Tenro, bem-humorado e cativante,
Benzinho é cinema brasileiro da mais alta qualidade. Uma 'dramédia' revigorante
capaz de propor uma reflexão irônica e ao mesmo tempo profunda sobre a
disfuncionalidade familiar nos grandes centros urbanos. Após brilhar como a
patroa insensível em Que Horas ela Volta?, a magnética Karine Teles implode em
cena na pele de uma mãe obrigada a ver o seu primogênito bater asas antes
da hora. Num trabalho cheio de nuances, a carismática atriz comove ao criar uma
mulher independente que, diante do adeus iminente, se deixa levar pela sua
imaturidade, pela insegurança e pelo medo do abandono. Um receio compreensível,
mas que, como fica bem claro dentro da obra, nasce de dentro para fora.
Com um senso de humor afiado, que se reflete nos diálogos, no caótico cenário doméstico e na disfuncional dinâmica entre os personagens, o diretor e roteirista Gustavo Pizzi esbanja criatividade ao traduzir a sensação de mudança literalmente, usando a deteriorada casa desta entrosada família como um sagaz elemento narrativo. Sem querer revelar muito, a maneira com que os personagens improvisam diante das adversidades é hilária, muito em função da perspicácia do argumento em dialogar com temas e situações reconhecíveis. E como se não bastasse isso, o realizador é igualmente astuto ao tratar a instável Irene como um modelo de mãe universal, uma figura altruísta, capaz de se multiplicar nos cuidados dos seus filhos, de explodir repentinamente por motivos inesperados, mas também de lutar, de arregaçar as mangas de batalhar como muitas pelo pão de cada dia. Uma mulher moderna, inicialmente forte e compreensiva que, à medida a trama avança, se rende ao turbilhão de emoções envolvendo uma repentina despedida.
Além disso, apesar das fluídas 1 h e 35 minutos de filme, Gustavo Pizzi encanta ao investir numa sincera abordagem
quase naturalista, enchendo a tela de realidade ao construir a conexão entre os
irmãos, o inabalável vínculo entre pais\filhos e o impacto do desequilíbrio
materno na peculiar rotina deles. Um viés disfuncional fofo que remete
diretamente a obras do porte de Pequena Miss Sunshine (a kombi não me deixa
mentir), Mommy e Lady Bird. É legal ver como, embora Karine Telles roube a
cena, o diretor é sutil ao realçar os dilemas dos demais personagens, da
resiliente irmã (Adriana Esteves), do sonhador pai (Otávio Muller), do
impagável filho esnobado (Luan Teles), preenchendo as eventuais brechas com
muita leveza. Por mais que em alguns momentos o roteiro se disperse em alguns
destes arcos secundários, em especial no sério drama pessoal da irmã, Pizzi
compensa ao através deles reforçar o senso de unidade da família, nos brindando
com pelos menos três sequências genuinamente emocionantes.
Num todo, aliás, o diretor mostra
pulso narrativo ao capturar a singularidade do cenário proposto, a realidade de
uma família de classe média cheia de expectativas não concretizadas. Com
direito a alguns imersivos planos sequências, íntimos enquadramentos fechados e
uma palheta de cores vivas valorizada pela reluzente fotografia de Pedro
Faerstein. Indo de sequências engraçadíssimas a momentos de partir o coração,
Benzinho se revela um relato singelo e ao mesmo tempo profundo sobre o
desespero imaturo de uma mãe incapaz de perceber que havia feito um excelente
trabalho na criação do seu filho. Um filme doce, honesto e envolvente que, ao
inverter os arquétipos, cativa ao desconstruir uma figura materna aparentemente
experiente, mostrando presença de espírito ao discorrer sobre o quão difícil
pode ser a preparação para a hora de dar esse até breve.
OBS: Duas curiosidades sobre
Benzinho. O diretor Gustavo Pizzi é casado com Karine Teles e os gêmeos, os
simpáticos Arthur e Francisco Teles Pizzi, são filhos deles. Além disso, o
promissor Luan Teles é sobrinho de Karine, o que ajuda a explicar o incrível
senso de entrosamento presente em cena.
OBS 2: Benzinho está disponível
nas principais plataformas de streaming (Google Play é uma delas) por um preço
extremamente acessível. Valorizem o cinema nacional.
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