quarta-feira, 22 de abril de 2020

Crítica | Filmando Casablanca

Quando a ficção é menos cinematográfica que a realidade

Filmando Casablanca é o tipo de obra que se arrisca. Ao contrário do que o título nacional sugere, o longa dirigido por Tamas Yvan Topolanszky não se resume em investigar os bastidores deste imponente clássico da Sétima Arte. Curtiz, no original, se distancia da realização do filme em si ao mergulhar na rotina do diretor de Casablanca (1942) durante a sua mais reconhecida e complexa película. O que era para ser um grande predicado narrativo, no entanto, perde força devido a incapacidade do argumento em investigar todos os conflitos de Michael Curtiz com a mesma (ou devida) profundidade. Ao abusar da liberdade poética quanto aos dilemas do cineasta, Topolanszky torna a ficção menos cinematográfica do que a realidade. 

Se por um lado Filmando Casablanca é assertivo ao traduzir a pressão imposta sobre os ombros de Curtiz e a desgastante “relação” dele com executivos da Warner, a equipe e o representantes do governo norte-americano durante a produção, por outro Tamas Topolanszky escorrega nas suas próprias pretensões ao decidir abordar também nos dilemas familiares do cineasta. No que diz respeito ao aspecto macro, o longa fisga ao capturar a luta de Curtiz pela defesa da liberdade criativa sobre a sua obra, os bloqueios, as incertezas quanto ao rumo ideológico da obra. Embora o foco esteja nos bastidores, astros como Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, por sinal, praticamente não tem voz e só surgem em vislumbres, o diretor é sagaz ao focar na relação entre Curtiz e o também Conrad Veidt (Christopher Krieg). São nessas pequenas passagens que Topolanszky melhor retrata o clima de ebulição\drama em torno da Segunda Guerra Mundial. 


Um toque de sensibilidade que falta nos momentos em que Filmando Casablanca invade a intimidade de Michael Curtiz. Se sobra elegância visual, falta sutileza narrativa. Com um olhar crítico sobre o biografado, Tamas Topolanszky não foge da raia ao enxergar o melhor e o pior do cineasta. Tanto o seu lado mulherengo, infiel e desagradável no set, quanto a sua face criativa, combativa e virtuosa. Nem sempre, porém, o diretor encontra as melhores formas para traduzir esta tridimensionalidade. Na ânsia de enfocá-lo, o realizador investe em soluções gratuitas, como na cena em que pai e filha trocam as primeiras palavras após um longo tempo. É na relação entre Curtiz e Kitty, por sinal, que residem os momentos mais convenientes do roteiro. Na tentativa de criar um paralelo entre o processo de reconexão entre os dois e a execução do clássico filme, Topolanszky esvazia parte da dramaticidade em prol de situações que façam Filmando Casablanca avançar. A onipresença da personagem é notória. Isso, combinando com a inesperada pressa do terço final, impedem que o longa alcance o mesmo patamar quando se “distancia” do set filmagem. Confesso ter ficar um tanto frustrado com a falta de atenção ao trabalho de Curtiz no set, ao processo de realização de Casablanca. 


O que, diga-se de passagem, é uma pena, já que esteticamente a obra flerta com a excelência. Por mais que a montagem se revele um tanto problemática, Tamas Topolanszky compensa com enquadramentos elegantes e uma perspicaz reverência ao cinema noir. A fotografia majoritariamente em preto e branco de Zoltán Dévényi, em especial, consegue usar elementos clássicos do segmento (a fumaça, a relação entre luz e sombra) para capturar com expressividade a intensidade dos protagonistas, a tensão em torno da realização de Casablanca e a beleza do elenco\figurino\direção de arte. Nem mesmo a intrusiva e afetada trilha sonora interfere no requintado conjunto visual.


Com uma visão ampla sobre os fatos, Filmando Casablanca é uma obra competente que esbarra no que deveria ser o seu grande mérito. Ao se distanciar do set de filmagem, o longa se passa basicamente entre o “corta” e o “gravando”, o diretor Tamas Yvan Topolanszky peca ao propor um estudo irregular sobre o homem por trás da sua obra. Uma opção digna de elogios, principalmente quando mergulha no turbilhão de emoções em torno do realizador, mas que acaba por inchar um roteiro que já possuía elementos suficientes para fascinar qualquer fã da Sétima Arte. Até porque, nos momentos em que decide recriar os obstáculos, os improvisos e o peculiar processo criativo de Michael Curtiz, estamos diante de uma obra elétrica e que faz jus ao influente clássico da Era de Ouro de Hollywood. Pena que estas passagens não sejam tão recorrentes. 

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