“Quero todas as armas da cidade
apontada para este rosto”, sentencia um raivoso narcotraficante segurando a
foto do mercenário interpretado por Chris Hemsworth em dado momento de Resgate.
O tipo de frase capaz de definir o tom da mais nova e empolgante produção
original Netflix. Estamos diante do filme de ação raiz que a gigante do
streaming sempre procurou e finalmente encontrou. Embora fuja do lugar comum ao
conferir nuances humanas aos seus principais personagens, o virtuoso longa
dirigido pelo estreante Sam Hargrave revitaliza o popular conceito do “exército
de um homem só” ao trazer uma pitada de vulnerabilidade a esta agressiva
história de redenção e sobrevivência. Como se John Rambo (Sylvester Stallone) e
John McLane (Bruce Willis) fossem fundidos num anti-herói carismático, ‘bad-ass’, absolutamente letal e... sensível. Com o luxuoso suporte dos Irmãos Russo (Vingadores:
Ultimato), o promissor cineasta repete os passos da dupla David Leitch (Atômica)
e Chad Stahelski (John Wick 2) ao levar a sua experiência como coordenador de
dublês para o centro da tela, nos brindando com alguns dos embates físicos mais
viscerais e (pasmem) bem filmados dos últimos anos. Desde o magnífico Operação
Invasão (2011) não me sentia tão “acuado” diante de um título do gênero.
Como um genuíno representante do
cinema de ação raiz, Resgate se sustenta num fiapo de trama funcional e
objetivo. O filho de um traficante indiano (Rudhraksh Jaiswal) é sequestrado pelo
seu rival tailandês. Com o dinheiro congelado pelo governo, o ameaçador
criminoso decide contratar os serviços de um grupo de mercenários liderados por
Taylor (Chris Hemsworth) para resgatá-lo. A complexa missão de extração, no
entanto, ganha contornos ainda mais dramáticos quando um terceiro elemento (Randeep Hooda) decide entrar na parada e
atrapalhar os planos do grupo. Em suma, temos um homem, um garoto, um exército
interminável de bandidos e uma fuga mirabolante. O tipo de ‘plot’ que costuma
servir muito bem ao gênero, principalmente quando operado por quem sabe da
coisa. E Sam Hargrave sabe o que está fazendo. No que diz respeito ao aspecto
narrativo, o realizador se apropria de algumas clássicas convenções do gênero
com sagacidade disposto a conferir um peso maior aos seus personagens. O
roteiro assinado por Joe Russo enxerga no cenário desigual (e na natureza
ambígua dos seus protagonistas) a oportunidade de preencher a trama com
conflitos mais densos. O drama familiar embutido no texto surge como um elo
entre os personagens. Sem querer revelar muito, a interessante dinâmica entre o
traumatizado Taylor e o obstinado Saju, o terceiro elemento citado
anteriormente, traz um frescor para a ação. Ao enxergá-los como mais do que meras
máquinas de matar, Hargrave torna tudo mais pessoal e instigante. As motivações
dos dois vão além da extração.
O melhor de Resgate, na verdade, está neste inesperado embate e nas
consequências dele. Por mais que o ‘star power’ de Chris Hemsworth seja imbatível,
Sam Hargrave é habilidoso ao colocar Taylor e Saju em condição de igualdade
dentro da trama. Ele não surge em cena como um simples agrado ao público
indiano. Vou além. É na figura do enigmático guarda costas que reside o grande
fato novo do longa. Estamos diante de um personagem complexo, com uma carga
dramática interessante e um genuíno senso de humanidade. Algo que se reflete
também na construção de Taylor. Embora bem mais genérico, o arco familiar do
protagonista solidifica o elo entre ele e o seu “pacote”, o simpático Ovi,
permitindo que o público consiga criar uma sincera conexão entre os dois. Um
predicado que ajuda a contornar a perceptível queda de ritmo da segunda metade
da obra. Após um início quase fulminante, Hargrave derrapa nas brechas
narrativas, nas conveniências que nascem delas e na precipitação. Personagens como o previsível
Gaspar (David Harbour) e a pragmática Nik (Golshifteh Farahani) mereciam
um tempo de tela maior para se tornarem compreensíveis. A relação entre Taylor
e Nik, por sinal, se revela o ponto mais problemático do script, principalmente
por nunca conseguir estabelecer a contento a força do sentimento que os unia.
Deslizes perceptíveis que se
tornam quase que irrelevantes no momento em Resgate assume a sua singular face
brucutu. Há tempos eu não via sequências de luta tão pesadas e ao mesmo tempo
tão bem coreografadas. A cada soco dado\levado por Chris Hemsworth nós sentimos
parte da dor conferida\sentida pelo personagem. A ação é visceral e agressiva.
Com nítida experiência no gênero, Sam Hargrave traduz a letalidade do protagonista
da forma mais tática possível. Tal qual o diretor, Taylor sabe o que está
fazendo. Num ‘mise en scene’ fantástico, o cineasta cria um balé violento
recheado de fluídos planos sequenciais. Os cortes, muitas vezes imperceptíveis,
interligam os takes com espantoso sincronismo, tornando tudo o mais real e
dinâmico possível. Destaque para a quente e espantosamente imagética fotografia de Newton Thomas (Drive). A verossimilhança, aqui, extrai o sentido do caos milimetricamente desenhado por Hargrave. Sem querer
revelar muito, a cena de perseguição (no melhor estilo Filhos da Esperança) que
se conecta com a fuga dentro de um prédio é uma aula de cinema de ação. O diretor, por sinal, mostra repertório ao capturar as suas impactantes coreografias de luta
com um misto de plasticidade e espontaneidade cada vez mais raro dentro do
segmento. Um trunfo que, verdade seja dita, merece ser dividido com a
performance física de todo o elenco, em especial de Chris Hemsworth e Randeep
Hooda. Além de carisma e intensidade, a dupla esbanja também energia nos confrontos
corpo a corpo, entregando o material que Hargrave precisava para compor os seus
eloquentes planos sequência. Outro ponto que agrada, e muito, é o expressivo
design de som, fundamental nas elétricas cenas de tiroteio.
Embora escorregue no terreno do
sentimentalismo no terço final, Resgate mostra que a Netflix pode finalmente
ter encontrado o seu caminho dentro do cinema de ação. Após os divertidos (mas
irregulares) Esquadrão 6 e Troco em Dobro, a gigante do streaming finalmente
faz jus aos fãs deste combalido segmento com um filme à altura das expectativas
criadas. Um mercado que, diga-se de passagem, pode se acomodar tranquilamente
no streaming, principalmente diante da falta de espaço\investimento aos olhos
dos grandes estúdios.
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