Poucos gêneros seguem
reinventando tanto a narrativa cinematográfica quanto o Suspense\Horror. Isso é
um fato. Graças a ousadia de alguns realizadores e a liberdade de criação
proposta pelas produções de menor custo, ora e vez somos surpreendidos com
obras capazes de revigorar o ‘status quo’ do segmento, de oferecer uma
abordagem nova para uma história muitas vezes contada. Nas décadas de
1940\1950, por exemplo, o gênio Alfred Hitchcock mostrou que um filme poderia
ser ambientado num só espaço e ainda assim ser genuinamente tenso com os
preciosos Festim Diabólico (1948) e Janela Indiscreta (1954). Nos anos 1960,
com a ascensão do cinema ‘indie’, figuras como Herk Havey e George A. Romero
trouxeram o subtexto social para o universo do Horror com, respectivamente, os
clássicos O Parque Macabro (1962) e A Noite dos Mortos Vivos (1968). Já nos
anos 1990, quando nada de tão novo parecia surgir mais, o ‘cult’ A Bruxa de
Blair (1998) ajudou a consagrar o formato ‘found footage’, reinventando a forma
de se fazer cinema ao relembrar que com boas ideias e um orçamento mínimo era
possível se produzir um grande ‘hit’ de público e crítica. O que fica bem
claro com o mais novo representante desta lista, o enervante Buscando...
(2018). Embora não seja o primeiro título a explorar as múltiplas telas do mundo
virtual, Amizade Desfeita (2014), por exemplo, tomou a dianteira num thriller de horror cujo
a ideia é melhor que a execução, o longa dirigido e roteirizado pelo promissor Aneesh
Chaganty impacta ao aliar o conteúdo à fórmula, fazendo um primoroso uso do
reconhecível ambiente da internet na construção de um suspense recheado de
alternativas.
Na verdade, o grande trunfo de
Buscando... está no esmero do realizador em não só justificar as suas escolhas
narrativas, mas também na preocupação em tirar do papel uma premissa instigante
e insinuante. Um ‘plot’ que a rigor, numa análise superficial, nem soa tão
inventivo assim. Na trama, seguimos os passos do zeloso David Kim (John Cho),
um pai viúvo e superprotetor que, após o desaparecimento da sua querida filha,
a retraída Margot (Michelle La), entra numa desesperadora procura ao perceber
que as principais pistas do seu paradeiro poderiam estar nas redes sociais da
jovem. Quando o assunto é o desenvolvimento da história em si, Aneesh Chaganty
é inicialmente perspicaz ao estreitar o elo entre os personagens, ao permitir
que o público crie uma sincera identificação com pai e filha. Logo na memorável
cena de abertura, no melhor estilo Up: Altas Aventuras, o diretor é genial
ao atrelar o crescimento da jovem e os dramas familiares dos dois ao
desenvolvimento tecnológico, em especial dos sistemas operacionais e das redes
sociais. Um recorte fluído e brilhantemente montado capaz de nos situar quanto
aos fatos que cercaram as suas respectivas vidas. E isso sob a inventiva
perspectiva dos usuários do computador, que, ao longo do filme, se torna a
principal “janela” da história para o público.
Impecável ao estabelecer os
conflitos de pai e filha, Aneesh Chaganty é igualmente habilidoso ao trazer o
suspense (literalmente) para o centro da tela. Com dinamismo e pulso narrativo,
David é alçado ao papel de interlocutor da história e, a partir dos seus
cliques, gradativamente começamos a entender melhor o caso. Ao invés de
simplesmente se concentrar no mistério em torno do paradeiro da jovem, o
argumento é sutil ao descortiná-la perante o público, ao plantar uma série de
dúvidas quanto a real identidade de Margot, os seus dilemas mais íntimos e as
suas verdadeiras motivações. Sob o ponto de vista de um pai incrédulo obrigado
a invadir a intimidade da sua filha em busca de respostas, Chaganty consegue
testar as expectativas do público, plantar as suas pistas (falsas ou não) sem
subestimar a nossa inteligência, nos dando a possibilidade de ter uma
participação ativa dentro da história. Por mais que algumas
destas “pegadinhas” sejam previsíveis, elas servem a contento ao ‘script’,
principalmente por tirar o foco de algumas possibilidades que não deveriam ser
descartadas tão facilmente. Ou seja, como se não bastasse a envolvente busca de
respostas por parte do pai, as descobertas nem sempre levam ao caminho certo, o
que só ajuda a alimentar a atmosfera de tensão proposta pelo imersivo longa.
Outro ponto que agrada, e muito, é a capacidade de Chaganty em construir o
senso de perigo da trama. À medida que a história avança, o argumento é
inteligente ao nos colocar em dúvidas sobre a possibilidade de um desfecho
positivo, ao sentir que a cada minuto as chances de encontrá-la viva se reduzem
drasticamente. Uma abordagem realística que só eleva o nível do desconcertante
último ato e do memorável clímax.
Embora Buscando... se revele um
suspense redondo, daqueles sem grandes furos e\ou soluções mirabolantes, o que
o diferencia da turma é, indiscutivelmente, a “janela” encontrada por Aneesh Chaganty
para contar a sua história. Ao invés de simplesmente prender o seu protagonista
na frente de um computador, o realizador esbanja originalidade ao sincronizar
as telas do PC\Celular de David com a do público, criando uma experiência
difícil de se descrever em palavras. Nós vemos o que ele vê, lemos o que ele
lê, reagimos involuntariamente aos seus ‘insights’, as suas frustrações e
expectativas. Em um ou dois momentos, inclusive, o diretor dá ao público a
possibilidade de se antecipar ao personagem, ao perceber algo que, mais a
frente, se tornaria decisivo para o andamento da trama, um nível de conexão
ímpar potencializado pela abordagem imersiva defendida por Chaganty. O mais
legal, entretanto, é a capacidade dele em explorar a face mais interativa\conectada
da internet. De clique em clique David avança pelas pistas com agilidade,
escancarando as múltiplas possibilidades oferecidas pelas principais
plataformas sociais. Em alguns momentos, inclusive, ele chega a operar em três
aplicativos simultaneamente, tudo para conseguir acelerar o processo na busca
por respostas. A cereja do bolo, porém, fica pela forma como o longa se baseia
em marcas e produtos em sua maioria reais. Indo de encontro a muitos filmes do
segmento, que, para baratear o custo de produção, decidem criar gadgets falsos,
Chaganty reforça a nossa identificação ao usar plataformas\sistemas
operacionais verdadeiros (Facebook, Tumbler, Gmail, FaceTime, Macbook, Windows
XP), estabelecendo assim um ambiente reconhecível aos olhos de qualquer um que
tenha usado um computador nos últimos dez anos. O único senão, na verdade, acontece
nos momentos em que Chaganty decide tirar o protagonista da sua casa. Disposto
a não romper com a experiência em primeira pessoa, o realizador até tentar introduzir
câmeras externas, mas, assim como nas sequências de Atividade Paranormal, as
soluções não soam tão convincentes. Uma minúscula sequela que, de maneira
alguma, reduz o impacto da obra.
Guiado pela sólida performance de
John Cho que, quando está em tela, traduz com intensidade o misto de
incredulidade, angústia, raiva e tristeza de um pai nesta situação, Buscando...
fascina ao explorar todas as possibilidades em torno de um caso de
desaparecimento sob uma perspectiva tensa, íntima e original. Inspirado em
títulos como Locke (2013) e Garota Exemplar (2014), principalmente quando o
assunto é o sensacionalismo e a insensibilidade geral diante das descobertas, Aneesh
Chaganty coloca o seu nome na lista de diretores com potencial ao entregar um
suspense que, tal qual o protagonista, reluta em aceitar os fatos, em seguir o
lugar comum. Um representante raro do gênero capaz de surpreender sem manipular
a nossa perspectiva, algo por si só bem difícil diante do grau de conexão entre
público e personagem estabelecido pela película.
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