quarta-feira, 27 de junho de 2018

Em Busca de Justiça

Uma releitura esforçada do clássico Era uma Vez no Oeste

Um dos gêneros mais clássicos do cinema norte-americano, o Western aos poucos começa a ser redescoberto por Hollywood. Seja por inventivos remakes, entre eles Os Indomáveis (2007), Bravura Indômita (2010), Django Livre (2012) e Sete Homens e um Destino (2016), seja por revisões modernas, como os extraordinários Onde os Fracos Não têm Vez (2007), O Regresso (2015) A Qualquer Custo (2016) e Terra Selvagem (2017), o segmento vem ganhando vida nova, uma bem-vinda volta por cima após uma longa entressafra. Uma espécie de “primo pobre” dos títulos citados acima, Em Busca de Justiça (Jane Got a Gun, no original) arrisca ao propor uma releitura moderna e não intencional do épico Era uma Vez no Oeste (1968). Sob uma perspectiva atual, a película dirigida por Gavin O’Connor (Guerreiro) se esforça na tentativa de dar uma roupagem feminina a um dos arcos mais tradicionais do gênero. Com um super elenco em mãos e uma fotografia digna dos melhores exemplares do faroeste, o realizador realça a atmosfera de tensão ao investir no mistério em torno do trio de protagonistas, flertando com elementos genuínos ao valorizar o pano de fundo passional. O’Connor, entretanto, está longe da maestria do virtuoso Sergio Leone, o que fica bem claro quando assunto é a montagem, o desenvolvimento da trama e a decepcionante construção do promissor vilão, uma peça chave em dez entre dez sucessos do gênero. 



Com roteiro assinado por Brian Duffield, Anthony Tambakis e pelo também ator Joel Edgerton, Em Busca de Justiça (que título nacional genérico) acerta ao revigorar o arco da “donzela” em busca de vingança\ajuda. Tal qual o recente Bravura Indômita, Gavin O’Connor é astuto ao modernizar a figura da protagonista, tornando a sua Jane (Natalie Portman) uma mulher independente capaz de se defender sozinha num território sem lei. Logo nas primeiras cenas, o realizador capricha ao reforçar a sua aura ‘badass’, ao ressaltar a sua imponência através do figurino, dos estilosos enquadramentos e da enérgica presença de Portman. Longe de ficar à mercê da presença masculina, Jane é pega de surpresa quando o seu marido, o fora de lei Bill Hammond (Noah Emmerich), volta para casa ferido e caçado pelo temido bando dos irmãos Bishop. Consciente do perigo que a esperava, ela decide contratar um pistoleiro, o caótico Dan Frost (Edgerton), um homem com passado nebuloso que já havia conquistado o seu coração previamente. Com o suporte necessário para encarar o algoz do seu marido, Jane terá que enfrentar também os seus mais íntimos fantasmas, principalmente quando ele decide aproveitar a situação para buscar a verdade por trás de um doloroso rompimento.


Questionar a aparente falta originalidade de Em Busca da Justiça, a meu ver, é um tanto quanto injusto. Num gênero que, na sua fase mais áurea, ficou conhecido por reciclar velhas fórmulas, Gavin O’Connor é preciso ao buscar referência nos melhores do gênero. A rigor, por mais que o plot em si preste uma nítida homenagem ao clássico Era uma Vez no Oeste, o argumento está também “umbilicalmente” ligado a hits do porte de Os Brutos Também Amam, Rastros de Ódios, Bravura Indômita, Os Imperdoáveis e o recente Django Livre. Um primo distante, mas que faz parte da turma. E isso é um baita elogio. Seguindo a estrutura dos títulos citados acima, temos um vilão opressor, uma família exposta à tirania, uma vingança pessoal e (claro!) um pistoleiro introspectivo capaz de desafiar o ‘status quo’. Joel Edgerton, aliás, adiciona mais uma pesada performance à sua rica filmografia na pele do comedido Dan. Neste sentido, a novidade aqu, está no refrescante subtexto feminino proposto por O’Connor. Numa releitura moderna, o longa é habilidoso ao romper com o rótulo da donzela indefesa, ao trazer para o centro da trama um envolvente pano de fundo sentimental. A sua Jane pertence ao cenário proposto. Está preparada para enfrentar a aridez, a desigualdade, o desdém masculino sem perder a sua feminilidade. Como de costume na sua carreira, Natalie Portman comove ao interiorizar as nuances da sua personagem, ao entregar uma figura reativa, valente, mas vulnerável. Uma mulher com os seus próprios fantasmas. Ao longo do tenso primeiro ato, O’Connor é cuidadoso ao construir a complexa protagonista, a sua nebulosa relação com Bill e Dan, permitindo que o público crie uma instantânea conexão com esta destemida figura materna.

Com o avançar da trama, entretanto, Gavin O’Connor esbarra num roteiro claudicante. Na ânsia de expor os segredos em torno do elo entre os três protagonistas, o realizador subaproveita a intensidade do seu expressivo elenco ao investir em deslocados flashbacks. Unidos por uma desritmada montagem, o longa peca ao nos distanciar desastradamente do arco central durante o irregular segundo ato, da crescente ameaça que os cerca, perdendo um tempo precioso com sequências didáticas e sentimentalistas. Ao contrário do gigante Sergio Leone, que, em Era um Vez do Oeste, transformou o recurso flashback no estopim necessário para a construção do catártico clímax, O’Connor parece não confiar na força do texto, das competentes interpretações, reduzindo o impacto do terço final ao entregar tudo exageradamente mastigado. O que, diga-se de passagem, se torna um grande pecado, já que algumas das melhores sequências do filme são as que colocam Bill, Dan e Jane frente a frente para um “acerto de contas” direto e emotivo. Um predicado potencializado pela vigorosa fotografia de Mandy Walker, imponente tanto nas grandiosas e alaranjadas cenas diurnas, tanto nos intimistas e azulados takes noturnos. E que belo uso do recurso do contra-luz!


O grande problema de Em Busca de Justiça, porém, está na qualidade do texto, principalmente quando o assunto é o raso vilão interpretado por Ewan McGregor. Apesar do esforço do versátil ator, Gavin O’Connor entrega um antagonista genérico, um personagem que parece enfraquecer à medida que ganha tempo de tela. Mais uma vítima do exagerado número de flashbacks. Num todo, aliás, apesar da caprichada fotografia fazer a diferença, o realizador não entrega o seu melhor trabalho quando o assunto são as cenas de ação. Por mais que o claustrofóbico clímax funcione bem, os efeitos sonoros e a escuridão ajudam a potencializar esta sensação, O’Connor vacila ao dispensar a tensão dos duelos cara a cara, se distanciando das origens do gênero ao - na hora H - tornar tudo muito impessoal. Ao tratar o inimigo como uma ameaça invisível. Uma opção original, nervosa e imprevisível, mas que parece funcionar melhor no cinema de ação. Na verdade, aqui, o tradicional já bastaria, o que pode incomodar os fãs mais puristas do segmento. É bom ressaltar, entretanto, que O’Connor assumiu a direção da película aos 45 minutos do segundo tempo, substituindo a talentosa diretora Lynne Ramsay, o que talvez explique alguns dos problemas citados acima.


Embora "afrouxe as suas rédeas" no trecho final, vide o condescendente desfecho, Em Busca de Justiça contorna as suas falhas de roteiro e montagem ao preencher a maior parte dos pré-requisitos do gênero. Com o brasileiro Rodrigo Santoro roubando a cena num personagem impactante que merecia um maior tempo de tela, o longa arranca elogios pelo esforço ao resgatar um dos arcos mais clássicos do Western, encontrando na força de Natalie Portman e do gabaritado elenco os ingredientes necessários para construir uma sólida história de vingança. É no esforço do competente Gavin O’Connor em referendar os clássicos, entretanto, que percebemos o quão raras são obras do quilate de Era Uma Vez No Oeste. Incomparáveis!

Nenhum comentário: