Previsível, exagerado,
mas - ainda assim - um filme com o padrão "Del Toro"
Dono de um virtuosismo estético fascinante, Guillermo Del Toro se
afirmou em Hollywood ao misturar fantasia e realidade de maneira sempre
particular. Com uma filmografia enxuta, mas
expressiva, o realizador mexicano é perito ao transitar entre os gêneros
sem nunca abrir mão da sua assinatura, podendo ir do choque ao encantamento com
improvável fluidez. Um predicado que, diga-se de passagem, pode ser percebido
no instigante A Colina Escarlate. Longe dos seus melhores trabalhos, o suspense
de horror estrelado pelo trio Mia Wasikowska, Jessica Chastain e Tom Hiddleston poderia ser
mais uma daquelas obras genéricas se não fosse a capacidade do realizador em
construir uma atmosfera imersiva e peculiar. Apesar da previsibilidade do
argumento e do exagero passional proposto pela trama, Del Toro exibe o seu
reconhecido rigor técnico ao construir uma película visualmente soberba, um
longa marcado pela fotografia estilosa, pelos engenhosos cenários e pela
inventiva montagem. Narrativamente, porém, o filme patina e só alcança um
patamar realmente satisfatório quando o realizador, ainda que tardiamente,
resolve realçar a inusitada conexão sentimental entre os personagens.
Sejamos francos, o argumento assinado por Mathew Robbins, ao lado do
próprio Guillermo Del Toro, não se faz de rogado ao requentar uma série de
fórmulas e conceitos já utilizados em outras icônicas produções do gênero. Não
espere, portanto, grandes novidades ou mirabolantes reviravoltas. Aqui, Del
Toro se contenta em dar uma embalagem autoral a uma história que obviamente já
foi contada outras vezes. Dito isso, impulsionado pelos elegantes diálogos e
pela categoria do realizador ao transitar entre os gêneros, A Colina Escarlate
narra as desventuras da independente Edith (Wasikowska), uma aspirante a
escritora que sonha em ver os seus textos publicados. Num acaso do destino, no
entanto, ela se envolve com o misterioso Thomas (Hiddleston), um baronete
inglês que desembarca nos EUA para tentar convencer o seu pai a investir num
arriscado projeto. Carismático e sedutor, ele logo fisga a atenção da bela
jovem, que passa a experimentar sentimentos até então impensáveis. Inebriada
com esta repentina aproximação, Edith decide se casar e morar na decadente
mansão do seu esposo. Não demora muito, porém, para ela se deparar com alguns
inesperados problemas, principalmente na relação com a instável Lucille
(Chastain), a possessiva irmã mais velha de Thomas.
Como de costume em sua carreira, Guillermo Del Toro não encontra
problemas para construir a envolvente atmosfera de suspense. Mesmo com um roteiro
tradicional em mãos, o realizador mexicano adiciona novos ingredientes a esta
mistura ao flertar desde as primeiras cenas com o pano de fundo espiritual,
aliando horror e fantasia ao introduzir a sensitiva Edith e a sua desventurada
jornada. Através de expressivos enquadramentos e singulares sequências, Del
Toro surpreende ao construir um primeiro ato mais lento, mais romântico, mas
não menos ameaçador. Ainda que apressada, a aproximação entre Edith e Thomas
soa natural, assim como a gradativa construção do perigo em torno desta
relação. Numa sacada de mestre, aliás, o mexicano desfila o seu repertório de
soluções estéticas ao desenvolver a montagem da película, ampliando a atmosfera
de tensão ao apostar em criativos efeitos de transição de cena. Por diversas
vezes, inclusive, além de prestar uma excelente homenagem aos primórdios do
cinema, Del Toro utiliza os cortes e fades para realçar as intenções dos
personagens à medida que a trama avança.
O grande problema de A Colina Escarlate, no entanto, está no previsível
segundo ato. Apesar da atmosfera imersiva e do incrível trabalho da equipe de
direção de arte, o desenrolar dos mistérios é preguiçoso e mais intenso do que
assustador. Como se não bastassem os inexplicáveis problemas envolvendo a
concepção das artificiais criaturas fantasmagóricas, que, desenvolvidas via
CGI, contrastam com a fisicalidade da riquíssima mansão da colina, Del Toro não
consegue encontrar o equilíbrio ideal entre a construção do suspense e o
desenvolvimento dos seus personagens. Na ânsia de proteger os segredos em torno
das reais intenções deles, o realizador aposta exageradamente no
poder da insinuação e se vê preso às fórmulas repetitivas. Ainda que os
passeios de Edith pelos corredores do castelo rendam uma série de virtuosas
sequências, as descobertas da protagonista se dão de maneira genérica e conveniente.
Pra piorar, atrapalhada pelo roteiro, Mia Wasikowska não convence como uma
mulher apavorada inserida num ambiente hostil. Indo da detetive espiritual à
romântica fragilizada sem jogo de cintura, a talentosa atriz australiana faz o
possível, mas não consegue tornar crível as repentinas mudanças de postura da
sua personagem.
Quando tudo parecia perdido, no entanto, Del Toro mostra por que está
entre os mais autorais de Hollywood. No embalo da soberba atuação de Jessica
Chastain, o diretor finalmente resolve descortinar as motivações
dos seus personagens e o resultado é tão brutal, quanto sentimental. A surpresa
não está no encaixe das peças, nem tão pouco no desfecho propriamente dito, mas
na maneira como ele resolve falar de amor sob um ponto de vista absolutamente
peculiar. Indo de encontro à proposta sugestiva dos dois primeiros atos, Del
Toro não poupa o espectador ao investir em sequências brutais e propositalmente
exageradas, culminando num terço final denso e explosivo. Méritos que,
logicamente, precisam ser divididos com a dupla Chastain\Hiddleston. Enquanto a primeira explode em cena com rara intensidade, o
segundo absorve com inesperada sutileza as emoções do seu Thomas, nos fazendo
enxergar a humanidade por trás desta figura naturalmente nebulosa. Melhor ainda,
aliás, é o trabalho da equipe de direção de arte e fotografia. Fazendo um
excelente uso dos efeitos práticos, Del Toro resolveu realmente construir a engenhosa
mansão dos irmãos Sharpe, uma opção que só adiciona peso e valor de produção à
película. Sujos e envelhecidos, os aposentos do decadente castelo são vastos e
se diferenciam entre si, tornando as incursões da curiosa Edith naturalmente
instigantes aos olhos do público. Além disso, apesar da aparência gélida da
região, o diretor de fotografia Dan Laustensen investe numa palheta de cores
mais quente e vermelha, dialogando com a proposta 'gore' e passional
defendida pelo longa.
Dito isso, A Colina Escarlate é um suspense com toques de horror e
(pasmem vocês) romance que se garante muito mais no seu apelo visual, do que
propriamente no seu conteúdo. Na verdade, Guillermo Del Toro compensa a
previsibilidade da trama ao utilizar o seu reconhecido virtuosismo estético na
construção da atmosfera, equilibrando beleza e brutalidade ao traduzir com uma improvável dose de poesia os distorcidos sentimentos dos seus personagens e as
consequências por trás desta complicada relação.
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