Stanley Laurel e Oliver Hardy estão,
ao lado de Charles Chaplin, dos Irmãos Marx e de Buster Keaton, entre as
grandes entidades da história da comédia moderna. Com o seu inacreditável ‘timing’
cômico e uma inocente visão de humor, a dupla fez de O Gordo e o Magro uma
verdadeira marca do gênero, arrancando risadas de plateias ao redor do mundo e
influenciando uma geração de comediantes que viria a nascer entre os anos 1930
e 1960. O que seria, por exemplo, de nomes como Os Três Patetas, Abbott e
Costello, Jerry Lewis, Roberto Bollaños e tantos outros sem a “fórmula”
popularizada por esta icônica parceria. Infelizmente, entretanto, Laurel e
Hardy não tiveram a mesma “sorte” de alguns dos seus parceiros de geração.
Embora nunca tenham perdido o apreço do grande público, seus curtas e filmes
não o transformaram em milionários. Suas produções nunca foram tratadas com o
mesmo prestígio dos longas de Chaplin, Keaton e dos Marx. Prova disso é
que só agora, em 2019, mais de cinco décadas depois da morte da dupla, o Gordo
e o Magro ganham uma cinebiografia de respeito. Sob a delicada batuta de Jon S. Baird (Filth), Stan & Ollie invade os
bastidores da complicada última turnê destes verdadeiros astros da comédia sem
renegar o humor pueril que os consagrou. Tudo para reverencia a genialidade dos artistas mesmo na sua fase mais vulnerável e decadente. Uma visão amistosa e contida sobre
os fatos potencializada pelas soberbas performances de John C. Reilly e Steve
Coogan. Uma dupla que, tal qual os biografados, exibem uma sintonia perfeita em cena .
Com a maturidade necessária para
exaltar o talento dos comediantes sem necessariamente esvaziar o viés
dramático do longa, o cineasta é cuidadoso ao apontar o holofote para a
intimidade dos dois. A partir de um recorte reduzido, uma turnê pela Europa
durante um desconfortável período de “vacas magras”, Baird esbanja poder
de síntese ao dar voz as mentes criativas por
trás de O Gordo e o Magro. Logo na magistral cena de abertura, um plano
sequência de quase cinco minutos dentro de um set de filmagens, o realizador deixa
claro que o foco vai estar na dinâmica da dupla e na construção de um
retrato honesto de cada um deles. Embora se derreta pelas virtudes dos dois, o argumento assinado por Jeff Pope não priva o
espectador de conhecer um pouco mais das suas respectivas vidas pessoais.
Enquanto Ollie é pintado como um ‘bon vivant’ gastador às avessas com a vida
de apostas e divórcios, Stan surge como um artista preocupado
com a sua obra e incomodado com a falta de reconhecimento.
Usando estes traços de personalidade apenas como o ponto de partida, Baird é
astuto ao realçar as feridas expostas em quase duas décadas de convivência sem
necessariamente perder tempo com explicações desnecessárias. Por mais
que as rusgas ocasionadas por uma antiga separação sejam exploradas com
inegável superficialidade pelo roteiro, o diretor compensa ao se concentrar
nas sequelas causadas por ela, ao tratar aquela pontual “quebra de confiança” como
a barreira invisível que enfraquece o elo entre os dois.
Na verdade, o grande trunfo de
Stan & Ollie está na complexidade com que o argumento aborda a relação
entre os astros da comédia. Com uma visão tipicamente britânica, Jon S.
Baird evita reduzir tudo ao conflito, a troca de farpas e as discussões vazias.
Estamos diante de dois homens maduros o bastante para colocar as diferenças de
lado, para dar mais uma chance a uma aclamada parceria. Embora fique claro da
primeira à última sequência o quão forte é amizade dos atores, o realizador é
cuidadoso ao respeitar a dinâmica da dupla, ao expor as forçadas tentativas de
distanciamento, as brincadeiras naturais, as diferenças, as semelhanças e acima
de tudo o respeito mútuo. Escondido nos diálogos banais está a
cumplicidade. Escondida na postura polida\reservada existia o turbilhão de
emoções. Os atos, aqui, valem definitivamente mais do que mil palavras. Uma
abordagem sutil sobre esta relação que, mesmo com as entradas das carismáticas
esposas vividas por Nina Arianda e Shriley Henderson, dita o tom da obra como
um todo. Outro ponto que agrada, e muito, é a naturalidade com que Baird explora
a poderosa veia cômica de Hardy e Laurel. Com diálogos engraçados e um
indiscutível entusiasmo em poder levar a genialidade de O Gordo e o Magro para
o público atual, o cineasta imprime em tela a essência ingênua da dupla. Um predicado valorizado pelas magníficas performances de John C. Reilly e Steve Coogan. Sob
uma pesada (e verossímil maquiagem), Reilly parece verdadeiramente desaparecer dentro
do seu personagem, capturando o misto de sofrimento, ironia, alto astral e
fragilidade do bonachão Ollie com energia e intensidade. Já Coogan, num trabalho
bem mais comedido, é sensível ao abraçar a introspecção genial de
Stan. Ao mostrar como ele usava o humor como uma bengala diante da sua
inabilidade social. Além disso, como se não bastasse a extraordinária química
entre os dois atores, Baird mostra refinamento visual ao capturar a forte
conexão entre os personagens, indo bem além do plano sequência inicial ao
investir em enquadramentos elegantes e de rara beleza. Vide a magistral cena
final, uma reverência imagética à figura de O Gordo e o Magro.
Com uma roupagem clássica e muito
coração, Stan e Ollie causa um misto de encantamento e alegria ao trazer para
as novas audiências um pouco da arte destes dois pilares da comédia moderna. Muito
mais do que uma (tardia) homenagem, a cinebiografia cativa ao investigar não só
a força do elo entre os dois atores, mas principalmente o vínculo entre eles e
os seus respectivos personagens, acertando em cheio ao entender que é
impossível lembrar de o Gordo sem esquecer do seu fiel escudeiro o Magro.
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