terça-feira, 28 de maio de 2019

Crítica | Robin Williams: Entre Na Minha Mente

As agruras de um gênio indomável

No último final de semana chegou aos cinemas a versão ‘live-action’ de Aladdin, uma aguardada produção que desde a sua “gênese” causou um misto de comoção e expectativa por parte dos fãs deste clássico Disney. Com o lançamento da obra, entretanto, veio um sabor ligeiramente amargo. Robin Williams não está entre nós para encarar um dos personagens mais marcante da sua inesquecível filmografia. Por melhor que seja o igualmente radiante Will Smith, a nova versão de Aladdin estreia “desfalcada” daquele que conferiu a identidade que a animação dirigida por Ron Clements e John Musker precisava para se tornar uma peça chave na retomada dos estúdios Disney após um período de entressafra criativa. Na pele do expansivo e histriônico Gênio, Williams encontrou a liberdade que talvez o mundo real nunca lhe permitiu ter. Acostumado a arrancar risadas basicamente com seus trejeitos e a sua incrível versatilidade vocal, o astro de Bom Dia Vietnã e Uma Babá Quase Perfeita se viu capaz de exprimir toda a sua verve criativa através do co-protagonista, criando assim um dos personagens mais queridos do vasto panteão da Disney. E um dos símbolos mais marcantes da minha infância. Foi com a tristeza do menino que cresceu vendo Robin Williams arrancando risadas por onde passava que, em 2014, tive que publicar o artigo sobre a repentina morte deste magnético ator. Como aquela força da natureza, aquele comediante indomável, aquele ser humano imparável, pôs fim a sua própria vida? Essa era a pergunta que ficou martelando a minha cabeça durante algum tempo. Um questionamento que, de certa forma, dita o tom do precioso documentário Robin Williams: Entre na Minha Mente, produção original HBO que com um misto de reverência e sensibilidade invade a intimidade do homem escondido pelo holofote do sucesso.



Recheado de reveladoras imagens de arquivos e depoimentos marcantes sobre o Robin Williams que não nos acostumamos a ver, o longa dirigido por Marina Zenovich é cuidadoso ao desconstruí-lo perante o público. Ao ir além da frutífera carreira. Assim como muitos comediantes da sua geração, Williams encontrava no humor uma válvula de escape. Num recorte dinâmico e narrativamente bem fundamentado, é interessante ver, por exemplo, como a cineasta busca na infância do documentado as explicações para a sua personalidade quase desvairada. Desde cedo ele se acostumou a buscar entretenimento em si mesmo. Com um pai distante devido a pesada rotina de trabalho e uma bem-humorada mãe incapaz de abraçar o clichê da típica dona de casa, Williams cresceu sozinho e deslocado, muito em função do seu introspectivo modo de agir longe das câmeras. Mesmo após se descobrir um astro da comédia, ele seguiu convivendo com as suas inseguranças, a crise de autoestima e o medo de perder o brilho que o movia. Se sob a luz da fama o Robin Williams que conhecemos era altivo, rebelde e um tanto quanto feroz, longe dela ele era um homem comum, com carências, temores e frustrações permanentes. Um dos grandes trunfos do documentário, na verdade, está na maneira com que o próprio ator e os seus muitos amigos\parceiros tratam a incessante busca pela risada\aceitação do público quase que como um vício. Sem grandes filtros, o retrato pintado mostra um Robin Williams inquieto, criativo, mas quase sempre extremo. Um realizador levando uma vida que mais cedo ou mais tarde cobraria o seu preço.


Outro ponto que agrada, e muito, é o esforço de Entre na Minha Mente em não reduzir tudo aos velhos clichês midiáticos. Embora explore com a necessária contundência o problema do astro com as drogas, o seu lado mais mulherengo e também o seu acelerado (por vezes caótico) estilo de vida, Marina Zenovich evita ao máximo simplificar os conflitos do documentado. Ele não é tratado como uma vítima do estrelato. Nem tão pouco como um homem afetado pelo perigo da decadência iminente. O foco está muito mais no aspecto íntimo. A partir de depoimentos de figuras como os amigos comediantes Eric Idle, Billy Cristal e Steve Martin, da ex-esposa Valerie Velardi, do filho Zak Williams e de outros nomes como os de David Letherman, Pam Dawber e Lewis Black, a realizadora mira em diversas fases da vida pessoal\profissional de Williams, propondo assim um retrato complexo e pleno sobre este ser humano de tantas faces e vozes. Conhecemos o pai amoroso, o amigo brincalhão, o comediante genial, o artista inseguro, o homem acuado. A impressão que fica era que Robin Williams sabia que não podia parar. A vida do astro estava diretamente ligada a sua capacidade de criar e fazer rir. Por mais que, neste espinhoso ponto, falte ao longa um pouco mais de objetividade, ao longo de toda a produção HBO conhecemos também a face mais autodestrutiva dele e as sequelas de uma desregrada rotina indomável. Ao longo do último, o doc causa um misto de choque e tristeza ao trazer informações novas que muitos desconheciam, mostrando que no fim o gênio da arte de fazer rir passou a conviver com uma combinação de doenças impiedosas que atacavam justamente aquilo que ele mais prezava enquanto artista. A sua capacidade de pensar, de inventar, de reagir na busca pela gargalhada do público.


No fim, entretanto, ficam as risadas. Com acesso à imagens de bastidores, entrevistas, making-of's e grandes performances da carreira de Robin Williams, o documentário faz jus ao legado do artista ao arrancar gargalhadas genuínas com cenas de séries como Mork and Mindy (1978-1992) e Aladdin, apresentações de stand-up, shows, eventos filantrópicos, batizados (com direito a presença do saudoso Superman Christopher Reeve) e a antológica passagem no Critics Choice Awards 2003. Nestes momentos, selecionados a dedo por Marina Zenovich, vemos Robin Williams no auge da sua forma, expondo o seu melhor, a sua melhor versão.

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