Como diria Adoniran Barbosa,
“saber envelhecer é uma arte”. Uma arte que, indiscutivelmente, Robert Redford
soube dominar como poucos. Sob os holofotes de Hollywood há cinco décadas, o
eclético octogenário construiu uma carreira singular, se tornando um dos mais
expressivos realizadores que o cinema já viu. Com títulos como Butch Cassidy
(1969), O Candidato (1972) Golpe de Mestre (1973) e O Grande Gatsby (1974) ele
se tornou um dos símbolos masculinos mais populares da sua geração. Um status
reforçado por ‘hits’ do porte de Todos os Homens do Presidente (1976), Um Homem
Fora de Série (1984) e Entre Dois Amores (1985). Redford se tornou sinônimo de
qualidade, de estilo, de refinamento. É difícil achar um filme ruim estrelado
por ele. Em especial quando ele resolveu assumir as rédeas das suas produções.
Seguindo os passos de nomes como Clint Eastwood, o ator virou também um
sensível diretor. Filmes como Gente como a Gente (1980), Nada É para Sempre
(1992), Quiz Show (1994) e O Encantador de Cavalos (1998) não me deixam mentir.
Não seria, portanto, a barreira
da idade que iria frear um nome deste quilate. Robert Redford se tornou um
veterano com fôlego de sobra para brilhar. Uma presença enérgica que seguiu
sendo vista em filmes como A Última Fortaleza (2001), Jogo de Espiões (2001),
Um Lugar para Recomeçar (2005), Sem Proteção (2012), Até o fim (2013). Esse
último uma verdadeira aula de atuação. Para a surpresa de todos, Redford, aos
78 anos, invadiu o cinema ‘blockbuster’ ao antagonizar um dos melhores títulos do
MCU, o aclamado Capitão América: O Soldado Invernal (2014). E depois voltou a
trabalhar com a Disney na sensível (e subestimada) versão ‘live-action’ de Meu
Amigo, O Dragão (2016). Toda jornada, porém, precisa ter um fim. E, caso seja
verdade (eu espero que não), Um Ladrão com Estilo seria um baita desfecho para
uma carreira tão singular. Vendido como o último filme de Robert Redford antes
da sua aposentadoria, o longa dirigido pelo talentoso David Lowery resgata o
símbolo masculino que o ator ajudou a criar num dos filmes mais charmosos dos
últimos anos. Inspirado numa inacreditável história real, Redford reflete sobre
o amor pela sua profissão sob a óptica de um assaltante de bancos septuagenário
que durante os anos 1970 e 1980 ficou conhecido por uma série de roubos e uma
dezena de fugas bem-sucedidas da prisão. Com uma textura genuinamente
setentista, Lowery esbanja delicadeza ao analisar a chama que movia esta
curiosa figura, criando um claro paralelo entre ator e biografado num retrato
ao mesmo tempo enérgico e melancólico.
Tendo como base o artigo da New
Yorker assinado por David Grann, The Old Man & The Gun (no original) dá a
Robert Redford a chance de se despedir de um dos seus arquétipos mais
populares, o do sedutor e polido fora da lei. Algo que ele faz com a sua usual maestria.
Impressiona, na verdade, perceber como o tempo foi generoso com o octogenário.
Por trás das feições envelhecidas existe um homem ainda muito forte, charmoso,
persuasivo. Um ator com muito carisma e presença cênica. A câmera segue
apaixonada por Redford. E David Lowery tem consciência disso. O show aqui é do
ator. Tudo parece estar ao seu serviço. Por mais que os predicados estéticos e
narrativos do longa saltem aos olhos, o realizador estende o seu tapete
vermelho para que o ator pudesse brilhar uma última vez. O que faz todo o
sentido. É legal perceber a sagacidade do roteiro em extrair da jornada do
criminoso um nítido paralelo com a trajetória desta estrela da Sétima Arte.
Embora em “ramos” distintos, a verdade de Forrest Tucker não era tão distinta
da verdade de Robert Redford. Ambos encontravam prazer na sua profissão. Ambos
eram movidos por ela. Ambos eram dependentes dela. Ambos eram gratos pelas
experiências causada por ela. Sem a intenção de entregar tudo de bandeja para o
público, o argumento também assinado por Lowery é perspicaz ao inicialmente se
concentrar na construção deste arquétipo intrépido. Estamos diante de um homem
que é mestre na sua arte. Parte da sua presença “sedutora” nasce disso. Do
misto de tranquilidade e alegria que Forrest imprimia em cada roubo. Assim como
o veterano ladrão, Redford parece estar verdadeiramente se divertindo em cena.
Como há muito tempo não vimos. Por trás da clara devoção dele ao seu personagem
existe alguém com a consciência tranquila, com a impressão de dever cumprido.
Alguém que só quer se divertir uma última vez, ou enquanto o tempo lhe
permitir.
À medida que a trama avança, no
entanto, Um Ladrão com Estilo torna as linhas desta jornada mais tênues ao
trazer elementos mais humanos para o tabuleiro. Nem só das aparências vive um
homem. Por trás do aparente desapego de Forrest existiam sentimentos mais
complexos. Existiam anseios que, devido a sua perigosa profissão, nunca foram
saciados. Um elemento potencializado a partir da exaurida perspectiva do policial
John Hunt (Casey Affleck). A partir do olhar cansado do detetive que assistimos
as brechas serem preenchidas. Por mais que, num primeiro momento, o contraste
entre os dois seja claro, aos poucos David Lowery é cuidadoso ao propor uma
bem-vinda inversão de valores. Na sua busca por respostas, Hunt esbarra em
dilemas espinhosos, em conflitos recorrentes na rotina de Forrest que
gradativamente mudam o tom da obra. Tal qual uma grande despedida, o sabor
agridoce toma conta da película à medida que entendemos melhor a figura do fora
da lei, que enxergamos o vazio, a falta de sentido, a relutância em se prender
a algo. Embora com um menor tempo de tela, a viúva interpretada pela marcante
Sissy Spacek surge para expor o outro lado da moeda. O preço cobrado por uma
vida de aventuras e perigos. Um viés melancólico que, obviamente, casa
brilhantemente com o clima de despedida de Robert Redford. Tal qual Forrest, o
ator prolongou a sua carreira ao máximo, extraiu o que de melhor ela tinha a
oferecer, mas a cada novo filme o fim parecia mais iminente. Resta então
saborear a despedida. E é justamente o que o oitentão melhor faz aqui. Além do
charme e do seu já elogiado ar persuasivo, Redford traduz com rara intensidade
os conflitos mais íntimos do seu Forrest, dando ao diretor a oportunidade de
tirar do papel uma pequena grande história de amor à sua arte.
Nem só de Robert Redford, porém,
vive The Old Man & The Gun. Como se não bastasse o fantástico elenco,
Elisabeth Moss, Danny Glover e Tom Waitts surgem como reforços de luxo, David
Lowery comprova porque é uma das vozes mais autênticas do cinema na atualidade
ao nos brindar com uma película visualmente particular. Influenciado pela
estética setentista, tal qual Quentin Tarantino o diretor capricha no
envelhecimento da película, investindo na granulação da imagem e num chamativo
design gráfico na tentativa de tornar tudo o mais imersivo. O que funciona
magnificamente. Além disso, a preciosa direção de arte\figurino e a nebulosa
fotografia do promissor Joe Anderson (O Holofote Não é Para Todos) serve
brilhantemente a estética 70’s e ajudam a resgatar\solidificar o arquétipo
“fora da lei” que Redford ajudou a consagrar. Uma despedida em grande forma, Um
Ladrão com Estilo causa um encantamento natural ao permitir que um dos gigantes
da Sétima Arte pudesse brilhar mais uma vez. Mesmo com uma premissa por si só
marcante em mãos, David Lowery esbanja originalidade ao enxergar um paralelo
entre protagonista e biografado, mostrando que em muitos casos é possível fugir
da prisão, fugir da polícia, mas não da aposentadoria.
Um comentário:
A despedida em grande estilo de Robert Redford.
Postar um comentário