segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Dez novos (e excelentes) Westerns que provam que este clássico gênero voltou aos holofotes


Um dos gêneros mais influentes do cinema norte-americano, o Western “dominou” a indústria durante as décadas de 1930 e 1970. Através de nomes como John Ford (No Tempo Das Diligências), Howard Hanks (Rio Vermelho), George Stevens (Os Brutos também Amam), Sam Peckinpah (Meu Ódio Será a sua Herança), Fred Zinnemann (Matar ou Morrer), Sergio Leone (Três Homens em Conflito) e John Sturges (Sete Homens e um Destino), as obras do segmento se tornaram recorrentes nas principais salas de cinema ao redor do mundo, seja na sua longeva face mais clássica, seja na sua crítica vertente revisionista. Com o avanço dos anos 1970, no entanto, os populares faroestes começaram a perder fôlego. O velho oeste passou a ser menos charmoso. As grandes metrópoles se tornaram um palco mais atraente. O cinema de ação como conhecemos hoje passou a ocupar esta lacuna com louvor, atendendo aos anseios plurais\urbanos do público com títulos como Bullitt (1968), Dirty Harry (1971), Operação França (1971), Os Implacáveis (1972), Desejo de Matar (1974). O que se deu nos anos seguintes foi um redimensionamento do faroeste. Outrora gigantescos, os filmes se tornaram menores e mais baratos. Um período inexpressivo que se prolongou até os anos 1990, quando, numa repentina mudança de rumo, o Western voltou a flertar com as glórias do passado. 


Ao longo de produtivos cinco anos vimos uma repentina explosão do gênero, que voltou aos holofotes com títulos do porte de De Volta para o Futuro 3 (1990), Dança com Lobos (1990), Os Imperdoáveis (1992), O Último dos Moicanos (1992), Tombstone (1993), Maverick (1994), Rápida e Mortal (1995). Não demorou muito, porém, para a poeira voltar a baixar, para o mercado se saturar. O nível das produções despencou, as boas ideias cessaram, o Western parecia de vez ter saído de moda. Isso, pelo menos, até o fértil ano de 2007. Numa repentina mudança de curso, três grandes filmes resgataram o ‘status’ mais crítico do gênero, caindo nas graças do público\crítica ao mostrar que o universo dos faroestes tinha muito a oferecer ao cinema moderno. Felizmente, desde então, o segmento se manteve em constante evidência, tendo pequenos (e criativos) ápices nos últimos dez, quinze anos. O que fica claro, em especial, no momento em que vemos a gigante do ‘streaming’ Netflix lançar uma obra como o excelente The Ballad of Buster Scruggs (leia a nossa crítica aqui), o mais novo Western dos irmãos Ethan e Joel Coen. No embalo da estreia deste elogiado longa, neste artigo decidi preparar uma lista com dez novos representantes do gênero (modernos ou não) que comprovam que o faroeste nunca esteve tão vivo. Uma seleção de altíssimo nível. 

- Os Indomáveis (2007)


Um dos filmes mais subestimados da última década, Os Indomáveis é uma obra intensa e impactante capaz de reunir todos os principais elementos de um grande faroeste. Com personagens cativantes, um elenco recheado de talentosos atores, um argumento inteligente e memoráveis sequências de ação, o remake dirigido por James Mangold causa um misto de sensações ao narrar a desventurada jornada de um pacato fazendeiro (Christian Bale) que, para não perder as suas terras, decide conduzir um perigoso fora da lei (Russel Crowe) até o trem que o levaria para a prisão. Embora não se faça de rogado ao reverenciar o viés mais clássico do gênero, o que fica claro no arco de bravura do protagonista e na comovente relação dele com o seu filho (Logan Lerman), Mangold é astuto ao abraçar as correntes mais revisionistas quando o assunto é a tridimensionalidade dos seus personagens. Impecável ao capturar o aspecto mais ambíguo do velho oeste, o realizador cria um antagonista multifacetado, um personagem vil, violento, mas capaz de causar\criar empatia por alguém. Sem nunca sacrificar as sequências de ação, que ocupam o seu devido espaço ao longo da trama, Mangold é cuidadoso ao valorizar o elemento dramático, ao se preocupar em desenvolver esta complexa relação de intimidade um fazendeiro justo e um fora da lei amoral, extraindo o máximo da dupla Crowe\Bale na composição de um ‘mise en scene’ ao mesmo tempo tenso e perigoso. Esqueça, aliás, o viés condescendente. Os passos em falsos são duramente castigados, o que só a ajuda a reforçar a sensação de vulnerabilidade em torno do obstinado protagonista. Impulsionado pela estupenda performance de Ben Foster (que ator subestimado), visceral na pele do braço direito do fora da lei, Os Indomáveis fascina ao conseguir modernizar este tradicional gênero sem renegar – por um segundo sequer – as suas raízes mais clássicas.

- O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford (2007)


Esqueça o viés glamourizado. Esqueçam os ícones. Esqueça a abordagem romântica que cercava os contos dos anti-heróis do velho oeste. Num retrato humano e elegante sobre uma das mais populares histórias reais deste período, O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford coloca os pingos nos is ao não escolher lados, ao não tratar os seus personagens como heróis e\ou vilões. Conduzido com maestria por Andrew Dominik, o longa testa as nossas expectativas ao ir de encontro ao seu próprio título, ao tentar entender a complexa relação entre uma das lendas do western e o seu infame algoz. Um ícone pop na época da sua morte, Jesse James é tratado aqui como um homem falho, receoso, acuado, que escondia no seu persuasivo charme uma crescente paranoia. Guiado pela soberba performance de Brad Pitt, magnífico ao desvendar o melhor e o pior de uma figura à beira de um ataque de nervos, o realizador é cuidadoso ao desconstruí-lo perante o público, ao realçar (em especial) a sua face mais instável e ameaçadora. Estamos diante de uma fera enjaulada, que não percebeu o seu tempo passar, um fora da lei sem ter em que confiar. Uma visão potencializada pelo olhar daquele que o descreve, o assumidamente reverente Robert Ford. Após crescer ouvindo\lendo os indomáveis feitos de James, o aspirante à pistoleiro surge como um jovem entusiasmado com a ideia de ser igual aquele que o inspirava. Uma relação fã\ídolo que ganha contornos perigosos uma vez que a realidade surge para contradizer a ficção. A partir do olhar frustrado de Ford, uma figura ardilosa dividida entre a admiração e a desilusão, o longa mostra propriedade ao justificar os atos dos seus personagens, ao alimentar dúvidas e certezas, ao se insurgir contra os rótulos previamente construídos. O medo, as dúvidas, a desconfiança são sentimentos brilhantemente trabalhados pelo argumento, surgindo como o agente catalisador de uma rixa marcada pela ambiguidade. Indo além da estupenda performance de Casey Afleck, o verdadeiro protagonista desta obra, Dominik é esperto ao não se seduzir somente pelo aspecto intimista da sua obra. Embora o filme se estique demais no último ato, o realizador é categórico ao capturar o clima de tensão do período, a sensação de ameaça iminente, preenchendo a trama com pontuais e memoráveis sequências de ação. Um predicado potencializado pela imersiva e ao mesmo tempo expansiva fotografia de época do fantástico Roger Deakins, genial ao valorizar a silhueta dos personagens, ao reforçar os símbolos em torno deles. Um relato denso e robusto sobre uma das grandes histórias do imaginário americano, O Assassinato de Jesse James é um faroeste de respeito, um filme precioso ao mesmo tempo visceral sobre o quão tênue pode ser a linha entre a expectativa e a realidade.

- Onde os Fracos Não têm Vez (2007)


Facilmente um dos meus filmes favoritos, Onde os Fracos Não tem Vez trouxe a ferocidade do velho oeste para os atuais centros urbanos numa obra cínica sobre a efemeridade da vida. Sob a estilosa batuta dos irmãos Ethan e Joel Coen, o longa presta uma modernizada reverência aos clássicos Westerns num retrato amoral sobre o crime organizado atual. Troque o roubo de cargas pelo tráfico de drogas. Troque os donos de ferrovias pelos carteis mexicanos. Numa história imprevisível do primeiro ao último minuto, os Coen’s constroem o seu agressivo círculo vicioso ao narrar a jornada de um homem comum (Josh Brolin) que, na hora errada, no local errado, decide roubar o dinheiro de uma transação mal resolvida. O que era para ser o grande golpe de sorte da sua vida, entretanto, logo se torna o seu pior pesadelo quando o dono da fortuna decide colocar o seu pior assassino (Javier Bardem) no rastro do dinheiro. Com uma premissa aparentemente simples em mãos, a dupla de realizadores instiga ao se preocupar em valorizar o fator humano em meio ao caos, em dedicar o tempo preciso para que possamos criar identificação (ou repulsa) com cada um dos personagens. Fazendo um brilhante uso da narrativa paralela, de um lado vemos este homem pacato tentando sobreviver num mundo ao qual não fazia parte. Do outro seguimos os soturnos passos de um frio chacal, um sociopata feroz que surge como a verdadeira representação da morte. Entre os dois está um veterano policial prestes a se aposentar (Tommy Lee Jones), um oficial respeitado sem a mínima noção do terreno em que está pisando. Impecável ao, inicialmente, estabelecer o ‘status quo’ de cada um dos seus personagens, Ethan e Joel Coen elevam o nível de tensão da obra em sua máxima potência no momento em que decidem destruir as expectativas do público. Esqueça tudo o que você aprendeu no gênero. Com a sua particular visão de mundo, a dupla brinca com os seus personagens como um felino diante de um acuado ratinho, preenchendo a trama com espetaculares sequências de ação e cenas de puro nervosismo. Sem querer revelar muito, chega numa fase do filme em que os diretores, numa sacada genial, sequer se sentem obrigados a mostrar o destino de algumas importantes peças do seu tabuleiro, acreditando puramente no poder da sugestão em cenas antológicas. Impulsionado pela assombrosa performance de Javier Bardem, a face desta distorcida crônica moral sobre a ganância nos grandes centros urbanos, Onde os Fracos Não tem Vez se revela uma experiência angustiante, uma obra empolgante e genuinamente tensa que por méritos inquestionáveis alcançou a consagração ao levar o Oscar de Melhor Filme. O mais justo e indiscutível desde então.

- Bravura Indômita (2010)


Tirar do papel um remake de uma clássica obra estrelada pela lenda do Western John Wayne era, por si só, uma missão ousada. Os irmãos Ethan e Joel Coen, entretanto, não queriam somente replicar o material fonte dentro de um contexto moderno. O que fica claro do primeiro ao último minuto de Bravura Indômita, um dos raros reboots capazes de superar a obra original. Investindo pesado na amoralidade dos personagens, na construção de um velho oeste sujo e ambíguo, a dupla de realizadores esbanja originalidade ao recontar a jornada de uma ingênua órfã que, sem ter a quem recorrer, decide contratar um ex-xerife beberrão para vingar a morte do seu pai. Com diálogos primorosos, uma particular construção de mundo, memoráveis atuações e impactantes sequências de ação, os Coen’s são enfáticos ao trabalhar a sensação de perigo iminente, ao nos fazer crer que a jornada da pequena Mattie não terá o que chamamos de um final feliz. Por mais que, à medida que a trama avança, a dupla comova ao estreitar os laços entre órfã e o seu “protetor”, um arco íntimo potencializado pelas brilhantes performances da então estreante Hailee Stenfield e o veterano Jeff Bridges, os contrastes ficam claros quando a violência toma conta da tela, reafirmando constantemente que um passo em falso poderia ser fatal. Com o seu afiado senso de humor e a sua assinatura reconhecidamente refinada, Ethan e Joel Coen investem numa história envolvente, um retrato singular sobre as relações de afeto num ambiente cruel e violento. Uma película grande capaz de reverenciar não só o Bravura original, mas também superá-lo.

- Django Livre (2012)


Uma epopeia moderna sobre o velho oeste, Django Livre troca os índios pelos escravos numa história de “libertação” cínica, feroz e inigualavelmente violenta. Inspirado no clássico anti-herói italiano vivido por Franco Nero, que surge numa esperta ponta no filme, Quentin Tarantino mostra a sua reconhecida agressividade numa releitura moderna e urbana. Com o carismático Jamie Foxx na pele de um vingativo escravo alforriado, o realizador tece um impiedoso comentário sobre os EUA pré-guerra de civil ao mostrar a ingrata realidade do negro numa desigual américa sulista. Numa empolgante história de redenção, Tarantino pinta a tela de vermelho numa obra grandiosa e esteticamente refinada, um filme com um herói empático, um divertidíssimo ‘sidekick’ (Cristoph Waltz), um antagonista odioso (Leonardo DiCaprio) e um segundo vilão magistral (Samuel L. Jackson). Uma obra que, embora reverencie os principais clássicos do gênero, consegue entregar uma experiência cinematográfica nova e revigorante.

- Oeste sem Lei (2015)


Uma das correntes mais marcantes do Western, o movimento revisionista ganhou forma na década de 1950 para colocar em cheque a maniqueísta versão glamourizada do gênero. Mais conectado com a realidade e o contexto histórico da época, títulos como Matar ou Morrer (1952), Os Brutos também Amam (1953) e Johnny Guitar (1954) ajudaram estabelecer esta nova visão, popularizada nos anos 1960 e 1970 em obras do porte de Os Sete Magníficos (1960), Meu Ódio será sua Herança (1969) e Butch Cassidy and the Sundance Kid (1969). Os indígenas deixaram de ser os vilões e passaram a ser as vítimas. Os caubóis fora da lei ganharam nuances mais íntimas e humanas. Os xerifes se tornaram tipos dúbios. A violência passou a ser questionada. A barreira entre protagonistas e antagonistas se tornou quase imperceptível. Uma visão que “sobreviveu”, até mesmo, a decadência do segmento, sendo revitalizada nas últimas duas décadas nas mãos de realizadores como Clint Eastwood (Os Imperdoáveis, Gran Torino), James Mangold (Os Indomáveis), Ethan e Joel Coen (Onde os Fracos Não Tem Vez, Bravura Indômita), Quentin Tarantino (Django Livre, Os Oito Odiados), Alejandro G. Iñarritu (O Regresso), Taylor Sheridan (A Qualquer Custo, Terra Selvagem). Uma baita lista que ganha um integrante de respeito com o singular Oeste sem Lei. Um daqueles ‘hits’ inadvertidamente lançados direto no ‘streaming’, o longa dirigido e roteirizado por John Maclean esbanja sarcasmo ao revisitar o velho oeste sob a perspectiva de um jovem e apaixonado estrangeiro. Com um roteiro irônico, personagens cativantes e uma história instigante, a película é astuta ao traduzir a vulnerabilidade individual numa terra sem lei, brincando com as expectativas do idealista protagonista (e consequentemente do público) ao tirar do papel um ‘road-movie’ incisivo e inesperadamente sentimental. No embalo das íntegras performances da dupla Kodi Smit-McPhee e Michael Fassbender, este último na pele de um caubói imagético e insinuante, Oeste sem Lei se revela uma obra surpreendente e acima de tudo corajosa. Com um texto refinado, personagens magnéticos e sequências estilosas, John Maclean revisita o clássico velho oeste com propriedade, refletindo, dentre outras coisas, sobre a formação cultural norte-americana ao expor a realidade do país neste período sob um romantizado e desmistificador olhar estrangeiro.

- O Regresso (2015)


Na contramão do seu aclamado último trabalho, o ácido e vibrante Birdman (ou A Inesperada Virtude da Ignorância), o celebrado Alejandro G. Iñarritu aposta numa abordagem contemplativa e absurdamente verossímil no angustiante O Regresso. No projeto mais ambicioso de sua carreira, além de usar (e abusar) das inventivas soluções estéticas, Iñarritu submeteu os seus comandados a um árduo processo de filmagens, os levando para adversas locações externas com a intenção de extrair o máximo de realismo deste cenário naturalmente hostil. Em meio as gélidas e expressivas paisagens, capturadas com brilhantismo pelas lentes de Emmanuel Lubezki, o diretor mexicano encontra na visceral atuação do astro Leonardo DiCaprio o misto de dor e fúria necessário para guiar esta dolorosa história de sobrevivência. Ainda que o preciosismo de Iñarritu possa incomodar em alguns momentos, principalmente nas lentas e excessivas sequências mais naturalistas, a película cumpre a sua missão ao mostrar o velho oeste americano sob um ponto de vista cru e impiedoso. Muito mais do que um 'western' de vingança, O Regresso é visceral ao investigar os limites da natureza humana diante de um cenário extremo e desolador. Ainda que o ritmo oscilante e as excessivas 2 h e 30 min de projeção se revelem um problema, Alejandro G. Iñarritu foge do lugar comum ao mostrar um evidente fascínio pela natureza dos seus personagens, contornando a inegável simplicidade da história ao narrar com frieza a jornada de um lendário caçador obrigado a “renascer” das cinzas para desafiar o homem (Tom Hardy) que tirou aquele que ele mais amava. Uma jornada suja e violenta em que a paz de espírito já não se revela mais o objetivo.



Voraz e incisivo, A Qualquer Custo coloca o dedo na ferida ao revelar a derrocada dos maiores símbolos americanos. Numa cartada de mestre, o diretor David Mackenzie escolhe um gênero reconhecidamente 'yankee', o popular Western, para construir uma áspera critica envolvendo o impacto da crise financeira no antigo "coração" dos EUA. Sob um prisma atual e extremamente melancólico, o realizador escocês mostra propriedade ao não só traduzir os efeitos do capitalismo predatório no interior da América, como também ao expor a faceta mais retrógrada desta região, indo além das expectativas ao propor um panorama que diz muito sobre atual cenário político norte-americano. Com um texto cínico e reflexivo em mãos, Mackenzie adota uma abordagem amoral ao narrar a jornada de dois irmãos que resolveram se insurgir contra o sistema, encontrando no meio do caminho as brechas necessárias para voltar a sua mira para temas espinhosos, entre eles o preconceito velado, a opressão das instituições financeiras e a banalização da violência. O resultado é uma obra completa, um filme tecnicamente impecável e socialmente implacável. No embalo das ágeis e realísticas sequências de ação, potencializadas pela calorosa fotografia naturalista de Giles Nuttgens, pela nervosa edição\montagem e pelos magnéticos riffs sintetizados da trilha sonora da dupla Nick Cave e Warren Ellis, A Qualquer Custo resgata alguns velhos arquétipos americanos ao construir um 'western' moderno, seco e envolvente. Em suma, David Mackenzie entrega um filme original, com personagens singulares e um texto crítico que tem muito a dizer sobre atual contexto sociopolítico norte-americano.

- Godless (2017)



Eu sei que o assunto aqui é cinema, mas eu preciso falar sobre esta preciosa minissérie. Godless é um acerto retumbante da Netflix. Uma obra densa e visualmente expansiva que consegue reverenciar as principais correntes do clássico western com uma refinada crueza. Com personagens tridimensionais, um ‘plot’ envolvente, um precioso 'background' feminino e uma inteligente narrativa não linear, a produção comandada por Scott Frank (O Vigia) cumpre todos os pré-requisitos que o gênero pede, presenteando os fãs com uma fotografia grandiosa dignas das obras de John Ford, com um antagonista complexo (Jeff Bridges, assombroso em cena) à altura dos vilões de Sergio e com sequências de ação explosivas que parecem homenagear a visceralidade questionadora de Sam Peckinpah. Embora o 'bad-ass' anti-herói vivido pelo carismático Jack O'Connell remeta claramente ao icônico Homem sem Nome do legendário Clint Eastwood, Frank é cuidadoso ao ir além dos arquétipos do gênero, construindo uma história com identidade própria, um forte senso de companheirismo e nuances sentimentais que só o formato episódico poderia ser capaz de abraçar. Ou então um filme de quase oito horas, o que seria naturalmente inviável. Evitando glamourizar a violência, as mortes têm peso e causam um desconforto no espectador, o realizador não se sente obrigado a preencher a trama com vazias sequências de ação. Em boa parte dos envolventes sete capítulos ele se preocupa em investigar o drama das protagonistas, um grupo de resilientes mulheres que, após um acidente numa mina matar a maior parte dos seus maridos, passam a ter que comandar a cidade sozinha, se protegendo contra invasores, oportunistas e os fora da lei. Com personagens como a temida Alice (Michelle Dockery), uma viúva enigmática que optou por morar distante da pequena cidade de La Belle; a destemida Mary Agnes (Merrit Weaver), uma hábil pistoleira que, na ausência masculina, decidiu tomar as rédeas da cidade e assumir um romance com a ex-prostituta local (Tess Frazer); o exibido Whitey (Thomas Brodie-Sangster), um órfão autoconfiante que insiste em representar a lei na cidade; e o xerife Dunn (Scoot McNairy), um oficial prestes a perder a visão que se torna a subestimada última linha de defesa do vilarejo, Godless nos brinda com subtramas intimistas, que se encontram num clímax digno dos melhores filmes do segmento. Por mais que o exagerado números de flashbacks se revele um dos poucos problemas narrativos da minissérie, Frank se oferece o bastante para que possamos nos identificar com os personagens, experimentar os seus sentimentos, medos e anseios, o que se torna um dos grandes trunfos desta produção. Enfim, mais do que reverenciar o passado do western, Godless empolga ao modernizar o segmento, enfatizando o protagonismo feminino (e a força do seu talentoso elenco) ao romper com o estigma da donzela indefesa de maneira gloriosa.



Uma espécie de western revisionista antibélico e feminino, Três Anúncios para um Crime contorna as suas falhas ao tratar o preconceito sob um prisma irônico e indiscutivelmente original. Numa opção ousada, o autoral diretor Martin McDonagh (Na Mira do Chefe) opta por se distanciar moderadamente da realidade ao abordar um tema tão espinhoso, utilizando o seu afiado senso de humor britânico na construção de uma crônica agressiva sobre uma América revanchista. Embora abuse da conveniência narrativa em alguns momentos, o realizador compensa ao usar a sua requentada história de vingança como um esperto ponto de partida para uma discussão mais ampla, uma visão peculiar sobre a estupidez humana diante da raiva, da injustiça e da ignorância. Um círculo vicioso potencializado pelas poderosas performances do trio Frances McDormand, Sam Rockwell e Woody Harrelson, magníficos ao absorver o cinismo do texto de McDonagh sem sacrificar o viés humano da película. Recheado de predicados técnicos, vide a iluminada fotografia em tons frios de Ben Davis (Doutor Estranho) e os nervosos riffs de piano de Carter Burwell (Bravura Indômita), Três Anúncios para um Crime usa a vingança como o ponto de partida para propor uma inteligente crítica contra a polarização que tomou conta de algumas das principais metrópoles do mundo. Embora centrado no coração da América, Martin McDonagh é astuto ao universalizar questões tão comuns, realçando os perigos da irracionalidade dualística ao aproximar os opostos e mostrar que o diálogo pode ser bem mais eficaz do que qualquer atitude radical. Até porque independente de lados, no final das contas, todo mundo quer ser ouvido e ser compreendido.

Menções Honrosas: Appaloosa (2008), O Atalho (2010), Os Infratores (2012), O Último Desafio (2013), Sete Homens e um Destino (2016), Lucky (2017), Terra Selvagem (2017).

Um comentário:

Unknown disse...

Para mim os melhores westerns sao os de Clint Easwood. Eu adoro o seu trabaho. Por certo o seu último filme é incrível. O filme superou as minhas expectativas, o ritmo da historia nos captura a todo o momento. Eu amo o diretor desde que eu assisti o 15h17 Trem para Paris. Eu recomendo. No elenco vemos personagens reais que fazem uma grande atuacao neste filme. Se alguém ainda não viu, eu recomendo amplamente, vocês vão gostar com certeza. Vale muito à pena, é um dos melhores do seu gênero. Além, tem pontos extras por ser uma historia criativa. Eu acho que vai gostar se você sao amantes do trabalho de Eastwood.