Esquadrão 6 é um exercício de
exibicionismo impressionante. Rodado em seis países, com um elenco recheado de
estrelas, sequências de ação insanas e muito humor, o espetaculoso longa
dirigido por Michael Bay é o mais perto que a Netflix chegou até agora de fazer
um filme de super-herói. Com total liberdade para brincar com as suas
ferramentas, o “explosivo” cineasta redefine o escopo das produções voltadas
para o ‘streaming’ ao trazer o excesso do cinema blockbuster para este novo
mercado. Embora traga também os vícios de algumas das suas últimas gigantescas
produções, Bay compensa ao tirar da cartola um ‘mise en scene’ surtado,
esbanjando o seu vasto repertório de truques com muito estilo, adrenalina e o
senso de grandiosidade que o transformou numa referência (gostem ou não) dentro do gênero.
Vamos direto ao ponto. Esquadrão 6 é uma verdadeira bagunça narrativa. Nada no nível dos últimos Transformers, é verdade, mas ainda assim uma bagunça. Com base numa premissa simples e pouco original, o argumento assinado por Paul Wernick e Rhett Reese (do ótimo Zumbilândia) se esforça para trazer novos ingredientes para a produção. Ao contrário dos seus letais protagonistas, porém, a mira da dupla se revela um tanto quanto imprecisa. Se por um lado o roteiro acerta na introdução dos seus carismáticos personagens, um grupo de mercenários disposto a restabelecer a paz mundial na base da força (incoerente, não?), por outro erra feio no desenvolvimento da aleatória estrutura não linear. Se por um lado o humor recheado de espertas referências pop acerta constantemente, por outro o flerte com o drama social soa deslocado e inconsequente. Existe um claro problema de tom aqui. O teor revolucionário proposto pelo argumento é simplificado para saciar o apetite heroico do grupo de protagonistas. Por mais que Michael Bay, quando preciso, filme com a devida seriedade as chagas enfrentadas por muitos inocentes ao redor do mundo, a impressão que fica é que a violência imposta por ditadores é tratada como uma desculpa genérica para os personagens entrarem em ação. E a revolta ganha ares de comercial de perfume de grife. Com direito a trilha sonora afirmativa e manifestações coreografadas.
Um problema que, de fato, não
deve incomodar os fãs do gênero. Até porque, no momento em que a trama
realmente emplaca, Michael Bay entrega tudo aquilo que um título do gênero
precisa ter. Para começar, o realizador, sustentado pelo roteiro, é habilidoso
ao desenvolver\explorar a dinâmica do grupo. Logo na fantástica sequência de
abertura, uma inacreditável perseguição de vinte minutos pelas ruas de
Florença, o cineasta é astuto ao introduzir os seus personagens com eles em
ação. Tudo é muito frenético, cômico e atraente. Os acelerados diálogos são o
bastante para que possamos conhecê-los melhor, para entendermos as suas respectivas funções
dentro do grupo, as suas habilidades e problemas. Uma relação disfuncional que se
solidifica à medida que a trama avança. Por mais que, ao longo do inchado
primeiro ato, Bay pise no freio com dispensáveis flashbacks sobre o
passado deles, o argumento corrige o curso a partir do segundo ato ao se
concentrar na interação entre eles. Nas impagáveis trocas de farpas, nos conflitos
de ideia, na parceria. Tudo o que faltou no Esquadrão Suicida (2016), da DC,
tem de sobra aqui. Missões realmente perigosas. Um crescente senso de
camaradagem. Dilemas plausíveis. Neste aspecto, Esquadrão 6 acerta em cheio ao
não se levar nada a sério. Bay é esperto ao extrair o máximo do talentoso
elenco na construção da ação e principalmente dos arquétipos. Ryan Reynolds desfila o seu afiado ‘timing
cômico’ como o líder disposto a tudo para alcançar os seus
objetivos. Mélanie Laurant esbanja sarcasmo ao encarar o elemento ‘bad-ass’ do
grupo. Manuel Garcia-Rulfo surpreende ao viver a impagável peça inconsequente
do sexteto. Já os promissores Ben Hardy e Corey Hawkins injetam falíveis traços
humanos aos seus respectivos personagens. Uma pena que a expressiva Adria
Arjona, um dos destaques da alucinante cena de abertura, perca tanto espaço ao
longo do filme.
Não adianta. Por mais que Michael
Bay mereça pontos extras por fugir do teor patriótico das suas produções, Esquadrão
6 se garante no impressionante senso de entretenimento deste “Ás”
do cinema de ação. De volta a sua melhor forma após a grandiloquência
desastrada dos últimos Transformers, Bay emplaca velhos e novos truques com
entusiasmo. Reconhecido pelas suas explosões, que, como esperado, acontecem em
abundância aqui, o cineasta vai além da pirotecnia ao tornar a experiência mais
imersiva possível. No melhor estilo parque de diversões, Bay coloca o
espectador no meio da ação com uma montagem frenética, mas uma condução limpa. Existe sentido na destruição. Existe também um claro senso de
consequência. Os choques entre veículos nunca foram tão pesados. A inércia é explorada
com maestria. As explosões, desta vez, são acompanhadas de corpos voadores. Esquadrão
6 poderia facilmente se tornar uma campanha em prol do uso do cinto de
segurança. Somado a isso, Bay incrementa o seu ambicioso balé contemporâneo de perseguições, lutas
e tiroteio com o seu vasto repertório de soluções visuais. Estamos diante de um
realizador à sua maneira virtuoso. A super câmera lenta potencializa a
violência e o humor. Os pontuais planos em primeira pessoa adicionam mais
adrenalina ao ‘mise en scene’. A fotografia em tons frios\luminosos torna tudo mais vistoso. Os expressivos planos abertos realçam a imponência dos cenários e a sensação de vertigem das sequências aéreas. Bay se exibe, mas com criatividade. A sacada do magnetismo no clímax é o melhor exemplo disso. Um 'set piece' engenhoso. Talvez influenciado pela dupla de roteiristas
de Zumbilândia e Deadpool, ou pela liberdade concedida pelo modelo Netflix, o
cineasta surpreende ao se apropriar também do ‘gore’ com vigor. A
violência estilizada surge como uma carta inesperada no baralho do realizador. O resultado é alucinante. De fazer inveja a qualquer título da série Velozes e Furiosos.
Sem medo de pecar pelo excesso,
Esquadrão 6 é, acima de tudo, um movimento ousado da Netflix. Embora
narrativamente falho e com graves problemas de tom, o longa eleva o nível da
brincadeira ao não se contentar somente com o ‘star power’ de Michael Bay e
Ryan Reynolds. Estamos diante de um filme que entrega aquilo que se propõe. Sem
subterfúgios. Sem desculpas. Sem limitações. Um blockbuster empolgante, absurdo
e caríssimo (custo de US$ 150 milhões) voltado exclusivamente para o mercado do
streaming, mas pensado para a tela grande.
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