Vocês estão sentindo falta de
algo nos cinemas ultimamente? Eu estou. Onde foram parar as comédias? Nos anos
1980 e 1990, era comum ver cinco, seis representantes do gênero entre as
maiores bilheterias do ano. A oferta era frequente. A lucratividade era alta.
Era impossível dissociar o mercado blockbuster deste popular segmento. De um
tempo para cá, entretanto, a “indústria” parece ter cansado de investir em
comédias. Diante do ‘boom’ dos filmes de super-heróis e das grandes franquias,
o gênero perdeu espaço e relevância, ficando muito dependente do status de
alguns atores ou então da inventividade de alguns realizadores. Em 2017, por
exemplo, entre os cinquenta filmes de maior bilheteria do ano nos EUA, apenas
quatro eram exclusivamente cômicos: o elogiado Viagem Das Garotas, as continuações
Pai em Dose Dupla 2 e Perfeita é a Mãe 2 e o tolo remake cinematográfico da
série Baywatch. Pode ser só uma impressão minha, ou uma triste coincidência,
mas, quando olhamos em perspectiva, fica claro a falta de grandes ‘hits’ do
gênero na última década. Títulos bem-sucedidos como Segurando as Pontas (2008),
Se Beber, Não Case (2009), Uma Noite Fora de Série (2010), Missão Madrinha de
Casamento (2011), Amor a Toda Prova (2011), Ted (2012), Anjos da Lei (2012) As
Bem Armadas (2013), Vizinhos (2014), A Espiã Que Sabia de Menos (2015) e Dois
Caras Legais (2016) estão cada vez mais raros. A impressão que fica é que a
comédia atual passou a sobreviver de filmes como A Noite de Jogo, uma produção
de médio orçamento, que “nasceu” sem grandes expectativas e que tem boa parte
do seu sucesso atrelado ao fator surpresa.
E quando digo isso não quero, de
maneira alguma, desmerecer o nível de qualidade de A Noite do Jogo. Muito pelo
contrário. Num momento em que o “mercado” parece sedento por filmes grandiosos
e voltados para todos os públicos, é revigorante ver uma produção “fiel” às
suas origens, ao seu público alvo. Embora não parta de uma premissa inovadora,
os engraçadíssimos Três Amigos (1986), O Homem que Sabia de Menos (1997) e Trovão
Tropical (2008) já haviam transitado por um caminho semelhante, o longa
dirigido pela dupla John Francis Dale e Jonathan Goldstein (do subestimado
remake Férias Frustradas) acerta ao se aproximar do cenário urbano, rindo a
imaturidade dos “jovens adultos” numa comédia capaz de divertir e surpreender
com enorme dinamismo. Por mais que o talentoso elenco, capitaneado pelos
carismáticos Jason Bateman e Rachel McAdams, abrace a disfuncionalidade dos
seus personagens com invejável entusiasmo, é legal ver o esforço do roteiro em
não se levar a sério por um segundo sequer. Mais do que simplesmente rir da
competitividade do americano comum, a dupla de realizadores o faz com
inteligência, usando a nova moda de jogos de aventura física (do tipo Escape
Room) como o perspicaz ponto de partida para a construção de uma história
envolvente, escapista e positivamente insana. Fazendo jus ao título do filme, Dale
e Goldstein narram a desventurada jornada de Max (Bateman) e Annie (McAdams),
um casal entrosado e apaixonado que não abriam mão de um encontro semanal com
os amigos para uma descontraída (nem tanto) noite de jogos. Um competidor nato,
Max só se sentia desconfortável diante da presença do irmão, o charmoso e
viajante Brooks (Kyle Chandler), um endinheirado homem de negócios que não
fazia questão de esconder o seu sucesso. Após voltar de uma longa viagem, ele
decide usar a sua mansão como sede para uma edição especial da noite de jogos.
O que era para ser uma divertida experiência entre amigos, entretanto, logo se
torna uma improvável “caça ao tesouro”, principalmente quando os planos de Max
não saem como o esperado e a brincadeira passa a ter um perigoso (e
desconhecido) fundo de verdade.
Com uma montagem esperta e uma
direção estilosa, o que fica óbvio logo na fantástica\contextualizadora
sequência de abertura, A Noite de Jogo é o (atualmente raro) tipo de comédia
que não se sustenta somente nas suas gags. Por mais que a dupla John Francis
Dale e Jonathan Goldstein mostre um afiado tempo de comédia, transitando entre
o humor de referência (a maioria cinéfilas) e o humor de situação com
espontaneidade e dinamismo, o longa é astuto ao ir além das desventuras deste
grupo de amigos. Na verdade, o primeiro grande trunfo do roteiro está no esmero
na construção dos cativantes personagens. Embora Max e Annie estejam no centro
de toda a trama, a dupla de realizadores é ágil ao estabelecer a personalidade
dos coadjuvantes e ao permitir que a suas simples subtramas funcionem a
contento. No melhor estilo ‘sitcom’ televisivo. Tipos como o expansivo pouco
inteligente Ryan (Billy Magnussen, radiante), o desconfiado Kevin (Lamorne
Morris, competente como de costume), a esposa com segredos Michelle (Kylie
Bunbury, super carismática) e o vizinho esquisitão Gary (Jesse Plemons,
impagável) ganham uma bem-vinda relevância, indo além do potencial cômico ao
permitir que a trama não fique presa aos mistérios quanto ao destino de um
determinado personagem. Sem querer revelar muito, embora se repita em alguns
momentos, a crise de confiança ente Kevin e Michelle rende diálogos
divertidíssimos e uma impagável sequência pós-crédito referente a uma grande
estrela de Hollywood. Outro ponto que agrada, e muito, é a maneira com que o
argumento explora a rixa familiar\masculina entre os irmãos Brooks e Max. Sem
nunca recorrer ao terreno do sentimentalismo, é aqui que Dale e Goldstein
conseguem criticar a imaturidade dos “herdeiros” da década de 1980, trazendo a
paternidade para o centro da trama com ironia e inspiradas metáforas. É legal
ver como o tema aquece a entrosada relação entre Max e Annie, dando aos ótimos
Jason Bateman e Rachel McAdams a oportunidade de discutir um tema
frequentemente tratado com seriedade sob uma perspectiva positivamente imatura. O que faz todo o sentido dentro da proposta da película.
A versátil atriz, inclusive, rouba a cena sempre em que está nela, absorvendo o
misto de competitividade e entusiasmo da sua Annie com enorme energia.
Em meio a tantos predicados,
entretanto, A Noite do Jogo curiosamente derrapa quando o assunto é a
construção da sua improvável caça ao tesouro. Por mais que, num todo, a
dinâmica proposta pelo roteiro culmine em situações divertidas e num consistente
clima de mistério, aos poucos a trama começa a se repetir demais. Embora renda
uma das melhores sequências do longa, ponto para o engenhoso ‘mise en scene’ da
dupla de diretores, o subplot envolvendo a busca por um ‘mcguffin’, por
exemplo, se revela um tanto quanto simplório e parece se sustentar graças as
piadas conseguidas a partir dele. Além disso, no momento em que decide unir
todos os personagens num mesmo arco narrativo, o longa se vê preso demais às
figuras de Annie e Max, reduzindo o tempo de tela dos divertidos personagens de
apoio. Menos mal que, na transição para o clímax, o argumento volte a elevar o
nível da película ao surgir com duas sagazes reviravoltas, testando as
expectativas do público sobre a realidade dos fatos com criatividade e a adição
de um (confortável, é verdade) senso de perigo. Contando ainda com a empolgante
trilha sonora sintetizada de Cliff Martinez (Drive) e uma das melhores cenas de
créditos finais recentes, A Noite do Jogo está, facilmente, entre os bons
representantes do gênero dos últimos anos. Indo além das inesperadas
referências à cultura pop e do inusitado ‘plot’ lúdico, a dupla John Francis
Dale e Jonathan Goldstein faz da dinâmica entre os seus personagens o
principal trunfo da película, transformando uma aparentemente despretensiosa
brincadeira entre amigos numa “aventura” honesta e genuinamente cômica.
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