quinta-feira, 30 de maio de 2019

Crítica | Stan e Ollie

Uma dupla em perfeita sintonia

Stanley Laurel e Oliver Hardy estão, ao lado de Charles Chaplin, dos Irmãos Marx e de Buster Keaton, entre as grandes entidades da história da comédia moderna. Com o seu inacreditável ‘timing’ cômico e uma inocente visão de humor, a dupla fez de O Gordo e o Magro uma verdadeira marca do gênero, arrancando risadas de plateias ao redor do mundo e influenciando uma geração de comediantes que viria a nascer entre os anos 1930 e 1960. O que seria, por exemplo, de nomes como Os Três Patetas, Abbott e Costello, Jerry Lewis, Roberto Bollaños e tantos outros sem a “fórmula” popularizada por esta icônica parceria. Infelizmente, entretanto, Laurel e Hardy não tiveram a mesma “sorte” de alguns dos seus parceiros de geração. Embora nunca tenham perdido o apreço do grande público, seus curtas e filmes não o transformaram em milionários. Suas produções nunca foram tratadas com o mesmo prestígio dos longas de Chaplin, Keaton e dos Marx. Prova disso é que só agora, em 2019, mais de cinco décadas depois da morte da dupla, o Gordo e o Magro ganham uma cinebiografia de respeito. Sob a delicada batuta de Jon S. Baird (Filth), Stan & Ollie invade os bastidores da complicada última turnê destes verdadeiros astros da comédia sem renegar o humor pueril que os consagrou. Tudo para reverencia a genialidade dos artistas mesmo na sua fase mais vulnerável e decadente. Uma visão amistosa e contida sobre os fatos potencializada pelas soberbas performances de John C. Reilly e Steve Coogan. Uma dupla que, tal qual os biografados, exibem uma sintonia perfeita em cena .



Com a maturidade necessária para exaltar o talento dos comediantes sem necessariamente esvaziar o viés dramático do longa, o cineasta é cuidadoso ao apontar o holofote para a intimidade dos dois. A partir de um recorte reduzido, uma turnê pela Europa durante um desconfortável período de “vacas magras”, Baird esbanja poder de síntese ao dar voz as mentes criativas por trás de O Gordo e o Magro. Logo na magistral cena de abertura, um plano sequência de quase cinco minutos dentro de um set de filmagens, o realizador deixa claro que o foco vai estar na dinâmica da dupla e na construção de um retrato honesto de cada um deles. Embora se derreta pelas virtudes dos dois, o argumento assinado por Jeff Pope não priva o espectador de conhecer um pouco mais das suas respectivas vidas pessoais. Enquanto Ollie é pintado como  um ‘bon vivant’ gastador às avessas com a vida de apostas e divórcios, Stan surge como um artista preocupado com a sua obra e incomodado com a falta de reconhecimento. Usando estes traços de personalidade apenas como o ponto de partida, Baird é astuto ao realçar as feridas expostas em quase duas décadas de convivência sem necessariamente perder tempo com explicações desnecessárias. Por mais que as rusgas ocasionadas por uma antiga separação sejam exploradas com inegável superficialidade pelo roteiro, o diretor compensa ao se concentrar nas sequelas causadas por ela, ao tratar aquela pontual “quebra de confiança” como a barreira invisível que enfraquece o elo entre os dois.


Na verdade, o grande trunfo de Stan & Ollie está na complexidade com que o argumento aborda a relação entre os astros da comédia. Com uma visão tipicamente britânica, Jon S. Baird evita reduzir tudo ao conflito, a troca de farpas e as discussões vazias. Estamos diante de dois homens maduros o bastante para colocar as diferenças de lado, para dar mais uma chance a uma aclamada parceria. Embora fique claro da primeira à última sequência o quão forte é amizade dos atores, o realizador é cuidadoso ao respeitar a dinâmica da dupla, ao expor as forçadas tentativas de distanciamento, as brincadeiras naturais, as diferenças, as semelhanças e acima de tudo o respeito mútuo. Escondido nos diálogos banais está a cumplicidade. Escondida na postura polida\reservada existia o turbilhão de emoções. Os atos, aqui, valem definitivamente mais do que mil palavras. Uma abordagem sutil sobre esta relação que, mesmo com as entradas das carismáticas esposas vividas por Nina Arianda e Shriley Henderson, dita o tom da obra como um todo. Outro ponto que agrada, e muito, é a naturalidade com que Baird explora a poderosa veia cômica de Hardy e Laurel. Com diálogos engraçados e um indiscutível entusiasmo em poder levar a genialidade de O Gordo e o Magro para o público atual, o cineasta imprime em tela a essência ingênua da dupla. Um predicado valorizado pelas magníficas performances de John C. Reilly e Steve Coogan. Sob uma pesada (e verossímil maquiagem), Reilly parece verdadeiramente desaparecer dentro do seu personagem, capturando o misto de sofrimento, ironia, alto astral e fragilidade do bonachão Ollie com energia e intensidade. Já Coogan, num trabalho bem mais comedido, é sensível ao abraçar a introspecção genial de Stan. Ao mostrar como ele usava o humor como uma bengala diante da sua inabilidade social. Além disso, como se não bastasse a extraordinária química entre os dois atores, Baird mostra refinamento visual ao capturar a forte conexão entre os personagens, indo bem além do plano sequência inicial ao investir em enquadramentos elegantes e de rara beleza. Vide a magistral cena final, uma reverência imagética à figura de O Gordo e o Magro.


Com uma roupagem clássica e muito coração, Stan e Ollie causa um misto de encantamento e alegria ao trazer para as novas audiências um pouco da arte destes dois pilares da comédia moderna. Muito mais do que uma (tardia) homenagem, a cinebiografia cativa ao investigar não só a força do elo entre os dois atores, mas principalmente o vínculo entre eles e os seus respectivos personagens, acertando em cheio ao entender que é impossível lembrar de o Gordo sem esquecer do seu fiel escudeiro o Magro.

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