Um demolidor de rótulos, Fora de
Série causa um encantamento natural (e praticamente instantâneo) ao se
apropriar das convenções de gênero dos filmes de formatura com extrema
autenticidade. Muito mais do que uma versão feminina de Superbad: É Hoje (2008),
o surpreendente longa dirigido por Olivia Wilde reflete sobre este tradicional
rito de passagem com um irreverente olhar feminino sobre o tema. Fazendo um
brilhante uso do elemento satírico, o exagero proposto pelo inteligentíssimo
roteiro assinado por Emily Halpern, Sarah Haskins, Susanna Fogel e Katie
Silberman só ajuda a potencializar os dilemas de duas estudiosas amigas que aos
45 minutos do segundo tempo descobrem que aproveitaram bem pouco do ensino
médio.
Com base nesta cativante premissa, Olivia Wilde é brilhante ao destruir um velho clichê em torno da figura do nerd obsessivo. Aquele(a) que, para alcançar a melhor universidade, mergulha nos livros e sacrifica todo e qualquer tipo de diversão. Existe tempo para tudo. Onde está escrito que o “galã da turma” não pode tirar boas notas? Ou que a “garota fácil” não pode ter planos tão audaciosos quanto os da “CDF”? Ou que o “atleta” tem que ser um estúpido? Fora de Série é sagaz ao desconstruir todos estes batidos arquétipos tão fomentados pelo segmento. E isso a partir da distorcida perspectiva das próprias protagonistas, a determinada Molly (Beanie Feldstein) e a tímida Amy (Kaitlyn Dever). Existe uma pretensa superioridade aqui. Por estarem colocando o futuro à frente do presente, elas se acham melhores, mais preparadas, mais dignas. Um mesmo objetivo, entretanto, pode ser alcançado de diversas formas. Wilde faz questão de frisar isso.
No momento em que esta verdade fica
clara, Fora de Série esbanja acidez ao desmontar as suas personagens, ao
invadir a intimidade delas, ao mostrar o quão erradas elas estavam. Elas eram
vítimas, mas também culpadas pelo seu isolamento. Além de se encantar pela
disfuncionalidade desta fase da vida, Olivia Wilde é categórica ao refletir
sobre a falta de diálogo, sobre a imaturidade, sobre o medo do que virar a seguir,
sobre sexo, sobre autoestima, sobre bullying. Temas aparentemente recorrentes
que, graças a veia absurda proposta pelo argumento, são abordados com
indiscutível particularidade. Por mais que o foco esteja obviamente no humor,
poucos filmes, aliás, me fizeram gargalhar tanto nos últimos anos quanto este,
a realizadora não confunde leveza com superficialidade. Quando necessário, o
longa se insurge perante rótulos e tabus com a devida propriedade, se revelando
assim uma comédia ao mesmo tempo densa e irreverente, irônica e afetuosa,
escapista e realista. Mais do que amigas, Molly e Amy são companheiras. Elas se
ajudam. Se aconselham. Suportam uma a outra. Estamos diante de um ‘womance’,
uma resposta honesta (e bem mais madura) ao ‘bromance’. A sequência em que uma
reage agressivamente a mentalidade autodepreciativa da outra é exemplar.
Passagens como estas seguem em falta em Hollywood.
Um honesto senso de sororidade,
primeiro, valorizado pelo expressivo elenco, em especial pela dupla Beanie
Feldstein e Kaitlyn Denver. Como se não bastasse a invejável química entre as
duas, as promissoras atrizes conseguem absorver o turbilhão de emoções e
conflitos das suas respectivas personagens com entusiasmo, reforçando a
qualidade\franqueza do texto em sequências ora ácidas e impagáveis, ora tenras
e intimistas. O ‘timing’ cômico delas é digno de nota. O que realça também o
espantoso domínio narrativo de Olivia Wilde enquanto diretora. No seu longa de
estreia, a reconhecida atriz esbanja estilo e dinamismo ao tirar do papel uma
comédia com identidade própria. Mesmo quando se rende aos clichês típicos do
formato, ela o faz com energia e originalidade, respeitando, acima de tudo, a
essência das protagonistas. Sem querer revelar muito, a sequência do mergulho
na piscina, por sinal, está entre as passagens mais bonitas que vi no cinema em
2019. Um trabalho capaz de se tornar um divisor de águas na carreira de Wilde.
Com muito a dizer sobre os
anseios da juventude atual, Fora de Série renega a toxicidade do gênero ‘high
school’ ao, por trás das memoráveis gags e do show de absurdos, enxergar a
verdade dos seus carismáticos personagens. Consciente de que ninguém merece ser
reduzido a um rótulo, Olivia Wilde mergulha nesta complexa fase da vida de
peito aberto, indo muito além da casca ao defender o efeito revelador que
algumas experiências podem ter na nossa formação.
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