terça-feira, 24 de abril de 2018

Amador

Um relato corajoso sobre um sistema falho

Reconhecido como um modelo de integração entre o esporte e a educação, o sistema de Draft, uma espécie de recrutamento usado nas principais ligas esportivas nos EUA, é frequentemente reverenciado em produções sobre o mundo do esporte. Uma abordagem, de fato, justificada, principalmente pelos inúmeros exemplos de atletas de sucesso que conseguiram ascender esportivamente sem necessariamente sacrificar a rotina de estudos. Nos últimos anos, porém, cresceram os casos de jogadores “aliciados” por empresários que, para aproximar um talento da escola\universidade da sua região, oferecem “benefícios” para os pais dos menores em prol de um acerto futuro. Na década passada, aliás, o adocicado Um Sonho Possível (2009) chegou a “arranhar a casca”, mostrando o cuidado dos órgãos reguladores durante este - cada vez mais - popular processo de triagem. Poucos títulos, entretanto, tiveram a coragem de jogar uma reveladora luz sobre este tema como o recente Amador. Produção original Netflix, o longa dirigido e roteirizado pelo jovem Ryan Koo é incisivo ao mostrar a vulnerável posição de um promissor jogador de basquete diante de um sistema falho. Sem a intenção de criar vilões, o realizador é cuidadoso ao se debruçar sobre este espinhoso assunto sob uma perspectiva densa e atual, indo além dos clichês dos dramas esportivos ao refletir com propriedade sobre a jornada de um jogador que, já na adolescência, entendeu que o bem-estar financeiro da sua família dependia do seu triunfo no concorrido mundo do basquete. 



Numa época em que garotos assinam contratos de cifras milionárias com gigantes do esporte, no futebol o atacante Vinícius Junior, por exemplo, aos 16 anos, foi vendido para o Real Madri por R$ 164 milhões, Amador surge como um relato naturalmente interessante sobre esses jovens que, desde cedo, aprenderam a carregar nos seus ombros a esperança de uma vida melhor. Com uma linguagem moderna e uma visão complexa sobre o tema, o argumento assinado por Ryan Koo é sucinto ao expor a realidade destes promissores atletas, ao mostrar as dúvidas, os medos e os anseios desta precoce geração dentro de uma perspectiva singular. Sem medo de tocar nos assuntos mais delicados, Amador acompanha os passos de Terron (Michael Rainey Jr.), um adolescente conhecido na sua região pela sua habilidade no basquete. Exibicionista nas redes sociais, ele logo chama a atenção do técnico Gaines (Josh Charles), o responsável por comandar um competitivo time rival. Consciente da situação do seu errático pai (Brian White), um ex-atleta de futebol americano que carregava no seu dia a dia as sequelas de um passado já distante, e da sua resiliente mãe (Sharon Leal), uma professora que sustentava a sua família com “unhas e dentes”, o humilde astro local decide aceitar esta tentadora oportunidade e mudar de ares. Longe dos seus tão estimados pais, Terron passa a então conviver com uma nova realidade, experimentando o melhor e o pior do mundo do esporte de alto rendimento ao perceber o quão frágil era a sua condição dentro de uma engrenagem movida pelas vitórias, pelo marketing e pelo retorno financeiro.


Embora invista em algumas soluções narrativas bem requentadas, o complicado processo de adaptação de Terron no novo time, em especial, já foi visto em inúmeros filmes do gênero, Amador ganha relevância ao priorizar o fora das quadras. Apesar do esmero de Ryan Koo na concepção das verossímeis sequências esportivas, a sua virtuosa câmera lenta só ajuda a reforçar o talento do atleta durante as partidas, o foco, aqui, está no aspecto humano, nos obstáculos enfrentados por um jovem em busca de valorização. Num primeiro momento, o roteiro é sutil ao estabelecer o tema central da trama, a diferença entre ser um atleta de sucesso e ser um homem de sucesso. Ao se concentrar inicialmente no vínculo de Terron com os seus pais, Koo encontra o pano de fundo perfeito para estabelecer a sua delicada situação. Usando os dois como exemplos, de um lado temos um pai que, na juventude, preferiu se dedicar ao esporte e pagou um preço caro por isso. Do outro uma mãe que, ao longo da sua vida, privilegiou os estudos, mas, como professora, não ganhava o bastante sequer para sustentar a sua família. Sem a intenção de dar respostas definitivas ou julgar as decisões dos protagonistas, o argumento tira proveito da realidade social desta família ao ir no cerne da questão. Mais do que simplesmente questionar o quão desvalorizada, por exemplo, é a profissão de um educador, Koo coloca as “cartas na mesa” ao mostrar tanto que o basquete não era sinônimo de fortuna, quanto que um diploma não era sinônimo de um futuro próspero. Tal qual no filme, os casos de sucesso são ínfimos perante os exemplos de fracassos. Neste sentido, aliás, é interessante ver como o filme de aproxima de uma realidade pouco revelada, expondo não só os interesses escusos por trás dos drafts, como também o desdém educacional destas instituições para com o futuro dos seus “alunos”. Tratado como uma peça de carne, mais um nome a serviço dos interesses de uma engrenagem sedenta por talento, Terron ganha um arco sólido e bem desenvolvido, uma jornada reconhecível aos olhos dos fãs de esporte interpretada com afinco e um quê de inocência pelo dedicado Michael Kainey Jr.


Outro ponto que agrada, e muito, é a maneira como Ryan Koo explora as redes sociais com um interessante elemento narrativo. Mais do que simplesmente revelar a veia exibicionista e a autopromoção de uma geração, o diretor mostra astúcia ao tirar proveito desta linguagem moderna em prol da trama, dando uma roupagem descolada a uma obra bem mais séria e relevante do que parecia ser. Na transição do segundo para o último ato, entretanto, Amador se perde ao reverenciar demais os feitos do seu personagem. Por mais que a opção de não vilanizar os personagens seja excelente, as motivações de tipos como o errático pai e o obstinado professor, na verdade, são totalmente justificáveis, Koo pesa a mão ao confiar demais no potencial do seu protagonista, ao pecar pela condescendência, se distanciando da realidade ao investir num clímax adocicado e exageradamente otimista. Uma escorregada que, ao menos, é reparada na bela sequência final, principalmente pela maneira com que o longa sai em defesa do amor pelo esporte. Uma visão pura e honesta que, infelizmente, parece se perder num cenário em que, cada vez mais jovens, os atletas veem a sua essência “balançar” diante dos interesses empresariais e publicitários. 

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