domingo, 30 de dezembro de 2018

Dez Grandes Surpresas no Cinema em 2018


Mais um fim de ano chegando e, como esperado, chegou a hora de listar alguns dos pontos altos no cinema em 2018. Como ainda não conseguir assistir alguns filmes para preparar a minha lista de Melhores do Ano, neste primeiro momento decidi preparar uma seleção com algumas das grandes surpresas do ano. Aquele tipo de película que ninguém esperava, que passou longe de surfar a onda do ‘hype’, mas que se revelou uma pequena grande obra. Num ano em que os ‘blockbusters’ (com raras exceções) custaram a emplacar, é legal ver como o cinema ‘indie’ e as novas janelas de distribuição (entenda Netflix, Amazon Prime) nos deram a oportunidade de assistir obras frequentemente “esnobadas” pela indústria, títulos originais que não mereciam passar em branco pelo grande público. Neste artigo, portanto, confira a nossa seleção com algumas das grandes surpresas cinematográficas lançadas comercialmente (cinema, streaming, VOD) em solo brasileiro neste ano de 2018. Dito isso, começamos com... 

- Aniquilação (Paramount\Netflix)


No que diz respeito às suas produções originais, a Netflix tem errado bem mais do que acertado quando o assunto é o cinema. Nos últimos anos, para cada Okja (2017) lançado existem três\quatro Zerando a Vida (2016), Vende-se Esta Casa (2017), Death Note (2017)… Embora siga se esforçando para tirar do papel produções com temáticas diferenciadas, vide os recentes Bright (2017), Onde Está Segunda? (2017) e The Discovery (2016), a poderosa empresa de streaming segue pecando no desenvolvimento das suas histórias, investindo majoritariamente em premissas instigantes que não se sustentam ao longo das suas obras. Quando acerta, porém, a Netflix tem conseguido entregar\adquirir produções originais de ótimo nível. Esse é o caso de Aniquilação, uma experiência cinematográfica reflexiva, audaciosa e indiscutivelmente original. No seu segundo trabalho na função de diretor, Alex Garland se comprova como uma das mais instigantes novas vozes de Hollywood ao questionar o nosso comportamento autodestrutivo numa poderosa alegoria ambiental. Numa obra com múltiplas camadas, o homem por trás do extraordinário Ex_Machina (2015) esbanja domínio narrativo ao construir um denso estudo de personagem, transitando habilmente entre o Sci-Fi, o Horror e o Drama enquanto reflete sobre a nossa existência numa obra inquietante, tensa e cinematograficamente estilosa. Uma bela surpresa que, no Brasil, ganhou distribuição nacional pela Netflix, impedindo que a obra caísse no “limbo” dos longas lançados diretamente para o ‘home-video’. Leia a nossa crítica completa aqui

- Projeto Flórida (A24)


Preciso adicionar mais um nome para a minha lista de grandes atuações infantis da história da Sétima Arte. O que a incrível Brooklyn Prince faz em Projeto Flórida é algo difícil de se descrever em palavras. Ela é o rosto, a alma e o coração do sensível drama dirigido pelo promissor Sean Baker. Num recorte lúdico e ao mesmo tempo naturalista sobre a colorida infância de uma garotinha vivendo à margem da sociedade ao lado da sua imatura mãe, o realizador enche a tela de sentimento ao se concentrar basicamente na rotina da pequena Moonee. Durante as suas "férias" de verão, conhecemos a sua rebeldia, a sua malcriação, a sua sinceridade e acima de tudo a sua doçura infantil. Embora o longa sofra com os problemas de ritmo na sua segunda metade, Baker esbanja coragem ao imprimir a realidade em cena a partir da ingênua perspectiva da protagonista, refletindo sobre os perigos que a cercavam com rara sensibilidade. Mais do que revelar o presente da protagonista, Baker amplia o escopo da trama ao, nas entrelinhas, discutir o futuro da garotinha, ao escancarar o seu abandono, a sua distorcida bússola moral. Contando ainda com a memorável performance de Willem Dafoe, que surge como uma espécie de "bombeiro" sentimental num cenário caótico, Projeto Flórida é um drama singular, um relato precioso sobre o impacto da desigualdade social e a inércia governamental sob a inocente perspectiva de uma garotinha que só queria brincar e ser feliz. Uma criança que viu o seu sonho pueril virar um realístico pesadelo.

- Buscando (Sony\Scream Gems)


Embora não seja o primeiro título a explorar as múltiplas telas do mundo virtual, Buscando... impacta ao aliar o conteúdo à fórmula, fazendo um primoroso uso do reconhecível ambiente da internet na construção de um suspense recheado de alternativas. Guiado pela sólida performance de John Cho que, quando está em tela, traduz com intensidade o misto de incredulidade, angústia, raiva e tristeza de um pai nesta situação, o longa fascina ao explorar todas as possibilidades em torno de um caso de desaparecimento sob uma perspectiva tensa, íntima e original. Inspirado em títulos como Locke (2013) e Garota Exemplar (2014), principalmente quando o assunto é o sensacionalismo e a insensibilidade geral diante das descobertas, o inventivo diretor Aneesh Chaganty coloca o seu nome na lista de realizadores com potencial ao entregar um suspense que, tal qual o protagonista, reluta em aceitar os fatos, em seguir o lugar comum. Um representante raro do gênero capaz de surpreender sem manipular a nossa perspectiva, algo por si só bem difícil diante do grau de conexão entre público e personagem estabelecido pela película. Leia a nossa opinião completa aqui

- Ponto Cego (Lionsgate\Summit)


Herdeiro natural de títulos do porte de Faça a Coisa Certa (1989), Os Donos da Rua (1991), Fruitvale Station (2013) e o recente Corra! (2017), Ponto Cego é o tipo de soco no estômago cinematográfico que ora e vez nós merecemos levar. Embora o longa parta de uma premissa recorrente na atualidade, a violência policial contra os negros norte-americanos, a comédia dramática dirigida pelo novato Carlos Lopez Estrada surpreende ao não ficar presa no ato em si. Um ataque covarde e naturalmente trágico que, ao ser tratado como algo rotineiro na rotina dos personagens, surge apenas como um agente catalisador da história. Como mais um pesadelo no dia a dia daqueles que se acostumaram a lidar com isso. Usando o rap, a descolada montagem e o seu corajoso senso de humor, Lopéz entrega um drama social pesado, um filme pequeno e ao mesmo tempo eloquente capaz de escancarar a barreira que separa aqueles que defendem a multirracialidade e aqueles que realmente vivem a multirracialidade. Uma obra que, através de cenas fortes e por vezes desconcertantes, só constata o quão tolos são aqueles que defendem que o racismo não existe mais. Leia a nossa opinião completa aqui.

- Benzinho (Bubbles Project\TvZERO\Baleia Filmes\Vitrine Filmes\Mutante Cine)


Tenro, bem-humorado e cativante, Benzinho é cinema brasileiro da mais alta qualidade. Uma 'dramédia' revigorante capaz de propor uma reflexão irônica e ao mesmo tempo profunda sobre a disfuncionalidade familiar nos grandes centros urbanos. Após brilhar como a patroa insensível em Que Horas ela Volta?, a magnética Karine Teles implode em cena na pele de uma mãe obrigada a ver o seu primogênito bater asas antes da hora. Num trabalho cheio de nuances, a carismática atriz comove ao criar uma mulher independente que, diante do adeus iminente, se deixa levar pela sua imaturidade, pela insegurança e pelo medo do abandono. Um receio compreensível, mas que, como fica bem claro dentro da obra, nasce de dentro para fora. Indo de sequências engraçadíssimas a momentos de partir o coração, Benzinho se revela um relato singelo e ao mesmo tempo profundo sobre o desespero imaturo de uma mãe incapaz de perceber que havia feito um excelente trabalho na criação do seu filho. Um filme doce, honesto e envolvente que, ao inverter os arquétipos, cativa ao desconstruir uma figura materna aparentemente experiente, mostrando presença de espírito ao discorrer sobre o quão difícil pode ser a preparação para a hora de dar esse até breve. Leia a nossa opinião completa aqui


- A Rota Selvagem (A24)


Um dos subgêneros mais populares dentro do revigorado cinema ‘indie’ atual, os ‘coming of age movies’ recuperaram nos últimos anos o prestígio que parecia ter ficado para trás na década de 1980. Obras do quilate de Eu, Você e a Garota que Vai Morrer (2015), Quase 18 (2016), Moonlight (2016), Lady Bird (2017) e Com Amor, Simon (2018) não me deixam mentir. Os dilemas da juventude voltaram a ser tratados com inteligência em filmes sensíveis, de alcance universal, culminando numa safra de títulos respeitados que tem se renovado ano após ano. O que fica bem claro com o mais novo integrante desta seleta lista, o desconcertante A Rota Selvagem (Lean on Pete, no original). A rigor, os populares filmes sobre o amadurecimento seguem uma linha geralmente comum. Estamos diante de personagens imaturos, por vezes erráticos, que devido a algum conflito se veem obrigados a aprender com os seus erros, a crescer e se preparar para o voraz mundo em que vivemos. Uma estrutura que, ao menos aqui, é sabiamente subvertida. Dirigido pelo intenso Andrew Haigh, o mesmo do pesado romance dramático 45 Anos (2015), o longa estrelado pelo promissor Charlie Plummer causa um inegável desconforto ao inverter as coisas, refletindo sobre o devastador impacto do desamparo na rotina de um adolescente precoce e consciente. Um ‘coming of age movie’ as avessas que, embora parta de uma premissa reconhecível, testa as nossas expectativas ao mostrar o choque de realidade sob a perspectiva de alguém que num momento chave da sua vida percebeu que era cedo demais para encarar o mundo adulto de peito aberto. Leia a nossa opinião completa aqui.

- Paddington 2 (Warner Bros.)


Numa época em que franquias são construídas quase sempre pensadas no lucro fácil e no potencial de continuidade, Paddington 2 surge como uma das raras sequências capazes de superar o longa original. E por muito... Se o cativante primeiro filme era agradável de se ver, lúdico e fofíssimo, a continuação novamente dirigida por Paul King não se contenta em somente replicar os predicados citados acima, se revelando também uma aventura empolgante, comovente, visualmente estonteante e narrativamente brilhante. A partir de um 'plot' simples, a busca de Paddington por um presente para a sua querida tia no aniversário de 100 anos dela, King constrói uma obra divertidíssima, um filme com personagens ainda mais interessantes, um roteiro esperto, um vilão impagável, 'gags' genuinamente engraçadas e uma revigorante mensagem igualitária capaz de "aquecer" o coração do público. Enquanto o primeiro filme se sustenta basicamente na figura do simpático ursinho e na sua disfuncional interação com a família Brown, na continuação King é astuto ao ampliar o escopo, ao permitir que os personagens funcionem isoladamente, os separando em dois arcos dinâmicos, cômicos e ao mesmo tempo densos. A cereja do bolo de Paddington 2, entretanto, está na sua sutil crítica social. Numa época em que a Inglaterra convive com a ameaça do Brexit e uma onda anti-imigratória, Paul King encontra na história do urso injustiçado um precioso subtexto para questionar a perseguição aos diferentes, se insurgindo contra o preconceito numa delicada fábula social. Impulsionado pela irreverente performance de Hugh Grant, magnífico na pele de um ladrão que usa os seus personagens como disfarce, Paddington 2 é um acerto retumbante. Um filme que diverte quando tem que divertir, comove quando tem que comover e empolga ao, acima de tudo, se revelar uma obra muito mais sólida e inteligente do que o original.

- O Vazio do Domingo (Netflix)


Possivelmente o título mais desafiador entre as produções originais Netflix, O Vazio do Domingo provoca um misto de sensações ao estudar o impacto da ausência na rotina de duas mulheres unidas pelo elo da maternidade. Sob a refinada batuta do promissor Ramón Salazar, o longa é profundo ao reconectar o elo entre mãe e filha, ao entender as suas respectivas motivações, refletindo sobre o tempo perdido numa obra densa, dramática e naturalmente instigante. Sem a intenção de se prender as respostas fáceis, o realizador espanhol mostra astúcia ao alimentar o clima de mistério, ao proteger os segredos em torno de duas complexas personagens, realçando o aspecto intimista do texto enquanto constrói uma relação marcada pela dor, pelo peso da culpa e pela esperança da redenção. Não espere, porém, um drama agridoce, daqueles bem típicos em Hollywood. Com a coragem necessária para tocar em temas espinhosos sem um pingo de condescendência, Salazar esbanja delicadeza ao realmente estreitar o vínculo entre mãe e filha, ao torna-lo genuinamente feminino, encontrando nas poderosas atuações da dupla Bárbara Lennie e Susi Sánchez o peso necessário para tornar tudo muito real\verdadeiro aos olhos do público. Com DNA feminino, um visual requintado e uma abordagem humana envolvendo o abandono materno, O Vazio do Domingo se revela um drama intimista sobre os ciclos que se fecham, sobre as lacunas impostas pelo afastamento. Um filme inquietante capaz de julgar e compreender, de agredir e se compadecer. Leia a nossa opinião completa aqui

- Com Amor, Simon (Fox)


O mundo precisa de mais filmes como Com Amor, Simon. Numa época em que algumas pessoas parecem preocupadas demais com opção sexual de terceiros, que a repressão e a intolerância se “escondem” num conveniente discurso conservador, o revigorante longa dirigido por Greg Berlanti é impecável ao tratar a jornada de aceitação de um jovem homossexual com uma naturalidade fascinante. Uma abordagem simples e ao mesmo tempo profunda que parece reaquecer um dos gêneros mais populares de Hollywood, os ‘high-school movies’. Na verdade, o cinema também precisava de um filme como Com Amor, Simon. Isso porque, por mais que os personagens LGBT venham ganhando cada vez mais espaço dentro do segmento, aqui, talvez pela primeira vez, um blockbuster decidiu tratar o tema de maneira descomplicada, sem grandes dramas ou clichês, entregando assim um romance tipicamente ‘teen’ que evita se prender a nichos. Com roteiro assinado por Elizabeth Berger e Isaac Aptaker, é interessante ver como o longa não se prende demasiadamente a questão da sexualidade do protagonista, o carismático Simon (Nick Robinson). Por mais que a trama gire em torno do “segredo” do personagem, respeitando os temores e os anseios do mesmo quanto a iminente revelação, Berlanti é astuto ao criar uma obra universal, que funcionaria muito bem seja com um(a) hétero, seja com um(a) gay. Já estava na hora do público adolescente ganhar um filme LGBT à altura dos clássicos de John Hughes. Leia a nossa opinião completa aqui

- A Ganha Pão


Escrever sobre A Ganha-Pão é uma missão delicada. Isso porque, muito mais do que uma simples obra de ficção, o longa dirigido pela irlandesa Nora Twomey surge como um desesperado grito de ajuda, um clamor feminino numa região dominada pelo medo e pela opressão. Inspirado na obra da escritora canadense Deborah Ellis, que, na segunda metade da década de 1990, viveu no Afeganistão e experimentou a triste realidade das mulheres sob o regime talibã, a delicada animação causa um misto de empatia e indignação ao narrar as desventuras de uma esperta menina obrigada a assumir uma nova identidade para assumir o sustento da sua família. Transitando brilhantemente entre o realismo e a fantasia, a realizadora esbanja propriedade ao expor a miserável condição feminina neste contexto. Ao realçar a resiliência das mulheres afegãs e a impotência do povo afegão numa obra que acerta ao refletir sobre o nobre passado, o desolador presente e o nebuloso futuro dos habitantes desta árida região. Contundente ao nos mostrar a lastimosa perspectiva de futuro de uma criança em solo afegão, The Breadwinner (no original) é o tipo de trabalho que nos faz refletir também sobre a nossa realidade e o inestimável preço da liberdade. Com a objetividade necessária para incomodar, vide o emocionante clímax, Nora Twomey encanta ao valorizar o poder do diálogo, ao usar a claustrofóbica posição da mulher num regime como o talibã para expor a verdade por trás do totalitarismo. Leia a nossa opinião completa aqui

Menções Honrosas

- Ilha dos Cachorros (Fox Searchlight)


Com personagens engraçadíssimos, uma visão hiper-realista da nossa sociedade e um curioso flerte com a linguagem documental, elementos bem comuns na filmografia de Wes Anderson, Ilha dos Cachorros decide brincar com traços característicos da cultura asiática num daqueles projetos difíceis de serem definidos em palavras. Estamos diante de uma fábula política, com um forte viés tragicômico e uma pegada Sci-Fi sobre um garoto nipônico, o resiliente Atari, e a sua incansável busca pelo seu fiel e “exilado” cão Spots (voz de Liev Schreiber). Por mais que o argumento sofra um pouco com as oscilações de ritmo, um deslize que se torna mais evidente quando Anderson se distancia da jornada de Atari para investir em ‘flashbacks’ longos e subtramas redundantes, Ilha dos Cachorros compensa ao impregnar a trama com alguns dos nossos crônicos problemas sócio-políticos, ao se insurgir contra a repressão governamental, a ignorância e o discurso divisivo numa obra que tem muito a dizer sobre o desigual mundo em que vivemos. E isso, felizmente, sem nunca perder a piada. Leia a nossa opinião completa aqui

- Cargo (Netflix)


Desde a sua remodelada origem, nas mãos do criativo George Romero, os filmes de zumbi sempre ofereceram um interessante pano fundo para a construção da crítica social no cinema. Indo além do choque pelo choque, títulos como o clássico A Noite dos Mortos Vivos (1968), o visceral O Despertar dos Mortos (1978), o agressivo Extermínio (2002) e mais recentemente o inteligente Invasão Zumbi (2016) se tornaram referências dentro do gênero, justamente por, através do horror, questionar o nosso estilo de vida em sociedade. Por mais que, nos últimos anos, a maioria dos representantes do segmento tenha se distanciado desta vertente, ora e vez surge uma obra capaz de explorar este potencial. Esse - felizmente - é o caso de Cargo. Uma das melhores produções originais recentes da Netflix, o longa dirigido pela dupla Ben Howling e Yolanda Ramke provoca um misto de emoções ao narrar a desventurada jornada de um pai contaminado em busca de um abrigo para a sua indefesa filha. Transitando com desenvoltura entre o Drama, o Suspense e o Horror, a promissora dupla de realizadores enche a tela de tensão ao traduzir o desespero de um pai à procura de um lugar para a sua filha, encontrando nesta jornada familiar o subtexto necessário para criticar a apropriação cultural e a condição de abandono dos povos aborígenes em solo australiano. Um filme inventivo e expressivo que, impulsionado pela intensa performance de Martin Freeman, surpreende ao realçar o fator humano em meio ao caos numa película emocionante. Leia a nossa opinião completa aqui


- Next Gen (Netflix)


Só por buscar inspiração em pérolas do quilate de Blade Runner, O Gigante de Ferro, Wall-E e Divertidamente, a animação de ficção-científica Next Gen já se revelaria uma obra suficientemente corajosa. Para a minha grata surpresa, entretanto, o longa dirigido por Kevin R. Adams e Joe Ksander não se contenta somente em reciclar fórmulas e ideias, indo a fundo em algumas complexas questões existenciais ao discutir a nossa humanidade dentro de um ambiente robotizado. Numa visão de futuro indiscutivelmente original, a vibrante produção original Netflix nos leva para uma realidade não muito distante, onde os robôs passaram a ter suma importância no nosso dia a dia. No embalo da enérgica trilha sonora pop-rock de Samuel Jones e Alexis Marsh, Next Gen é uma obra surpreendente, uma animação inteligente, com ideias próprias, um criativo viés reflexivo e muito carisma. Um filme capaz de agradar adultos e crianças com a sua linguagem descomplicada, o seu humor perspicaz e pela sua capacidade em construir uma genuína história de amizade. Leia a nossa opinião completa aqui.


- A Noite do Jogo (Warner Bros)


Num momento em que o “mercado” parece sedento por filmes grandiosos e voltados para todos os públicos, é revigorante ver uma produção “fiel” às suas origens, ao seu público alvo. Embora não parta de uma premissa inovadora, os engraçadíssimos Três Amigos (1986), O Homem que Sabia de Menos (1997) e Trovão Tropical (2008) já haviam transitado por um caminho semelhante, Noite do Jogo acerta ao se aproximar do cenário urbano, rindo a imaturidade dos “jovens adultos” numa comédia capaz de divertir e surpreender com enorme dinamismo. Por mais que o talentoso elenco, capitaneado pelos carismáticos Jason Bateman e Rachel McAdams, abrace a disfuncionalidade dos seus personagens com invejável entusiasmo, é legal ver o esforço do roteiro em não se levar a sério por um segundo sequer. Mais do que simplesmente rir da competitividade do americano comum, o longa dirigido pela dupla John Francis Dale e Jonathan Goldstein (do subestimado remake Férias Frustradas) o faz com inteligência, usando a nova moda de jogos de aventura física (do tipo Escape Room) como o perspicaz ponto de partida para a construção de uma história envolvente, escapista e positivamente insana. O resultado é uma produção envolvente, com momentos instigantes, outros nem tão inspirados assim, mas num todo genuinamente engraçada e inventiva. Leia a nossa opinião completa aqui


- Calibre (Netflix)


Dois amigos saem numa caçada comemorativa. Um tiro. Uma vítima inocente morta. O estopim para uma sucessão de decisões inconsequentes. Sem a intenção de alimentar falsos mistérios, Calibre choca pela forma com que valoriza um elemento frequentemente esnobado dentro do gênero: o peso das consequências. Com a contundência necessária para questionar, o suspense escocês dirigido e roteirizado pelo promissor Matt Palmer enerva ao se concentrar nos dilemas morais da dupla de protagonistas, criando uma obra com sólidas ramificações dramáticas. Um filme que, por acreditar na força da sua história e na multidimensionalidade dos seus personagens, esbanja maturidade ao traduzir com frieza a espiral de dor e desespero causado por uma simples arma de fogo. Com a propriedade necessária para tecer um precioso comentário sobre a consequência da banalização das armas de fogo, o realizador se debruça sobre inquietantes dilemas morais numa obra que não parece interessada em contemporizar. Seguindo a linha toda ação gera uma reação, Palmer transita entre o drama e o suspense psicológico com intensidade, olhando diretamente para o público ao refletir sobre o poder paralelo, a lei do mais forte e a espiral de violência causada por um simples disparo. Uma obra que, embora situada num cenário micro, tem muito a dizer sobre a violência urbana num universo em que “acidentes” não são perdoáveis. Leia a nossa opinião completa aqui.

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