distorcido senso de sucesso. Com alguns dos mais ferozes números musicais da década, Whiplash é um drama movido por solos de bateria, sangue e muito suor. Uma experiência fílmica ao mesmo tempo inclemente e elegante, caótica e vistosa, brutal e comovente.

2º Domando o Destino (2017)




Um dos projetos mais autênticos lançados em Hollywood nos últimos anos, Domando o Destino é um drama triunfante. Uma cinebiografia tocante estrelada pelos próprios biografados. Com uma proposta naturalista e genuinamente realista, o longa escrito e dirigido por Chloe Zhao emocionou o circuito ‘indie’ ao narrar a jornada de um caubói de rodeios obrigado a conviver com a aposentadoria precoce. Numa proposta rara, a promissora realizadora chinesa invade a intimidade de uma família comum, com dilemas reconhecíveis e captura os altos e baixos dos personagens com uma beleza ímpar. Apesar do viés realista, Zhao mostra um fascínio natural pela realidade do protagonista, pela perigosa rotina dos peões, causando um misto de sensações ao revelar o senso de cumplicidade entre eles, a amizade, as angústias, a falta de perspectivas. Um retrato tocante e um dos melhores filmes da década.

1º A Ghost Story (2017)


E um dos filmes mais reflexivos dos últimos anos não poderia ocupar outra posição do que o topo desta lista. Sob a existencialista batuta de David Lowery, A Ghost Story é o tipo de experiência cinematográfica única que tanto prezo. Uma obra tão íntima e ao mesmo tempo tão universal. Um filme tão complexo e ao mesmo tempo tão acessível. A partir da perspectiva de uma alma presa às suas memórias, o realizador subverte as nossas expectativas ao estudar a nossa relação com o tempo com peso e profundidade. Sombras no Brasil, em sua essência mais pura, é um drama sobre as oportunidades perdidas, sobre as palavras não ditas, sobre as consequências do apego exagerado. Sem querer revelar muito, poucas vezes o conceito de fantasma foi utilizado com tanta propriedade. No fim, estaremos preparados para o... fim? O tipo de indagação que permanece com o subir dos créditos e só reforça o valor das experiências da vida.

Sentiu falta de algum filme? Confira a nossa lista com as vinte grandes surpresas da década.

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