No último final de semana chegou aos cinemas a versão ‘live-action’ de Aladdin, uma aguardada produção que desde a sua “gênese” causou um misto de comoção e expectativa por parte dos fãs deste clássico Disney. Com o lançamento da obra, entretanto, veio um sabor ligeiramente amargo. Robin Williams não está entre nós para encarar um dos personagens mais marcante da sua inesquecível filmografia. Por melhor que seja o igualmente radiante Will Smith, a nova versão de Aladdin estreia “desfalcada” daquele que conferiu a identidade que a animação dirigida por Ron Clements e John Musker precisava para se tornar uma peça chave na retomada dos estúdios Disney após um período de entressafra criativa. Na pele do expansivo e histriônico Gênio, Williams encontrou a liberdade que talvez o mundo real nunca lhe permitiu ter. Acostumado a arrancar risadas basicamente com seus trejeitos e a sua incrível versatilidade vocal, o astro de Bom Dia Vietnã e Uma Babá Quase Perfeita se viu capaz de exprimir toda a sua verve criativa através do co-protagonista, criando assim um dos personagens mais queridos do vasto panteão da Disney. E um dos símbolos mais marcantes da minha infância. Foi com a tristeza do menino que cresceu vendo Robin Williams arrancando risadas por onde passava que, em 2014, tive que publicar o artigo sobre a repentina morte deste magnético ator. Como aquela força da natureza, aquele comediante indomável, aquele ser humano imparável, pôs fim a sua própria vida? Essa era a pergunta que ficou martelando a minha cabeça durante algum tempo. Um questionamento que, de certa forma, dita o tom do precioso documentário Robin Williams: Entre na Minha Mente, produção original HBO que com um misto de reverência e sensibilidade invade a intimidade do homem escondido pelo holofote do sucesso.
Recheado de reveladoras imagens
de arquivos e depoimentos marcantes sobre o Robin Williams que não nos
acostumamos a ver, o longa dirigido por Marina Zenovich é cuidadoso ao
desconstruí-lo perante o público. Ao ir além da frutífera carreira. Assim
como muitos comediantes da sua geração, Williams encontrava no humor uma
válvula de escape. Num recorte dinâmico e narrativamente bem fundamentado, é
interessante ver, por exemplo, como a cineasta busca na infância do documentado
as explicações para a sua personalidade quase desvairada. Desde cedo ele se
acostumou a buscar entretenimento em si mesmo. Com um pai distante devido a pesada rotina de trabalho e uma bem-humorada mãe incapaz de abraçar o clichê da
típica dona de casa, Williams cresceu sozinho e deslocado, muito em função do
seu introspectivo modo de agir longe das câmeras. Mesmo após se descobrir um
astro da comédia, ele seguiu convivendo com as suas inseguranças, a crise
de autoestima e o medo de perder o brilho que o movia. Se sob a luz da fama o
Robin Williams que conhecemos era altivo, rebelde e um tanto quanto feroz,
longe dela ele era um homem comum, com carências, temores e frustrações permanentes.
Um dos grandes trunfos do documentário, na verdade, está na maneira com que o
próprio ator e os seus muitos amigos\parceiros tratam a incessante busca pela
risada\aceitação do público quase que como um vício. Sem grandes filtros, o
retrato pintado mostra um Robin Williams inquieto, criativo, mas quase sempre
extremo. Um realizador levando uma vida que mais cedo ou mais tarde cobraria o
seu preço.
Outro ponto que agrada, e muito,
é o esforço de Entre na Minha Mente em não reduzir tudo aos velhos clichês midiáticos. Embora explore com a necessária contundência o
problema do astro com as drogas, o seu lado mais mulherengo e também o seu
acelerado (por vezes caótico) estilo de vida, Marina Zenovich evita ao máximo
simplificar os conflitos do documentado. Ele não é tratado
como uma vítima do estrelato. Nem tão pouco como um homem afetado pelo perigo
da decadência iminente. O foco está muito mais no aspecto íntimo. A partir de
depoimentos de figuras como os amigos comediantes Eric Idle, Billy Cristal e
Steve Martin, da ex-esposa Valerie Velardi, do filho Zak Williams e de outros
nomes como os de David Letherman, Pam Dawber e Lewis Black, a realizadora mira
em diversas fases da vida pessoal\profissional de Williams, propondo assim um
retrato complexo e pleno sobre este ser humano de tantas faces e vozes.
Conhecemos o pai amoroso, o amigo brincalhão, o comediante genial, o artista
inseguro, o homem acuado. A impressão que fica era que Robin Williams sabia que
não podia parar. A vida do astro estava diretamente ligada a sua capacidade de
criar e fazer rir. Por mais que, neste espinhoso ponto, falte ao longa um pouco
mais de objetividade, ao longo de toda a produção HBO conhecemos também a face
mais autodestrutiva dele e as sequelas de uma desregrada rotina indomável. Ao
longo do último, o doc causa um misto de choque e tristeza ao trazer
informações novas que muitos desconheciam, mostrando que no fim o gênio da arte
de fazer rir passou a conviver com uma combinação de doenças impiedosas que
atacavam justamente aquilo que ele mais prezava enquanto artista. A sua
capacidade de pensar, de inventar, de reagir na busca pela gargalhada do
público.
No fim, entretanto, ficam as
risadas. Com acesso à imagens de bastidores, entrevistas, making-of's e grandes
performances da carreira de Robin Williams, o documentário faz jus ao legado do
artista ao arrancar gargalhadas genuínas com cenas de séries como Mork and
Mindy (1978-1992) e Aladdin, apresentações de stand-up, shows, eventos
filantrópicos, batizados (com direito a presença do saudoso Superman
Christopher Reeve) e a antológica passagem no Critics Choice Awards 2003.
Nestes momentos, selecionados a dedo por Marina Zenovich, vemos Robin Williams
no auge da sua forma, expondo o seu melhor, a sua melhor versão.
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