Um dos gêneros mais clássicos do
cinema norte-americano, o Western aos poucos começa a ser redescoberto por
Hollywood. Seja por inventivos remakes, entre eles Os Indomáveis (2007),
Bravura Indômita (2010), Django Livre (2012) e Sete Homens e um Destino (2016),
seja por revisões modernas, como os extraordinários Onde os Fracos Não têm Vez
(2007), O Regresso (2015) A Qualquer Custo (2016) e Terra Selvagem (2017), o
segmento vem ganhando vida nova, uma bem-vinda volta por cima após uma longa
entressafra. Uma espécie de “primo pobre” dos títulos citados acima, Em Busca
de Justiça (Jane Got a Gun, no original) arrisca ao propor uma releitura
moderna e não intencional do épico Era uma Vez no Oeste (1968). Sob uma
perspectiva atual, a película dirigida por Gavin O’Connor (Guerreiro) se
esforça na tentativa de dar uma roupagem feminina a um dos arcos mais
tradicionais do gênero. Com um super elenco em mãos e uma fotografia digna dos
melhores exemplares do faroeste, o realizador realça a atmosfera de tensão ao
investir no mistério em torno do trio de protagonistas, flertando com elementos
genuínos ao valorizar o pano de fundo passional. O’Connor, entretanto, está
longe da maestria do virtuoso Sergio Leone, o que fica bem claro quando assunto
é a montagem, o desenvolvimento da trama e a decepcionante construção do
promissor vilão, uma peça chave em dez entre dez sucessos do gênero.
Com roteiro
assinado por Brian Duffield, Anthony Tambakis e pelo também ator Joel
Edgerton, Em Busca de Justiça (que título nacional genérico) acerta ao
revigorar o arco da “donzela” em busca de vingança\ajuda. Tal qual o recente
Bravura Indômita, Gavin O’Connor é astuto ao modernizar a figura da
protagonista, tornando a sua Jane (Natalie Portman) uma mulher independente
capaz de se defender sozinha num território sem lei. Logo nas primeiras cenas,
o realizador capricha ao reforçar a sua aura ‘badass’, ao ressaltar a sua
imponência através do figurino, dos estilosos enquadramentos e da enérgica
presença de Portman. Longe de ficar à mercê da presença masculina, Jane é pega
de surpresa quando o seu marido, o fora de lei Bill Hammond (Noah
Emmerich), volta para casa ferido e
caçado pelo temido bando dos irmãos Bishop. Consciente do perigo que a
esperava, ela decide contratar um pistoleiro, o caótico Dan Frost (Edgerton),
um homem com passado nebuloso que já havia conquistado o seu coração
previamente. Com o suporte necessário para encarar o algoz do seu marido, Jane
terá que enfrentar também os seus mais íntimos fantasmas, principalmente quando
ele decide aproveitar a situação para buscar a verdade por trás de um doloroso
rompimento.
Questionar a aparente falta originalidade de
Em Busca da Justiça, a meu ver, é um tanto quanto injusto. Num gênero que, na
sua fase mais áurea, ficou conhecido por reciclar velhas fórmulas, Gavin
O’Connor é preciso ao buscar referência nos melhores do gênero. A rigor, por
mais que o plot em si preste uma nítida homenagem ao clássico Era uma Vez no
Oeste, o argumento está também “umbilicalmente” ligado a hits do porte de Os
Brutos Também Amam, Rastros de Ódios, Bravura Indômita, Os Imperdoáveis e o
recente Django Livre. Um primo distante, mas que faz parte da turma. E isso é
um baita elogio. Seguindo a estrutura dos títulos citados acima, temos um vilão
opressor, uma família exposta à tirania, uma vingança pessoal e (claro!) um
pistoleiro introspectivo capaz de desafiar o ‘status quo’. Joel Edgerton,
aliás, adiciona mais uma pesada performance à sua rica filmografia na pele do
comedido Dan. Neste sentido, a novidade aqu, está no refrescante subtexto
feminino proposto por O’Connor. Numa releitura moderna, o longa é habilidoso ao
romper com o rótulo da donzela indefesa, ao trazer para o centro da trama um
envolvente pano de fundo sentimental. A sua Jane pertence ao cenário proposto.
Está preparada para enfrentar a aridez, a desigualdade, o desdém masculino sem
perder a sua feminilidade. Como de costume na sua carreira, Natalie Portman
comove ao interiorizar as nuances da sua personagem, ao entregar uma figura
reativa, valente, mas vulnerável. Uma mulher com os seus próprios fantasmas. Ao
longo do tenso primeiro ato, O’Connor é cuidadoso ao construir a complexa
protagonista, a sua nebulosa relação com Bill e Dan, permitindo que o público
crie uma instantânea conexão com esta destemida figura materna.
Com o avançar da trama, entretanto, Gavin
O’Connor esbarra num roteiro claudicante. Na ânsia de expor os segredos em
torno do elo entre os três protagonistas, o realizador subaproveita a
intensidade do seu expressivo elenco ao investir em deslocados flashbacks.
Unidos por uma desritmada montagem, o longa peca ao nos distanciar
desastradamente do arco central durante o irregular segundo ato, da crescente
ameaça que os cerca, perdendo um tempo precioso com sequências didáticas e
sentimentalistas. Ao contrário do gigante Sergio Leone, que, em Era um Vez do
Oeste, transformou o recurso flashback no estopim necessário para a construção
do catártico clímax, O’Connor parece não confiar na força do texto, das
competentes interpretações, reduzindo o impacto do terço final ao entregar tudo
exageradamente mastigado. O que, diga-se de passagem, se torna um grande
pecado, já que algumas das melhores sequências do filme são as que colocam
Bill, Dan e Jane frente a frente para um “acerto de contas” direto e emotivo. Um
predicado potencializado pela vigorosa fotografia de Mandy Walker,
imponente tanto nas grandiosas e alaranjadas cenas diurnas, tanto nos
intimistas e azulados takes noturnos. E que belo uso do recurso do contra-luz!
O grande
problema de Em Busca de Justiça, porém, está na qualidade do texto,
principalmente quando o assunto é o raso vilão interpretado por Ewan McGregor.
Apesar do esforço do versátil ator, Gavin O’Connor entrega um antagonista
genérico, um personagem que parece enfraquecer à medida que ganha tempo de
tela. Mais uma vítima do exagerado número de flashbacks. Num todo, aliás,
apesar da caprichada fotografia fazer a diferença, o realizador não entrega o
seu melhor trabalho quando o assunto são as cenas de ação. Por mais que o
claustrofóbico clímax funcione bem, os efeitos sonoros e a escuridão ajudam a
potencializar esta sensação, O’Connor vacila ao dispensar a tensão dos duelos
cara a cara, se distanciando das origens do gênero ao - na hora H - tornar tudo
muito impessoal. Ao tratar o inimigo como uma ameaça invisível. Uma opção
original, nervosa e imprevisível, mas que parece funcionar melhor no cinema de
ação. Na verdade, aqui, o tradicional já bastaria, o que pode incomodar os fãs
mais puristas do segmento. É bom ressaltar, entretanto, que O’Connor assumiu a
direção da película aos 45 minutos do segundo tempo, substituindo a talentosa
diretora Lynne Ramsay, o que talvez explique alguns dos problemas citados
acima.
Embora "afrouxe as suas rédeas" no trecho final, vide o condescendente desfecho, Em Busca de Justiça contorna as suas
falhas de roteiro e montagem ao preencher a maior parte dos pré-requisitos do
gênero. Com o brasileiro Rodrigo Santoro roubando a cena num personagem impactante
que merecia um maior tempo de tela, o longa arranca elogios pelo esforço ao
resgatar um dos arcos mais clássicos do Western, encontrando na força de Natalie
Portman e do gabaritado elenco os ingredientes necessários para construir uma
sólida história de vingança. É no esforço do competente Gavin O’Connor em
referendar os clássicos, entretanto, que percebemos o quão raras são obras do
quilate de Era Uma Vez No Oeste. Incomparáveis!
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