sábado, 8 de fevereiro de 2020

Top 10 | Melhores Filmes de 2019


Faltam adjetivos para definir a safra de filmes de 2019. Se tivesse que escolher um seria autoral. Vimos filmes de vários gêneros, para vários gostos, mas com uma mesma veia autêntica. Seja o maior dos blockbusters, seja o mais íntimo dos dramas. Mais do que isso. Tivemos uma safra que conseguiu refletir o mundo em que vivemos. A deterioração sentimental. As sequelas da desigualdade. O desdém para com os problemas íntimos\afetivos. Tivemos entretenimento e conteúdo. Tivemos esperança e pessimismo. Tivemos crítica e reflexão. Pela primeira vez nestes onze anos de Cinemaniac, a minha lista de melhores do ano tem cinco filmes com nota máxima. Cinco obras totalmente diferentes. De universos distintos. Mas que, assim como todos os outros quinze filmes listados abaixo (contando as menções honrosas), conseguiram ir além. Neste Top 10 muito especial, segue a minha lista com os Melhores Filmes de 2019. Como de costume, a seleção abrange os títulos lançados no Brasil comercialmente (streaming e cinema) entre janeiro e dezembro do ano que terminou.

10º Assunto de Família (Magnolia Pictures)


Representante japonês na corrida pelo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2019, Assunto de Família é um filme de opinião forte. E sobre um tema extremamente delicado. Se em Pais e Filhos (2013) Hirokazu Koreeda já havia colocado em cheque a importância dos laços consanguíneos ao narrar o drama de duas famílias vítimas de uma troca de bebês na maternidade, em Shoplifters (no original) o sensível realizador nipônico toca em feridas bem mais profundas ao se insurgir de vez contra a pretensa funcionalidade de uma família biológica. Sob uma perspectiva íntima e fascinantemente naturalista, Koreeda rompe com uma visão conservadora sobre o que deve definir um núcleo familiar ao acompanhar as desventuras de um casal humilde disposto a abrigar uma garotinha vítima de maus tratos. Com personagens falhos e uma abordagem humana sobre o assunto, o realizador causa um misto de encantamento e desconforto ao abraçar a disfuncionalidade presente na trama, ao tratar o afeto como a principal resposta para a pergunta feita acima. 

9º Ad Astra (20th Century Fox)


Poucos títulos recentes teceram comentários tão profundos sobre a paternidade quanto o enervante Sci-Fi Ad Astra. Por trás de uma expressiva jornada rumo ao desconhecido existe um drama existencial sobre o impacto da ausência, o peso da solidão e as sequelas da obsessão na vida de dois homens ligados pelo elo consanguíneo. Sob a intensa e virtuosa batuta de James Gray (Era Uma Vez em Nova Iorque, Z: A Cidade Perdida), o longa estrelado por um soberbo Brad Pitt camufla no viés científico\futurista uma trama genuinamente familiar sobre laços repentinamente rompidos e o vácuo causado na rotina daqueles que são deixados para trás. No fim, embora escorregue no terreno da condescendência nos seus minutos finais, Ad Astra é uma das grandes surpresas cinematográficas de 2019. James Gray consegue saciar o apetite dos fãs de um Sci-Fi provocante numa obra espetacular quando pode e dramática quando precisa.

8º Parasita (Neon)


Vamos direto ao ponto. Poucos filmes conseguiram traduzir o efeito da desigualdade com tanta ferocidade quanto Parasita. Talvez por isso o filme tenha arrebatado o público ao redor do mundo, conquistado um alcance raro para uma produção do gênero e por consequência garantido expressivas seis indicações ao Oscar. É fácil se reconhecer em Parasita. Se sentir, ao mesmo tempo, parte do problema e vítima dele. Como de costume na sua filmografia, o aclamado diretor Bong Joon-Ho (O Hospedeiro) coloca o dedo em algumas enraizadas feridas sociais com gosto ao mergulhar na disfuncional relação entre duas famílias separadas por barreiras visíveis e também invisíveis. Embora se sustente em uma série de pequenas (mas perceptíveis) facilitações narrativas, o cineasta sul-coreano compensa ao renegar o frequente maniqueísmo embutido em tramas sobre diferenças de classes. Ao tornar tudo o mais cinza possível, Joon Ho renega tanto a vilanização dos mais ricos, quando a exaltação dos mais pobres. Os seus personagens habitam no mundo real. São falhos, oportunistas, por vezes perversos, por vezes compreensivos. Um ambiente tênue regido por convenções frágeis, ambições comuns e falsas expectativas. Por trás deste ecossistema de aparências, no entanto, existe a verdade. A dura e insensível verdade. E é ela que Bong Joon Ho busca escancarar aqui. 

7º Coringa (Warner Bros)


Por que Coringa é um filme tão comentado? O legal de escrever sobre uma obra meses depois do seu lançamento é que temos a chance de analisa-la sob uma perspectiva mais completa. O que, no caso de um filme como Joker (no original), é primordial. Estamos diante de uma produção que transcendeu a barreira do cinema. Muito mais do que um filme de origem de um popular vilão dos quadrinhos, o enérgico longa dirigido por Todd Phillips encontra na figura deste complexo antagonista a oportunidade de tocar em chagas sociais reais. Coringa é um estudo impressionante sobre o meio em que vivemos. E por isso é tão comentado. A partir da óptica de um homem quebrado, afundado nos seus problemas, na insensibilidade e na sua instabilidade, o realizador é enfático ao transformar a nossa sociedade no grande vilão da história. Poderia ser o Rio de Janeiro, Paris, Nova Iorque, mas é Gotham. De ficção, porém, Joker tem bem pouco. De quadrinhos muito menos. Por mais que beba na fonte da nona arte com perspicácia, Phillips vai além ao renegar qualquer resquício de maniqueísmo. Tudo que vemos aqui, a solidão, o desequilíbrio emocional, a violência, a brutalidade, a desigualdade, a anarquia, o sentimento de revolta é produto da sociedade doente em que habitamos. Tal qual Arhtur Fleck (Joaquin Phoenix) somos vítimas e vilões. Somos a consequência e também a causa. Um círculo vicioso conduzido com maestria numa distorcida história de reafirmação e empoderamento.

6º Nós (Universal)


Extrair significados de Us é algo até fácil. As interpretações dos símbolos podem ser tantas. E eles não parecem dispostos a se anular. Após colocar o dedo na ferida quanto ao racismo nos EUA no ácido Corra!, o diretor Jordan Peele não parece interessado aqui em reduzir o alvo. Óbvio que Us (Nós, no Brasil) traz consigo uma forte temática racial. Ter uma família negra num ambiente habitado majoritariamente por brancos faz todo o sentido dentro desta instigante alegoria social. O cineasta, porém, quer ir além. Existem outros males a serem combatidos. Tão ou mais perigosos. Uma ameaça reprimida. Uma ameaça que odeia. Uma ameaça que segrega. Uma ameaça que persegue. Uma ameaça que mata. Um mal que de tão reconhecível pode até se passar por nós mesmos.  

5º Homem-Aranha no Aranhaverso (Sony Pictures)


É fácil entender os motivos que transformaram o amigão da vizinhança Peter Parker num dos super-heróis mais populares da cultura pop moderna. Ele é divertido, carismático, justo e acima de tudo altruísta. Um garoto comum que, com grandes poderes, não titubeou em abraças as grandes responsabilidades. Graças a perspicácia do saudoso Stan Lee, criador e assumidamente maior entusiasta do herói, o Homem-Aranha se tornou um símbolo reconhecível, universal, um jovem obrigado a amadurecer, a enfrentar os seus medos, os seus traumas, as suas desilusões. Por trás dos super-vilões, dos intrépidos resgates e do fator aranha existe um garoto comum, com anseios comuns, uma característica básica do personagem que, felizmente, se fez presente na maior parte das produções envolvendo esta verdadeira legenda do selo Marvel. Nos quadrinhos, nos universos expandidos e especialmente no cinema, o teioso sempre teve a sua essência respeitada, algo que só ajudou a solidificar o status deste icônico super-herói. Poucos destes títulos, entretanto, conseguiram reverenciar o legado da criação da dupla Stan Lee e Steve Ditko com tanta plenitude e originalidade quanto o primoroso Homem-Aranha no Aranhaverso. Uma daquelas obras que exalam o raro frescor da novidade do primeiro ao último minuto de projeção, o longa dirigido pelo trio Bob Persichetti, Peter Ramsay e Rodney Rothman reforça o mito em torno da figura do amigão da vizinhança sem abdicar de trazer algo novo para este saturado gênero, nos presenteando com uma aventura ousada, criativa e inestimavelmente sentimental. Um ‘coming of age movie’ travestido de filme de super-herói que, ao ir além do seu triunfante aspecto visual, entrega uma das experiências cinematográficas mais imersivas e empolgantes da história recente do cinema. 

4º Vingadores: Ultimato (Walt Disney)


É impossível deixar o vínculo afetivo de fora deste texto. São onze anos de filmes. São onze anos de MCU. São onze anos de Cinemaniac. Embora a criação deste blog não tenha qualquer tipo de conexão com o início do Universo Vingadores, numa daquelas coincidências do destino tive o privilégio de ao longo deste período escrever sobre uma das maiores franquias da história da Sétima Arte. Acompanhar de perto as notícias. Elogiar o que deveria ser elogiado. Questionar o que tinha para ser questionado. São centenas de texto sobre uma saga que soube construir um elo com o seu público. Uma trajetória que alcança o seu ápice, como esperado, no épico Vingadores: Ultimato. Uma obra sem precedentes dentro da poderosa indústria da cultura pop. É um filme que não é só UM filme. Avengers: End Game (no original) traz consigo uma parte da essência dos vinte e um capítulos anteriores do Universo Cinematográfico da Marvel. É a síntese de uma saga construída com esmero, com respeito aos fãs, com apreço pelos detalhes. Os irmãos Anthony e Joe Russo encontram aqui a oportunidade de exaltar tudo o que de melhor o MCU tem a oferecer. O senso de diversão. A riqueza de personagens. A dinâmica entre eles. O peso dramático. A ambição narrativa. O virtuosismo estético. E, claro!, muito altruísmo. Muito mesmo. O que, a meu ver, talvez seja o principal predicado de Ultimato. O maior filme de super-herói de todos os tempos é também o de maior coração. Não importa o tamanho da escala das batalhas. Não importa a imponência do vilão. Não importa o senso de urgência. Neste impactante fim de ciclo, Vingadores: Ultimato é retumbante ao reverenciar a jornada dos seus humanos personagens, a importância de cada um deles (do menor ao maior) e o efeito catártico causado por eles junto ao público. Mais MCU impossível.

3º História de Um Casamento (Netflix)


Conduzido com delicadeza por Noah Baumbach, Histórias de um Casamento é um triunfo do cinema moderno. Embora ambientado num geralmente disfuncional mundo de vaidades, o longa humaniza os conflitos dos seus personagens ao pintar um retrato compreensivo e ao mesmo tempo urbano sobre um casal falho disposto a tudo para lutar pela única coisa que eles não estão dispostos a abrir mão: o seu filho. Um relato intimista capaz de comprovar que, diante de um processo tão desnorteante, ninguém está imune ao erro. Um filme denso, triste, real e necessário. Um estudo potencializado pelas primorosas performances de Adam Driver e Scarlett Johansson.

2º Era Uma Vez em... Hollywood (Sony Pictures)


Mais do que um grande diretor, Quentin Tarantino é um verdadeiro cinéfilo. Isso não é novidade para ninguém. Seus filmes refletem a sua paixão pela arte. O tipo (raro) de cineasta que não se incomoda em reverenciar aqueles que o moldaram. Tarantino é, acima de tudo, um iconólatra. Um realizador que fez do seu vasto repertório de referências a sua principal assinatura. Os símbolos (cinematográficos ou não) sempre tiveram muito valor para ele. Um sentimento que fica evidente quando nos deparamos com esta pérola chamada Era uma Vez em... Hollywood. Após décadas homenageando aqueles que os inspiraram em seus projetos, ele resolveu ir além. Desta vez Tarantino não quis somente reescrever a história, mas situar a sua nova obra no cenário que influenciou a maior parte dos seus trabalhos. Uma Hollywood mais ingênua. A Hollywood dos Westerns decadentes, do Kung-Fu, da libertação sexual, das transformações socioculturais, das jovens estrelas. Um verdadeiro parque de diversões nas mãos de um profundo conhecedor deste período. De longe o filme mais audacioso da sua carreira, o irreverente drama “semi-biográfico” mostra então um Quentin Tarantino mais contemplativo. A trama é tratada como uma mera desculpa para ele mergulhar de corpo e alma numa época singular do cinema norte-americano. As referências\reverências, aqui, não são só parte do todo. Mais do que se apropriar dos fatos, Tarantino busca sentir\viver aquele momento, busca passear por um período de efervescência, busca compartilhar sensações com o seu público. Uma experiência imersiva e entusiasmada de um realizador consciente das particularidades que cercaram aquele raro momento.

1º O Irlandês (Netflix)


Ainda que funcione magistralmente enquanto filme de máfia, O Irlandês usa a violência como o agente catalisador para um estudo de personagem dramático, íntimo e genuinamente doloroso. Um retrato revisionista sobre o destino daqueles que fizeram da morte a sua profissão. No auge da sua maturidade, Martin Scorsese troca o ritmo frenético de Os Bons Companheiros (1990) por um sereno ar melancólico, desbravando o turbilhão de emoções de um grupo de homens reprimidos pela natureza bruta do mundo em que habitam. Por trás dos inúmeros predicados artísticos (entre eles os enquadramentos dignos de moldura, os planos criativos que parecem cansados de "pintar a tela de vermelho", os espantosos efeitos digitais de rejuvenescimento facial, a envernizada fotografia em tons frios\amadeirados de Rodrigo Prieto e o primoroso trabalho da equipe de direção de arte) reside talvez a obra mais franca e objetiva de Scorsese desde a sua fase inicial. Um filme gigante em seu aspecto artístico, mas pessoal em sua proposta. Poucas vezes o fardo da velhice foi explorado com tanto peso. Sem medo de errar, o mais profundo (e questionador) título do subgênero desde O Poderoso Chefão 2.

Menções Honrosas

- Em Trânsito (Music Box)


Impulsionado pelas marcantes presenças de Franz Rogowski e Paula Beer, Em Trânsito é uma obra original, insinuante e provocadora. Embora falte vigor ao longa em alguns poucos momentos, o que pode incomodar o espectador acostumado a um conteúdo mais palatável, Christian Petzold compensa ao transformar um cenário indiscutivelmente reconhecível no palco de um drama que insiste em se repetir, uma realidade vil em que a morte pode se acontecer de diversas formas e assumir vários rostos.

- Vice (Annapurna)


Vice é um acerto retumbante. Um relato histórico carregado de cinismo e insinuações sobre a ambição humana e as sequelas causadas pelo jogo político nos EUA. Apesar do viés drástico, Adam McKay coloca o dedo na ferida guiado pela afiada montagem e pela assombrosa performance de Christian Bale. Um filme incapaz contemporizar.


- Vida Selvagem (IFC Filmes)


Sem nunca perder o pulso da trama, que cresce constantemente até a sua fantástica sequência final, Paul Dano nos brinda em Vida Selvagem com um ‘coming of age movie’ adulto, sólido e atual. Um retrato implacável sobre o impacto do divórcio na rotina de uma família consumida pelas chamas da vida adulta, das oportunidades perdidas, do tempo desperdiçado.

- A Sombra do Pai (RT Features)


A Sombra do Pai é um thriller de Horror hipnotizante. Sob uma perspectiva lúdica e ao mesmo tempo visualmente\sonoramente suja, a criativa diretora Gabriela Amaral mostra a capacidade do cinema nacional em produzir filmes de gênero numa obra inquietante, reflexiva e espantosamente reconhecível. Tal qual os melhores representantes do segmento, o longa usa o sinistro como uma ponte para uma discussão mais profunda e repleta de camadas, transitando por temas do nosso dia a dia ao invadir a intimidade de uma família devassada pelo vazio, pelo luto e pela disfuncionalidade em tempos sombrios. Me arrisco a dizer, na verdade, que estamos diante de um dos filmes de zumbi mais originais dos últimos anos. Fazendo jus ao subgênero revigorado pelo mestre George Romero, sabiamente reverenciado por aqui, Gabriela esbanja perspicácia ao preencher a trama com um potente comentário social, se apropriando de elementos clássicos do cinema de horror com um toque tipicamente nacional.

- As Loucuras de Rose (Amazon Studios)


E o melhor filme de 2019 que pouquíssima gente assistiu é... As Loucuras de Rose. Com uma abordagem real e genuinamente feminina, o longa dirigido por Tom Harper (Os Aeronautas) causa um fascínio natural ao narrar as desventuras de uma impulsiva cantora às avessas com a imaturidade. Usando a rebeldia da música country como um esperto pano de fundo, o longa esbanja sinceridade ao revelar o tamanho dos obstáculos enfrentados por uma mãe solteira dividida entre um sonho remoto e as suas verdadeiras responsabilidades. Sem um pingo de condescendência quanto a figura da sua protagonista, a errática Rose (Jessie Buckley), Harper é cuidadoso ao invadir a rotina desta mulher caótica disposto a compreendê-la.

Sentiu falta de algum filme? Deixe nos comentários. 

Nenhum comentário: