Mais uma peça minuciosamente
encaixada na engrenagem Marvel, Homem-Formiga e a Vespa sintetiza a meu ver o
melhor do MCU. Por mais que filmes eventos como Vingadores: Guerra Infinita
sigam sendo o carro chefe da companhia e o principal combustível para o ‘hype’
que tomou conta dos lançamentos do estúdio, são nestas obras menores, íntimas e
recheadas de detalhes que podemos perceber o misto de genialidade e perspicácia
em torno desta longeva saga. Com um atemporal viés lúdico, personagens muito
bem desenhados, um enérgico senso de urgência e magníficas sequências de ação,
o longa novamente dirigido por Peyton Reed esbanja habilidade ao dar relevância
a um super-herói subestimado, conseguindo, mesmo sem sacrificar a descomplicada
aura aventuresca do seu arco, transformá-lo num elemento chave para o futuro da
franquia. Um passo novamente ousado (e mais uma vez certeiro) capaz de
estabelecer o tão aguardado universo quântico com leveza, bom humor e um forte
senso de entretenimento.
Embora fique um degrau abaixo das
últimas grandes produções da Marvel Studios, Homem-Formiga e a Vespa encontra o
seu charme no aspecto micro, na perspicácia com que “abraça” uma trama
genuinamente familiar em meio ao caos dos “episódios” anteriores. Com base num
roteiro assinado a dez mãos, o que nem sempre é um bom sinal, Payton Reed atinge
as (moderadas) expectativas ao avançar algumas casas na construção do universo
deste “elástico” super-herói, tirando o máximo proveito das sequelas da Guerra
Civil ao finalmente trata-lo como parte de um todo. Enquanto o adorável
primeiro longa soava quase que como um respiro dentro do Universo
Cinematográfico da Marvel, a continuação está diretamente ligada ao arco
central da saga, preparando o terreno para algumas das possíveis soluções
envolvendo o ataque de Thanos e o destino dos Vingadores. E isso,
inteligentemente, sem precisar estar atrelada aos acontecimentos de Guerra
Infinita. Na verdade, a grande sacada do roteiro está na forma com que a ausência
de Scott Lang (Paul Rudd) no último capítulo é justificada, uma solução
simples, esperta e que comprova o esmero de Kevin Feige na construção deste
vasto universo.
Com uma história que acontece
paralelamente aos fatos apresentados em Guerra Infinita, Homem-Formiga e a
Vespa preza pelo dinamismo ao revelar a nova rotina de Scott, que, após expor o
seu alter-ego ao mundo no embate contra o time Homem de Ferro, se vê numa entediante
prisão domiciliar. Sozinho e sem o seu traje, ele optou por levar uma rotina
tranquila na sua casa, dedicando todo o tempo do mundo a sua querida filha
Cassie (Abby Ryder Fortson). Tudo
muda, no entanto, quando ele é “recrutado” pelos agora fugitivos Hank Pym
(Michael Douglas) e Hope Van Dyne (Evangeline Lilly) para ajudar no resgate da
mãe da sua amada, a vespa original Janet Van Dyne (Michelle Pfeiffer), presa há
trinta anos no mundo quântico. O que eles não esperavam, porém, é que uma nova
ameaça fosse cruzar o seu caminho, a misteriosa Fantasma (Hannah
John-Kamen), uma rival instável e agressiva vítima das antigas invenções do
velho Homem-Formiga. Numa corrida contra o tempo, Hank, Hope e Scott se unem
mais uma vez contra uma ameaça em comum, desafiando um grupo de insistentes
oponentes por uma chance de salvar Janet e (quem sabe¿) conhecer um pouco mais
sobre este complexo novo mundo.
Sem a intenção de perder muito
tempo com explicações científicas baratas, Payton Reed mostra uma bem-vinda
dose de despretensão ao se aprofundar neste psicodélico ambiente molecular sem
prejudicar o senso de aventura da obra. Embora não esteja preparado para dar
todas as repostas, que, obviamente, serão melhor exploradas posteriormente, o
argumento é espirituoso ao estabelecer algumas das possibilidades permitidas pelo
reino quântico, deixando algumas pistas soltas no ar enquanto se concentra na
delicada missão de resgate de Jannet. Viagem no tempo¿ Transferência de
consciência¿ Regeneração molecular¿ As alternativas são muitas. Na verdade, por
mais que parte das situações aqui introduzidas sejam claramente voltadas para o
futuro da saga, o mais legal é ver o esmero do realizador em torná-las parte
integrante desta continuação, da jornada de Scott, Hank e Hope rumo ao
desconhecido. O micro sempre serve ao macro, o que explica o senso de
completude desta sequência. Estamos diante de uma aventura irreverente com
começo, meio e fim. Quer dizer, pelo menos até a elucidativa primeira cena
pós-créditos.
É quando se concentra no mundo
real, entretanto, que Homem-Formiga e a Vespa se revela um entretenimento empolgante.
Fazendo novamente um brilhante uso das múltiplas escalas, Peyton Reed busca um
honesto diálogo com a face mais infantil do espectador, amplificando o aspecto
lúdico da obra ao se deliciar com as possibilidades geradas por este peculiar
super-herói. Com enorme fluidez e um fascinante senso de simultaneidade, o
diretor vai da miniatura ao gigantismo num ‘mise en scene’ enérgico e criativo,
prezando pelos detalhes ao tornar tudo o mais imersivo possível. Nas sequências
“minúsculas”, Reed é sagaz ao encher a tela de objetos comuns, explorando os
contrastes métricos com leveza e um indescritível senso de aventura. Já nas
cenas “maiúsculas”, ele capricha no CGI na construção de um herói genuinamente grande,
realçando o choque de escalas em takes imponentes e ambiciosos. E isso, verdade
seja dita, sem reduzir a importância dos impagáveis coadjuvantes nas cenas de
ação. Respeitando a fisicalidade dos personagens em seus múltiplos tamanhos,
Reed investe em sequências engenhosas, realçando o clima de corrida contra o
tempo ao tirar do papel ora frenéticas perseguições, ora vistosos embates
corporais. A maioria deles, diga-se de passagem, protagonizados pela ‘bad-ass’
Vespa, que, graças ao misto de carisma e entrega física de Evangeline Lilly,
voa pela tela em movimentos minuciosamente capturados pelas lentes de Reed. A
grande novidade desta continuação, porém, reside na “efêmera” figura da
Fantasma. Como se não bastasse o interessante ‘background’ da protagonista, que
funciona a contento dentro da proposta íntima\humana defendida pelo roteiro, a
sua exótica condição dá ao realizador a possibilidade de criar algo realmente
novo, uma antagonista ‘creep’ com um visual caótico\intangível digno de
elogios.
O grande trunfo de Homem-Formiga
e a Vespa, entretanto, está no cuidado de Peyton Reed em reforçar o elo entre
os seus personagens. Indo além do agradável clima de romance sugerido no
primeiro filme, o argumento é sutil ao valorizar a disfuncionalidade familiar, ao
nos fazer crer nos sentimentos defendidos pela sequência, extraindo o máximo do
carisma dos talentosos Michael Douglas, Paul Rudd e Evangeline Lilly na
construção de heróis humanos, com objetivos pessoais. Um arco cativante que
cresce harmoniosamente até o desenvolto clímax, em que ação, comédia e aventura
se encaixam com um impressionante dinamismo. Enfim, por mais que o ‘timing’
cômico não seja tão certeiro quanto no primeiro longa, o que não impede a
realização de sequências escandalosamente engraçadas (eu chorei de rir com a cena
do colégio), Homem-Formiga e a Vespa compensa ao entregar uma aventura com
coração, um filme que causa um fascínio lúdico ao explorar as fantásticas
possibilidades do mundo micro dentro do cada vez mais macro universo dos
super-heróis. Um viés nostálgico\escapista que, espertamente, busca se conectar
com o imaginário infantil do espectador, principalmente daqueles que cresceram
assistindo a obras como O Mundo em Perigo (1954), Viagem Insólita (1987), Querida,
Encolhi as Crianças (1989) e Querida, Estiquei o Bebê (1992).
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