Um dos filmes mais originais do
ano chegou na Netflix. Com uma proposta ambiciosa, Prospect (Riqueza Tóxica no
Brasil) transita por inúmeros gêneros com energia, ousadia e muito estilo. Recebido
com entusiasmo no descolado festival South by Southwest (SXSW), o longa
dirigido pela promissora dupla Christopher Caldwell e Zeek Earl esbanja
criatividade ao misturar elementos reconhecíveis aos olhos do fã de cultura
pop, revigorando o universo das ‘space-operas’ numa produção pequena em tamanho,
mas gigante em sua proposta. Um filme visualmente poderoso e narrativamente
denso capaz de causar um misto de tensão e fascínio ao narrar as desventuras de
um ambicioso pai e a sua resiliente filha em um inóspito planeta inabitável.
Prospect é um daqueles projetos de difícil classificação quanto ao seu gênero. O que, aqui, merece ser tratado como um grande elogio. No papel, o corajoso longa de baixíssimo orçamento se assume como uma verdadeira ‘space-opera’, com direito a uma rica mitologia, uma primorosa construção de mundo, armas a laser, dialetos peculiares, trajes espaciais e muitos gadgets curiosos. Reduzir tudo a aventura no espaço, porém, é um erro. Ao longo das dinâmicas 1 h e 35 min de projeção, Christopher Caldwell e Zeek Earl não se intimidam em “invadir” este universo sob uma perspectiva nova e bem mais dramática, extraindo o máximo deste singular cenário espacial ao trazerem para a trama elementos do Western, dos Sci-Fi Distópicos e principalmente dos Thrillers de Sobrevivência. E isso a partir de uma premissa simples e naturalmente instigante. Em Prospect seguimos os passos de Damon (Jay Duplass) e Cee (Sophie Thatcher), pai e filha escavadores (uma espécie de mineradores do futuro) que passavam os seus dias em órbita à procura de um planeta que pudesse lhes dar a mina de ouro que tanto procuravam. Numa destas perigosas incursões, no entanto, eles cruzam o caminho do ameaçador Ezra (Pedro Pascal), um homem sem muito a perder disposto a encontrar uma maneira de deixar este lugar de uma vez por todas. Unidos por um objetivo em comum, deste encontro nasce uma improvável parceria em terreno hostil, uma relação marcada pela desconfiança e pela sensação de ameaça iminente.
Adaptação de um curta-metragem
homônimo escrito e dirigido pela própria dupla Christopher Caldwell e Zeek
Earl, Prospect é o tipo de obra que fisga as nossas atenções quase que
instantaneamente. Estamos diante de uma produção convidativa, esteticamente
impressionante e que não se apressa em apresentar os seus predicados. O que
fica bem claro, em especial, no primoroso primeiro ato. Tal qual um representante
digno do cinema indie, o argumento inicialmente opta por estabelecer a rotina
dos protagonistas, a distanciada relação entre Damon e Cee. Por mais que o design
de produção espacial vintage salte aos olhos logo de cara, a cápsula suja e
habitável da família remete ao clássico Alien: O Oitavo Passageiro (1979), a
dupla de realizadores acerta ao prezar pela riqueza de detalhes, ao estabelecer
os conflitos dos respectivos personagens, ao situá-los perante o público. Algo
que faz bem mais sentido dentro de um ambiente pequeno e imersivo. Em pouco
menos de quinze minutos conhecemos os seus motivos, compreendemos o que está em
jogo e somos convidados a tentar entender o futuro da humanidade neste cenário
distópico. Se por um lado o argumento é claro ao trabalhar os anseios de Damon
e Cee, por outro insinua mais do que explica ao não perder tanto tempo com explanações
óbvias acerca do contexto em que a trama está inserida. O fato é que, bastam os
primeiros minutos no bucólico e inabitável planeta, um lugar que remete
claramente a Terra, para percebemos que os humanos foram “expulsos” pela
própria natureza e pela mudança na atmosfera.
Uma visão inquietante
potencializada pela maneira apenas sugestiva com que Prospect passa pelo tema
em questão. Esqueça o didatismo e a obviedade. O grande trunfo do longa está na
maneira fluída e essencialmente visual com que Christopher Caldwell e Zeek Earl
estabelecem essa rica mitologia. Para uma obra de pouco mais de 90 minutos, a
riqueza de detalhes impressiona. Basta olharmos para a espécie de pólen que
permeia todo o ambiente externo, por exemplo, para percebermos o motivo pelo
qual os humanos não podem respirar. O que ajuda a explicar o filtro de ar, os
trajes característicos, a flora peculiar. Neste sentido, Prospect está muito
mais para Star Trek do que para Star Wars, principalmente pelo cuidado da dupla
de realizadores em explorar o ‘modus operandi’ dos personagens. E isso sem
nunca sacrificar o ritmo da película. Até porque outro dos predicados da trama
está na construção\desenvolvimento do elo entre os protagonistas. Num primeiro
momento, diante do impasse e da busca por uma mina de ouro, Caldwell e Earl
elevam o nível de tensão ao buscar na imprevisibilidade do Western a inspiração
para estabelecer o agente catalisador da obra. No melhor estilo Três Homens em
Conflito (1966), Cee, Damon e Ezra possuem um objetivo em comum, mas estão
longe de confiar uns nos outros. Um passo em falso e a frágil dinâmica pode
mudar. Fiel a lógica do faroeste, urgência e ameaça caminham de mãos dadas ao
longo do enervante segundo ato. Enquanto a corajosa adolescente surge como a
bussola moral da equação, os escavadores se revelam tipos bem mais ambíguos. Algo
que se torna decisivo dentro da metade final da trama. No momento em que eles
percebem o quão caro pode ser o preço da ambição, o longa passa a ganhar ares
de filme de sobrevivência. Sem querer revelar muito, o roteiro é perspicaz ao
nos fazer crer numa relação até então improvável. Nada soa forçado num cenário
em que algoz e vítima são separados por uma linha extremamente tênue. O que
fica bem claro, em especial, na dinâmica entre Cee e Ezra e na maneira com que
o argumento testa as nossas expectativas quanto ao destino da dupla num local
que não parece interessado em deixá-los “escapar”.
Uma dinâmica densa e complexa
valorizada pelas expressivas performances do reduzido elenco. A começar pelo
carismático Pedro Pascal, que, sem grandes dificuldades, absorve o charme e a
dubiedade do seu Ezra com desenvoltura. O mesmo, aliás, podemos dizer do
subestimado Jay Duplass, um rosto conhecido do cinema indie que, mais uma vez,
mostra a sua reconhecida introspecção ao traduzir a cegueira ambiciosa do seu
Damon. Por fim, longe de ser o elo mais frágil desta equação, a novata Sophie
Thatcher rouba a cena ao criar uma protagonista em posição vulnerável, mas
nunca passiva. Entre a frieza e a inocência, Cee é uma sobrevivente, uma jovem preparada
para agir. Melhor do que a atuação do trio, aliás, é dinâmica entre eles, muito
em função da habilidade dos diretores em solidificar o clima de desconfiança
que permeia a jornada de ambos na maior parte da trama. A cereja do bolo de Prospect,
enfim, fica pelo vistoso senso plástico da obra. Contrariando as expectativas
impostas pelas limitações orçamentárias, Christopher Caldwell e Zeek Earl entregam
uma ‘space opera’ com pedigree. Como se não bastasse o esmero na composição dos
objetos e trajes, a dupla nos brinda com uma produção visualmente imponente,
incrementada pela magnífica fotografia em tons de sépia de Earl. Mais do que
simplesmente criar um ambiente imersivo, o realizador faz questão de tornar
tudo o mais belo e texturizado possível, investindo num conjunto cênico de
fazer inveja a qualquer grande produção de Hollywood. Vide o agitado clímax
que, embora narrativamente derivativo, compensa ao mostrar os recursos da dupla
em criar competentes cenas de ação num cenário noturno.
Com uma mitologia própria e
muitas virtudes estéticas\narrativas, Prospect: Riqueza Tóxica deixa no fim um sentimento de surpresa. Uma sensação não só devido a qualidade do
material apresentado, mas principalmente pela ousadia do projeto. Sem temer as limitações
orçamentárias que, sendo bem sincero, em momento algum soam perceptíveis, Christopher
Caldwell e Zeek Earl entregam uma ‘space opera’ robusta e autoral, um daqueles filmes
capazes de mudar o rumo de uma carreira.
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23 comentários:
Fiquei muito bem impressionado. Um filme que conseguiu fugir de quase todos os "chavões" dos filmes do gênero. O filme inova em quase tudo, enredo, direção, efeitos. Um filme maravilhosamente inovador. Um exemplo para ser seguido.
Crítica ótima, filme ótimo. Não preciso acrescentar mais nada. Deu aqui uma alegria =)
Assino embaixo Sergio. Uma combinação de predicados impressionante. Nem parece um filme 'indie'. Valeu pelos comentários e também pelo elogio.
O filme é bom. Em nenhum momento ele chateia o cinéfilo. Contudo, ficam algumas pontas, que os filmes indie parecem insistir em deixar: personagens que não se autoexplicam, como aquela tribo que queria Cee de qualquer jeito. Para quê, exatamente? Reproduzir? Ser imolada em alguma cerimônia religiosa? Mas, deixa pra lá. Não me enjoou, como o filme de Sandra Bullock do silêncio. Então, valeu a pena.
O filme e ótimo, se eu não tivesse lido que foi produzindo com orçamento baixo não acreditaria, pois me traz uma fotografia incrível, ambientes limpos e transmite uma realidade bem próxima do nosso mundo mas deixa um ar de alienígena isso foi o que mais me impressionou, atuações incríveis que transportaram para dentro do filme, até me fez torcer pelo "vilão inicial". Crítica adorável... parabéns.
Tony, sinceramente, eu prefiro assim. Acho que os filmes hoje se explicam demais. A intenção você bem disse. Algo bem primal. Eu curti tanto essa abordagem mais "intuitiva", quanto o filme como um todo. Uma das grandes surpresas do ano e, como você bem disse, bem superior ao Bird Box. Valeu pela visita e pelo comentário.
Realmente, não parece que estamos diante de um filme de baixo orçamento. O diretor compensa as limitações com muita criatividade e efeitos visuais pontuais que impressionam. Gosto, principalmente, como ele dilui a linha que separa os protagonistas. Valeu pelo elogio e pelo comentário.
Corrige aí o "Alien: O Sétimo Passageiro". Esqueceu de contar o alien. :D
Valeu pela correção. Se bem que esse ai nem era bom contar mesmo. kkkkkk
Filme chato e arrastado, com diálogos secos e vazios.
Respeito a sua opinião, mas discordo. E muito. Acho que os quatro adjetivos usados passaram bem longe da minha impressão sobre o filme. Valeu pela visita e pelo comentário.
Como dito, houve um orçamento baixo, acho que isso prejudicou o filme. Achei um pouco cansativo, as cenas de ação não geraram empolgação e as cenas de desenvolvimento dos personagens deixaram a desejar, queria ter gostado como a maioria, mais ainda não exergo o destaque do filme.
Filme enfadonho, lento e com lacks de informação.
Acabei de assistir ao filme e confesso que fiquei intrigado... tanto que saí procurando por críticas ao mesmo.
Eu não fazia ideia do que se tratava e achei muito interessante a forma com que os fatos foram se apresentando.
Além da maneira de contar a história, a fotografia, a "música" de fundo (se é que se pode chamar assim) e certa sensibilidade contínua e subjacente me impressionaram... e até mesmo os detalhes que não foram contados: eles instigam a imaginação sobre várias coisas.
Então, sei lá... devo ter gostado mesmo! (Engraçado... essa dúvida...)
Esse tipo de impressão Christos diz muito sobre o filme. Costumo dizer que quando isso acontece é que a obra teve o seu valor. Tem longas que terminam com o subir dos créditos. Outros seguem te martelando. Esses sempre merecem elogios. Valeu pela visita.
Filme apenas ok. Nota 6. Se passasse no cinema, seria um grande fracasso. Boa diversão para um catálogo da Netflix, que tem filmes horrorosos!
Respeito a sua opinião, mas fracasso no cinema não quer dizer muita coisa. Medir a qualidade de um filme por quanto ele arrecada é um erro. Blade Runner foi um fiasco nas bilheterias e hoje é o que é. Riqueza Tóxica é um 'indie movie' que, penso eu, funcionaria muito bem na tela grande. Valeu pela visita.
É visualmente bem feito, mas não gostei do ritmo lento.
Estou atrasado no comentário, pois já tinha visto a anos atrás o curta que deu origem. Amei o curta!!!Fazer filme seja qual for o gênero e extremamente difícil. Tenta fazer um short film experimental?? Riqueza tóxica ou prospect já nasceu clássico. Os roteiristas americanos ainda são os melhores, pois soltam a imaginação, mesmo que desagrade. Eu respeito muito os realizadores, mesmos os que são considerados ruins. Obrigado
Não gostei do desenvolvimento dos personagens e foi mais lento do que deveria. É um bom filme pelo orçamento e tem uma bela fotografia. Infelizmente é rapidamente esquecível pra mim.
Ótima resenha!
Achei um filmaço. Uma obra-prima. Não é para todo mundo.
Primeira impressão.
Os módulos na lua verde são de muita pobreza, não há uma cena de lançamento, a cena de Cee na fuga do acampamento é um absurdo, nada crível e acima de tudo o espectador fica correndo atrás do filme, pois ele pouco se explica. Tem cheiro de “Cult”, mas, esses detalhes além de outros são importantes demais.
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