quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Diretor de Roma e Gravidade, Alfonso Cuarón sai em defesa da Netflix e das novas plataformas de streaming

E ele tem total razão!


“Quantos cinemas exibiriam um filme mexicano e em preto e branco?”. Com essa simples, mas enfática declaração, Alfonso Cuarón levantou a sua bandeira em prol de empresas como a Netflix. Sob a chancela da gigante do streaming, o diretor mexicano tirou do papel do extraordinário Roma (leia a nossa crítica aqui), uma obra íntima e ao mesmo tempo gigantesca que dificilmente encontraria um grande estúdio para “abraça-la”. Embora entusiasta do dispositivo cinema, o que fica bem claro quando percebemos o escopo das suas obras, Cuarón não titubeou ao ser questionado por um jornalista na coletiva de imprensa pós-Globo de Ouro. Ao ser questionado sobre o futuro do modelo de distribuição tradicional diante da (para muitos perigosas) ascensão de companhias como a Netflix, o diretor foi enfático ao pregar a união entre as velhas e as novas “janelas” de exibição. “Qual seria o tamanho deste lançamento nas redes de cinema tradicionais? Estou tendo um lançamento muito maior, e o filme ainda está em circulação. Não foi um lançamento cosmético. O filme foi lançado há mais de um mês e ainda está em exibição. Isso é raro para um filme estrangeiro. Por que você não pega a lista de filmes estrangeiros deste ano e compara por quanto tempo eles estão sendo exibidos. Veja quantos deles estão sendo exibidos em 70mm. Veja se eles estão fazendo turnês de lançamentos. Acho que o debate entre Netflix, outras plataformas e o cinema tradicional deve acabar, deveriam se unir e chegar à conclusão de que estas discussões estão ferindo o cinema.” Veja o vídeo completo, legendado, no perfil do 365 Filmes.


De fato, graças aos pedidos do próprio Alfonso Cuarón e a exigência das grandes instituições cinematográficas para que um filme possa entrar na temporada de premiações, Roma também ganhou uma expressiva distribuição em salas de cinema ao redor do mundo. Um fato raro dentro do catálogo de originais Netflix. Para os mais puristas, inclusive, esse seria o melhor dos dois mundos. Para a companhia, porém, esse modelo não seria o mais sustentável. E muito em função do cada vez mais predatório modelo de distribuição dos grandes estúdios. Se nos EUA, o segundo país com o maior número de salas de cinema no mundo (só atrás da China), já está difícil para uma película de médio porte se sobressair, imagina em nações como o México e o próprio Brasil. Cuarón sabe disso, conhece bem essa realidade. Infelizmente, embora a experiência oferecida pelo dispositivo cinema seja inigualável, precisamos ser francos ao dizer que esta é cada vez mais para poucos filmes e também espectadores. Enquanto os imponentes blockbusters seguem lucrando alto, e por isso ganhando ainda mais espaço, os longas menores se viram obrigados a “lutar por migalhas”. Numa realidade em que as opções são poucas e o ingresso é caro, enquanto gêneros como o Horror encontraram uma esperta maneira para sobreviver, investindo em produções atraentes para o público e de baixíssimo orçamento, os então respeitados “filmes de autores” se viram reféns das grandes premiações para conseguir holofote. A grande maioria, no entanto, sequer ganha a chance de ser visto na tela grande. Neste contexto, empresas como a Netflix surgem como um “refúgio”. Antes esses filmes ou caiam no esquecimento, ou eram tardiamente reconhecidos no mercado ‘home-vídeo’. Hoje, com a ascensão do streaming, esses longas ganharam uma abrangente janela doméstica, o que, a meu ver, ajuda a explicar a retomada do cinema ‘indie’ e estrangeiro.

Martin Scorsese e Robert De Niro no set The Irishman, produção original Netflix
Para ter uma noção do que estou falando, nos últimos cinco dias assisti na Netflix quatro obras que eu nunca veria numa sala de cinema. Não por falta de interesse, mas de distribuição. São elas a competente dramédia francesa Sementes Podres, o denso drama islandês Inspire, Expire, o comovente documentário Desenterrando Sad Hill e também o afiado 78\52. Mais do que simplesmente investir em produções originais, a Netflix passou a “resgatar” esses filmes, a adquirir os direitos de títulos ao redor do mundo para preencher o seu catálogo. Por mais que a empresa as vezes invista errado, algo até compreensível diante da sua pressa em criar um setlist robusto, o fato é que o streaming abriu uma relevante janela para novas e plurais vozes, criando um mercado capaz de absorver todo o tipo de filme e “distribuí-los” de maneira democrática. Prova disso é que, após um compreensível período de resistência inicial, a Netflix passou a ser atrativa também para alguns expoentes e grandes diretores de Hollywood. O que fica bem claro, em especial, quando vemos nomes como os de Noah Baumbach (Os Meyerowitz), Ethan e Joel Coen (A Balada de BusterScruggs), Susanne Bier (Bird Box), Andy Serkis (Mowgli: Entre Dois Mundos), Alfonso Cuarón (Roma), Joon-ho Bong (Okja), David Mackenzie (Legítimo Rei) e (claro!) Martin Scorsese (The Irishman) encontrando na companhia o aporte financeiro necessário para tirar do papel as suas obras. E para, quem sabe, torna-las um sucesso de público. Gostem ou não, empresas como a Netflix, a Amazon Prime e as outras tantas empresas do gênero chegaram para ajudar, para dar espaço\relevância a obras antes descartadas. E, de forma alguma, um filme deixa de ser menos cinema por ter sido lançado numa janela menor. Como bem disse Cuarón, é hora de pregar a união, de valorizar o impacto que essas empresas têm em prol da distribuição cinematográfica. Só quem tem a ganhar somos nós fãs da Sétima Arte.

E já que o tema é a Netflix, confira abaixo os trailers de IO e Polar, duas das mais novas produções originais da companhia. 

- IO (Lançamento: 18 de Janeiro)


- Polar (Lançamento: 25 de Janeiro)

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