terça-feira, 20 de novembro de 2018

Buscando...

O frescor da novidade

Poucos gêneros seguem reinventando tanto a narrativa cinematográfica quanto o Suspense\Horror. Isso é um fato. Graças a ousadia de alguns realizadores e a liberdade de criação proposta pelas produções de menor custo, ora e vez somos surpreendidos com obras capazes de revigorar o ‘status quo’ do segmento, de oferecer uma abordagem nova para uma história muitas vezes contada. Nas décadas de 1940\1950, por exemplo, o gênio Alfred Hitchcock mostrou que um filme poderia ser ambientado num só espaço e ainda assim ser genuinamente tenso com os preciosos Festim Diabólico (1948) e Janela Indiscreta (1954). Nos anos 1960, com a ascensão do cinema ‘indie’, figuras como Herk Havey e George A. Romero trouxeram o subtexto social para o universo do Horror com, respectivamente, os clássicos O Parque Macabro (1962) e A Noite dos Mortos Vivos (1968). Já nos anos 1990, quando nada de tão novo parecia surgir mais, o ‘cult’ A Bruxa de Blair (1998) ajudou a consagrar o formato ‘found footage’, reinventando a forma de se fazer cinema ao relembrar que com boas ideias e um orçamento mínimo era possível se produzir um grande ‘hit’ de público e crítica. O que fica bem claro com o mais novo representante desta lista, o enervante Buscando... (2018). Embora não seja o primeiro título a explorar as múltiplas telas do mundo virtual, Amizade Desfeita (2014), por exemplo, tomou a dianteira num thriller de horror cujo a ideia é melhor que a execução, o longa dirigido e roteirizado pelo promissor Aneesh Chaganty impacta ao aliar o conteúdo à fórmula, fazendo um primoroso uso do reconhecível ambiente da internet na construção de um suspense recheado de alternativas. 



Na verdade, o grande trunfo de Buscando... está no esmero do realizador em não só justificar as suas escolhas narrativas, mas também na preocupação em tirar do papel uma premissa instigante e insinuante. Um ‘plot’ que a rigor, numa análise superficial, nem soa tão inventivo assim. Na trama, seguimos os passos do zeloso David Kim (John Cho), um pai viúvo e superprotetor que, após o desaparecimento da sua querida filha, a retraída Margot (Michelle La), entra numa desesperadora procura ao perceber que as principais pistas do seu paradeiro poderiam estar nas redes sociais da jovem. Quando o assunto é o desenvolvimento da história em si, Aneesh Chaganty é inicialmente perspicaz ao estreitar o elo entre os personagens, ao permitir que o público crie uma sincera identificação com pai e filha. Logo na memorável cena de abertura, no melhor estilo Up: Altas Aventuras, o diretor é genial ao atrelar o crescimento da jovem e os dramas familiares dos dois ao desenvolvimento tecnológico, em especial dos sistemas operacionais e das redes sociais. Um recorte fluído e brilhantemente montado capaz de nos situar quanto aos fatos que cercaram as suas respectivas vidas. E isso sob a inventiva perspectiva dos usuários do computador, que, ao longo do filme, se torna a principal “janela” da história para o público.


Impecável ao estabelecer os conflitos de pai e filha, Aneesh Chaganty é igualmente habilidoso ao trazer o suspense (literalmente) para o centro da tela. Com dinamismo e pulso narrativo, David é alçado ao papel de interlocutor da história e, a partir dos seus cliques, gradativamente começamos a entender melhor o caso. Ao invés de simplesmente se concentrar no mistério em torno do paradeiro da jovem, o argumento é sutil ao descortiná-la perante o público, ao plantar uma série de dúvidas quanto a real identidade de Margot, os seus dilemas mais íntimos e as suas verdadeiras motivações. Sob o ponto de vista de um pai incrédulo obrigado a invadir a intimidade da sua filha em busca de respostas, Chaganty consegue testar as expectativas do público, plantar as suas pistas (falsas ou não) sem subestimar a nossa inteligência, nos dando a possibilidade de ter uma participação ativa dentro da história. Por mais que algumas destas “pegadinhas” sejam previsíveis, elas servem a contento ao ‘script’, principalmente por tirar o foco de algumas possibilidades que não deveriam ser descartadas tão facilmente. Ou seja, como se não bastasse a envolvente busca de respostas por parte do pai, as descobertas nem sempre levam ao caminho certo, o que só ajuda a alimentar a atmosfera de tensão proposta pelo imersivo longa. Outro ponto que agrada, e muito, é a capacidade de Chaganty em construir o senso de perigo da trama. À medida que a história avança, o argumento é inteligente ao nos colocar em dúvidas sobre a possibilidade de um desfecho positivo, ao sentir que a cada minuto as chances de encontrá-la viva se reduzem drasticamente. Uma abordagem realística que só eleva o nível do desconcertante último ato e do memorável clímax.


Embora Buscando... se revele um suspense redondo, daqueles sem grandes furos e\ou soluções mirabolantes, o que o diferencia da turma é, indiscutivelmente, a “janela” encontrada por Aneesh Chaganty para contar a sua história. Ao invés de simplesmente prender o seu protagonista na frente de um computador, o realizador esbanja originalidade ao sincronizar as telas do PC\Celular de David com a do público, criando uma experiência difícil de se descrever em palavras. Nós vemos o que ele vê, lemos o que ele lê, reagimos involuntariamente aos seus ‘insights’, as suas frustrações e expectativas. Em um ou dois momentos, inclusive, o diretor dá ao público a possibilidade de se antecipar ao personagem, ao perceber algo que, mais a frente, se tornaria decisivo para o andamento da trama, um nível de conexão ímpar potencializado pela abordagem imersiva defendida por Chaganty. O mais legal, entretanto, é a capacidade dele em explorar a face mais interativa\conectada da internet. De clique em clique David avança pelas pistas com agilidade, escancarando as múltiplas possibilidades oferecidas pelas principais plataformas sociais. Em alguns momentos, inclusive, ele chega a operar em três aplicativos simultaneamente, tudo para conseguir acelerar o processo na busca por respostas. A cereja do bolo, porém, fica pela forma como o longa se baseia em marcas e produtos em sua maioria reais. Indo de encontro a muitos filmes do segmento, que, para baratear o custo de produção, decidem criar gadgets falsos, Chaganty reforça a nossa identificação ao usar plataformas\sistemas operacionais verdadeiros (Facebook, Tumbler, Gmail, FaceTime, Macbook, Windows XP), estabelecendo assim um ambiente reconhecível aos olhos de qualquer um que tenha usado um computador nos últimos dez anos. O único senão, na verdade, acontece nos momentos em que Chaganty decide tirar o protagonista da sua casa. Disposto a não romper com a experiência em primeira pessoa, o realizador até tentar introduzir câmeras externas, mas, assim como nas sequências de Atividade Paranormal, as soluções não soam tão convincentes. Uma minúscula sequela que, de maneira alguma, reduz o impacto da obra.


Guiado pela sólida performance de John Cho que, quando está em tela, traduz com intensidade o misto de incredulidade, angústia, raiva e tristeza de um pai nesta situação, Buscando... fascina ao explorar todas as possibilidades em torno de um caso de desaparecimento sob uma perspectiva tensa, íntima e original. Inspirado em títulos como Locke (2013) e Garota Exemplar (2014), principalmente quando o assunto é o sensacionalismo e a insensibilidade geral diante das descobertas, Aneesh Chaganty coloca o seu nome na lista de diretores com potencial ao entregar um suspense que, tal qual o protagonista, reluta em aceitar os fatos, em seguir o lugar comum. Um representante raro do gênero capaz de surpreender sem manipular a nossa perspectiva, algo por si só bem difícil diante do grau de conexão entre público e personagem estabelecido pela película.

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