Logo na sua desconcertante
primeira cena, O Ódio Que Você Semeia é incisivo ao jogar na cara do público
uma realidade cruel e injusta. Nela um pai de família negro, numa reunião com
ares corriqueiros, ensina os seus filhos a se portar caso se depare com uma
“batida” policial. A lição não é dada com serenidade. Não! A polícia, aos olhos
daquele homem, não simbolizava proteção. Longe disso. Era mais uma ameaça
imposta pela desigualdade e pelo racismo. Consciente da urgência temática da
sua obra, o diretor George Tillman Jr. (Homens de Honra) é veemente ao refletir
sobre a violência policial contra inocentes nos EUA sob uma perspectiva dura,
trágica e agressiva. Impecável ao revelar a seletividade do Estado no que diz
respeito a construção do estereótipo de possível ameaça, o realizador causa um
misto de raiva e tristeza ao narrar a jornada de uma jovem dedicada e educada
que desde cedo se acostumou a viver a segregação do nosso dia a dia.
Criada num
bairro pobre de uma grande metrópole, a obstinada Starr (vivida com energia por uma iluminada Amandla Stenberg, a pequena Rae de Jogos Vorazes) se
torna mais uma estatística aos olhos do Estado ao sobreviver a uma desastrada
batida policial. No olho de um verdadeiro furacão após perder o seu querido
amigo Khalil (Algee Smith), ela vê a sua então equilibrada rotina ganhar um
novo rumo quando passa a assumir o papel da mais nova jovem vítima de um
sistema racista. Embora existam muitos filmes sobre o assunto em questão, Tillman
Jr. adiciona elementos mais universais à discussão ao expor o impacto da
violência policial numa família funcional, com raízes sólidas e uma realística
visão sobre o mundo que os cercavam. O que fica bem claro, por exemplo, quando
o assunto é a forte figura paterna vivida com intensidade por Russel Hornsby,
um personagem integro e com muito a dizer sobre uma realidade que insiste em
não mudar.
Sem a intenção de contemporizar,
o diretor é igualmente contundente ao apontar a sua mira para o racismo policial,
para a rotina de indignidades impostas a muitos apenas pela cor da sua pele.
Com um texto sólido e sem floreios, George Tillman Jr. segue uma linha mais reativa
(Malcom X é seguidamente lembrado pelo longa) ao desafiar o seu público, ao questionar
a inércia coletiva, escancarando o quão cruel e hostil é o tratamento conferido
pelas forças policiais às minorias em território norte-americano. Através de
sequências fortíssimas, a ebulição social dentro do último ato soa bem
realística, o longa impacta ao reproduzir em alta definição situações frequentemente
exibidas em telejornais. Tudo aqui é muito reconhecível. Seja nos EUA, seja no
Brasil.
A cereja no bolo de O Ódio Que Você Semeia, no entanto, é a maneira com
que o argumento invade a peculiar realidade de Starr, uma jovem que, para ter
uma perspectiva de futuro melhor, se viu obrigada a estudar numa escola
particular e (obviamente) de ampla maioria branca. Como se não bastasse o
estrago causado pela tragédia, George Tillman Jr. amplia o escopo da trama ao
dar contornos auto afirmativos a jornada de uma jovem mulher negra,
escancarando o estrago também causado pelo preconceito velado à medida que
Starr decide contrariar aquilo que se esperava dela naquele ambiente. Ela
precisava ser uma no seu marginalizado bairro e outra no requintado ambiente
escolar. Um passo em falso e toda a imagem da garota instruída poderia ruir. Um
estudo de personagem intimista conduzido com muita delicadeza pelo roteiro. Por
mais que, narrativamente, o universo da “elite” se revele mais pasteurizado que
o ideal, os personagens brancos são em sua maioria subaproveitados pelo
roteiro, o diretor compensa ao traduzir os obstáculos impostos a ela com
sofisticação, fazendo, em especial, um interessante uso da palheta de cores ao criar
uma ruptura clara entre os dois cenários\mundos.
Uma divisão desconfortável que
sintetiza a essência de O Ódio Que Você Semeia. Embora pese a mão dentro do
carregado clímax e estique a sua obra além do necessário, algumas sequências
didáticas e\ou redundantes, inclusive, comprovam a falta de acabamento do
longa, George Tillman Jr. entrega um filme categórico, um relato desconcertante
sobre a violência policial, o racismo enraizado e as inúmeras sequelas causadas
pela desigualdade social.
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