sexta-feira, 11 de junho de 2021

Crítica | Ammonite

Amor silenciado, prazer silencioso

Em Ammonite, o silêncio diz muito. Ele é um hábito, um sintoma, uma conveniência. Logo na cena de abertura, a diretora Frances Lee manipula o senso de continuidade para expor uma rotina repressora. Ela sugere uma correlação entre duas mulheres trabalhadoras para revelar a posição de submissão feminina no contexto proposto. Uma era a faxineira de um museu. A outra a arqueóloga que descobriu uma importante peça exibida nele. Silenciosamente, a cineasta estabelece a frustração de Mary (Kate Winslet, pura volúpia). Ammonite impacta enquanto estudo da repressão feminina numa sociedade patriarcal. A descoberta de Mary é sem precedentes. A sua rotina, porém, seguia inglória. A rispidez da protagonista indica aquilo que ela não é capaz de falar.

A solidão que isola, contudo, também é capaz de unir. Quando Charlotte (Saoirse Ronan) surge em cena, o silêncio, outra vez, se torna revelador. A angústia desta jovem aristocrata é expressa através do olhar, da palavra não dita, da vontade sumariamente tomada. Longe do seu habitat para se recuperar de uma doença pulmonar, ela encontra em Mary um rosto reconhecível, mas não amistoso. Elas se identificam na apatia. As duas são forçadas a se aproximar. O que, de certa forma, explica a natureza introspectiva da obra. Elas não são silenciosas. Elas são silenciadas. O elo nasce da empatia. O romance da repressão. Lee respeita o temor das suas personagens. Mesmo num microcosmo tão isolado, Mary e Charlotte não podem dialogar. Não verbalmente. A matriarca vivida por Gemma Jones surge como uma lembrança do mundo em que elas viviam.

Ammonite é uma história de amor construída em meio a pedras. O silêncio reprime risadas, palavras afetuosas e até o êxtase. As duas se expressam através do toque, do beijo, do sexo. Lee filma o prazer feminino com um senso de intimidade cru que fascina. Não existe espaço para grandes descobertas aqui. O vínculo entre elas é instintivo, efêmero e passional. Escondida na casca grossa de Mary, vivida com um misto de volúpia e resignação por Kate Winslet, existe uma mulher consciente do seu destino. Escondida na beleza frágil de Charlotte, interpretada com energia e curiosidade por Saoirse Ronan, existe uma jovem com a coragem para enfrentar tabus.

O longa, no entanto, se seduz demais pelo silêncio. O roteiro assinado pela própria diretora terceiriza responsabilidades ao nunca mergulhar na complexidade desta relação. Na diferença de idade, de perspectivas e (claro!) de classes. Uma falta de diálogo que, até de forma coerente, se revela um problema na relação entre as duas. O silenciamento enfrentado por elas não justifica a aura lacônica do texto. Lee enxerga a beleza num cenário dessaturado, o amor num ambiente inóspito, a poesia visual no silêncio, mas nunca o futuro. Nem sequer repercute ele. A emblemática cena final não é o bastante. Não para o grande filme que Ammonite poderia ser. Uma joia bruta que se contenta em ser um fóssil raro.

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