De fazer inveja a qualquer blockbuster
No papel, Aberrações acompanha os
passos da pequena Chloe (Kolker), uma garotinha afetuosa criada isolada do
mundo pelo seu pai superprotetor (Emilie Hirsch, de volta aos ótimos filmes). Mais
do que focar nos mistérios em torno da postura reclusa da figura paterna, Zack Lipovski
e Adam Stein esbanjam perspicácia ao, num primeiro momento, utilizar o contexto
para desenvolver os seus personagens, entender pouco a pouco as suas motivações.
A dupla é inteligente ao, a partir de medos reais, refletir sobre reconhecíveis
dilemas parentais na formação de uma criança. O mundo é um lugar naturalmente
ameaçador. Aqui, porém, a ameaça ganha um novo sentido diante da obsessão do
pai. O que lhe causava tanto medo? Alienígenas? Zumbis? Um vírus mortal? Ou
tudo não passa da criação de uma mente perturbada? Mesmo enquanto não oferecem respostas
definitivas, Zack Lipovski e Adam Stein conseguem alimentar a imaginação do
público. As pistas surgem para acrescentar e não para enganar. Aos poucos,
naturalmente, a verdadeira natureza da obra é exposta. E Freaks (no original)
só cresce com isso.
No momento em que se “liberta” do cenário central, a dupla consegue não só potencializar o drama da protagonista, como também desenvolver com maestria os desdobramentos das suas descobertas. O dúbio vendedor de sorvetes vivido por um inesgotável Bruce Dern ajuda a escancarar os questionamentos em torno da vulnerabilidade infantil. O roteiro redimensiona o conceito de perigo ao focar na ameaça que vem de dentro. Embora não seja uma abordagem nova, Aberrações surpreende ao usar a virada narrativa em prol do estudo sobre a natureza infantil. Exposta e confusa, Chloe é obrigada a enxergar a verdade, a criar uma casca, a reagir. Nas entrelinhas, os cineastas catalisam a precoce jornada de amadurecimento da garotinha ao falar sobre preconceito, sobre segregação, sobre desigualdade. E isso sem nunca sacrificar a ação. Sem querer revelar muito, além de bem estabelecidos, os segredos em torno da protagonista são explorados com entusiasmo ao longo da segunda metade da obra.
Os diretores Zack Lipovski e Adam Stein potencializam a tensão\frisson à medida que percebemos a real posição de Chloe. Os efeitos visuais são dignos de nota. A direção de arte capricha ao traduzir o seu deslocamento. O argumento amarra o clímax com soluções inteligentes. A dupla de diretores conduz tudo com muito pulso e estilo. Por mais que, na transição para o clímax, o longa flerte com as conveniências narrativas em pequenos (grandes!) momentos, Aberrações impacta ao se apropriar de elementos já explorados dentro do cinemão comercial num contexto muito próprio. O frescor ‘indie’ torna tudo mais empolgante, virtuoso e especial. Uma obra de fazer inveja a filmes de centenas de milhões de dólares.
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