Na última semana, às vésperas de mais uma edição do Oscar, escrevi uma matéria sobre as novas vozes de Hollywood. Uma lista sobre a nova safra de
diretores e o caminho que eles percorreram até chegar ao 'mainstream'. Numa
preocupante constatação, porém, percebi que havia escalado apenas uma diretora
nesta reportagem. Confesso que dei outra pesquisada, tentei buscar na memória
as melhores produções conduzidas por novas realizadoras, mas os nomes que
surgiram ou já estavam um degrau acima dos demais integrantes da lista (Sofia
Coppola) ou em busca deste status (Ana Lily Amirpour e Sarah Polley). Só então
percebi que o problema não estava na minha apuração. Infelizmente, a falta de
oportunidades é um obstáculo imponente para a nova geração de diretoras. Na
torcida para que este cenário se torne ainda mais igualitário, no Dia
Internacional da Mulher resolvi preparar uma lista com doze grandes filmes
assinados por mulheres. E que seleção! Dito isso, começamos com...
- Filhos da Guerra (1990)
Inspirado na incrível história real do judeu Solomon Perel, Filhos da
Guerra é um daqueles relatos impressionantes que de tão improváveis podem até
parecer mentirosos. Mas não são. Conduzido com um extraordinário senso de
plenitude pela polonesa Agnieszka Holland (O Jardim Secreto), o longa estrelado
pelo carismático Marco Hofschneider (Minha Amada Imortal) investiga as nuances
de um confronto como a Segunda Guerra Mundial sob um ponto de vista completo e
original. Na trama, seguimos os passos de um jovem judeu alemão que, após ser
salvo e educado num campo de órfãos soviéticos, se vê obrigado a omitir as suas
origens no momento em que é capturado pelo exército nazista. Acuado, Solomon
utiliza o seu alemão para convencer os militares que é um ariano e se torna um
herói de guerra ao desvendar o esconderijo de um grupo de soviéticos. Com uma
premissa naturalmente envolvente em mãos, Holland é sutil ao mostrar a
influência dos dois exércitos sobre os mais jovens e a lavagem cerebral imposta
por socialistas e nazistas.
Além disso, a realizadora flerta com o cinismo ao expor a ignorância por
trás do discurso ariano, um tema explorado com inteligência no momento em que o
judeu é escolhido para integrar a escola da Juventude Alemã, uma espécie de
berço para a nova geração de nazistas. Embora o argumento se renda ao teor
ficcional no clímax, uma ligeira pesada de mão que nem sequer arranha a imagem
da película, Filhos da Guerra se revela uma narrativa multidimensional e
carregada de simbolismo sobre um tema devastador. Num dos melhores trabalhos da
sua expressiva carreira, Agnieszka Holland flerta com elementos lúdicos ao
desvendar a jornada de sobrevivência de Solomon Perel, expondo a dor de um
conflito sob um prisma ingênuo e memorável. Vide a fantástica sequência
subjetiva em que Hitler e Stalin bailam amistosamente durante o sonho deste
amedrontado judeu.
- Encontros e
Desencontros (2003)
Um romance recheado de personalidade, Encontros e Desencontros redefiniu
a carreira da talentosa Sofia Coppola (As Virgens Suicidas, Maria Antonieta). Intimista, vibrante e
inquestionavelmente original, o longa fascina ao propor uma história de amor
potencializada pela falta de comunicação. Isolados em pleno solo japonês,
Coppolla esbanja o seu virtuosismo estético ao tornar Tóquio parte da sua história,
uma espécie de agente catalisador da relação entre o astro decadente Bob Harris
(Bill Murray) e a jovem solitária Charlotte (Scarlett Johansson). Com um casal
naturalmente magnético em mãos, a realizadora investe num texto ágil e
reflexivo, discorrendo sobre os conflitos dos seus personagens com intimidade e
energia. Murray e Johansson, aliás, exibem uma extraordinária química em cena,
realçando o aspecto mais inusitado por trás desta carismática história de amor.
- Guerra ao Terror (2009)
Vencedor de seis Oscars, entre eles os de Melhor Filme, Melhor Direção e
Melhor Roteiro, Guerra ao Terror é uma obra crítica e envolvente. Sob a batuta
da talentosa Kathryn Bigelow (Caçadores de Emoções), o longa estrelado por
Jeremy Renner atraiu a atenção do público e da crítica ao revelar a devastadora
rotina do líder de um esquadrão antibombas no Afeganistão. Num relato tenso e
tecnicamente primoroso, Bigelow é brilhante ao reproduzir a insegurança em
campo de batalha, o instável 'modus operandi' dos militares e o impacto de
tamanha pressão na personalidade dos envolvidos. Sem querer revelar muito, o
processo de deterioração emocional do protagonista é traduzido com vigor pelas
lentes desta importante realizadora, culminando num último ato questionador e
absolutamente incisivo.
- A Hora mais Escura
(2013)
De longe o filme mais difícil da lista, A Hora Mais Escura se revela um
relato detalhista sobre a caçada da CIA ao temido Osama Bin Laden. Esqueça,
porém, as patriotadas norte-americanas que Hollywood adora produzir. Conduzido
com propriedade por Kathryn Bigelow, o longa acompanha a busca pelo paradeiro
do líder da Al Qaeda durante quase uma década, transitando com naturalismo por
temas como a tortura dos terroristas capturados, os equívocos da agência de
inteligência, o impacto das mudanças políticas e a pressão imposta aos
analistas da CIA. Impulsionada pela poderosa atuação de Jessica Chastain, magnífica ao
absorver as nuances emocionais enfrentadas pela obstinada agente que
descortinou o esconderijo de OBL, Bigelow nos brinda com uma obra realística e
recheada de tensão. Sem querer revelar muito, a engenhosa sequência da invasão
é tecnicamente primorosa, uma verdadeira aula de cinema. Além disso, a
realizadora aponta a sua mira para o jogo político por trás desta desgastante
busca, permitindo que o espectador compreenda o quão complexo foi todo o processo. Envolvente ao longo das ritmadas duas horas de quarenta de projeção,
A Hora mais Escura é uma obra corajosa e carregada de predicados. Contando
ainda com um talentoso elenco de apoio, capitaneado pelas excelentes atuações
de Kyle Chandler, Jason Clarke e Chris Pratt, Katheryn Bigelow constrói uma
película crítica e reveladora, um filme capaz de expor os meandros por trás dos
novos conflitos bélicos.
- Educação (2009)
Sob um ponto de vista aparentemente inocente, Educação se inspira numa
história real ao narrar um relacionamento movido pela paixão e pela promessa de
uma nova vida. Sob a batuta da diretora Lone Scherfig, o longa volta aos anos
60 para narrar a jornada de uma jovem ingênua encantada por um homem mais velho
e culto. Escancarando as incoerências por trás da conservadora sociedade local,
representada nos pais da adolescente, o argumento é cuidadoso ao realçar os
perigos em torno deste perigoso caso de amor, principalmente na mudança de
comportamento da protagonista interpretada brilhantemente pela apaixonante
Carey Mulligan. Embora o último ato seja um tanto quanto indulgente, Educação é um romance dramático envolvente e extremamente atual.
- Entre o Amor e a Paixão
(2011)
Recheado de momentos singulares, Entre o Amor e a Paixão cativa ao
discutir sob um revigorante ponto de vista alguns dos mais enraizados dilemas
afetivos na vida de um casal. Conduzido com virtuosismo pela diretora Sarah
Polley, este agridoce romance absorve a essência imatura dos seus
personagens ao passear com proposital infantilidade por questões como a
infidelidade, o companheirismo e a incessante luta contra a rotina matrimonial.
Impulsionado pela soberba performance da talentosa Michelle Williams, a
realizadora esbanja delicadeza ao narrar as desventuras amorosas de Margot, uma
mulher casada dividida entre a certeza de um amor esfriado pelo tempo ou a
ilusão de uma paixão avassaladora. Sem apelar para tipo vilanescos e
indulgentes, o argumento investiga os dilemas da protagonista de maneira
singela, intimista e absurdamente humana, traduzindo a sua rotina com espantosa
sinceridade.
- Inverno da Alma (2010)
Responsável por apresentar a então jovem Jennifer Lawrence para o grande
público, Inverno da Alma é um drama com pedigree. Sob a batuta acinzentada da
diretora Debra Granik, o longa se revela um drama nebuloso sobre a natureza
humana, sobre a falta de sensibilidade num cenário árido e desesperançoso. Com
uma premissa instigante e um visual naturalmente frio, potencializado pela
fotografia de Michael McDonough. Inverno da Alma acompanha os passos da precoce
Ree (Lawrence), uma jovem responsável que se vê obrigada a assumir as rédeas de
sua família no momento em que o seu pai, um traficante procurado, simplesmente
desaparece. Prestes a perder a sua casa, ela resolve iniciar uma perigosa busca
pelo paradeiro dele, tentando encontrar algum indício que poderia evitar a
penhora da sua residência. Disposta a mostrar uma face da América
frequentemente esnobada em Hollywood, Granick entrega uma película forte e
envolvente, um suspense dramático intimista que surpreendeu a todos ao
conquistar quatro indicações ao Oscar, entre elas a de melhor filme.
- Que Horas ela Volta?
(2015)
Aclamado nos Festivais de Sundance e Berlim, Que Horas ela Volta? vem
comprovando ao redor do mundo o verdadeiro potencial do cinema brasileiro.
Engraçado, critico e extremamente universal, o longa dirigido por Anna Muylaert
(Durval Discos) cativa ao promover de maneira natural um poderoso relato sobre
a atual organização social brasileira. Utilizando como pano de fundo a típica
relação entre patrão e empregado, o afiado argumento é brilhante ao mostrar o
impacto da desigualdade socioeconômica na rotina de duas mulheres ligadas pelo
sangue, mas separadas pelas diferentes formas com que encaravam os seus papeis
dentro da sociedade. Revelando os contrastes e a hipocrisia por trás da
estrutura de classes do nosso país, Muyalert encontra nas vibrantes atuações de
Regina Casé e Camila Márdila a força necessária para pintar, através da agitada
relação entre uma resignada mãe e a sua independente filha, um moderno e
espirituoso retrato social.
- Rio Congelado (2008)
Forte e envolvente, Rio Congelado é um drama áspero que não merece cair
no esquecimento. Com uma atmosfera gélida e propositalmente desconfortável, o
longa dirigido por Courtney Hunt (Os Dois Lados da Justiça) instiga ao narrar a
jornada da amoral Ray, uma mãe solteira com problemas financeiros que encontra
o seu "pote de ouro" ao se tornar uma espécie de "coiote"
na fronteira dos EUA com o Canadá. Impulsionada pela estupenda performance de
Melissa Leo, impecável ao dar vida a uma mulher audaciosa engolida por um
perigoso "esquema”, Hunt é habilidosa ao explorar o ar preconceituoso da
personagem, um elemento potencializado com o surgimento da nativa Lila (Misty
Upham). A partir desta conturbada relação, a realizadora brilha ao realçar o
fator humano na crescente interação entre as protagonistas, duas mulheres de
origem distinta, mas com dilemas muito semelhantes. Além disso, na transição do
segundo para o último ato, o argumento ganha uma generosa dose de tensão ao
trazer as questões morais para o centro da trama, culminando num clímax denso e
desconcertante. Em suma, com diálogos intensos, uma fotografia gélida nebulosa
e marcantes personagens, Rio Congelado instiga ao valorizar as nuances e a
frieza em torno da espinhosa jornada das suas protagonistas.
- Garçonete (2007)
No longa mais subestimado desta lista, Jenna é na minha modesta opinião
uma das personagens que melhor compreende as noções atuais do feminismo. Em
Garçonete, a atriz Keri Russel dá vida a uma que resolve colocar um ponto final
na relação com o seu abrupto namorado. Reconhecida por fabricar deliciosas
tortas, Jenne encontra na culinária uma forma de esquecer os problemas do dia a
dia. Sozinha e grávida, a jovem decide então tomar as rédeas de sua vida, nem
que para isso tenha que abrir mão do namoro com um atencioso médico. Em meio a
filmes que colocam as mulheres cada vez mais dependentes dos homens, Garçonete
foge do lugar comum neste sentido com um singelo e impecável desfecho. Além
disso, a direção estilosa da saudosa Adrienne Shelly transita por temas
espinhosos com doçura e um charme todo o especial, culminando numa sequência
final emblemática e naturalmente libertadora.
- Selma: Uma Luta pela
Igualdade (2015)
Pivô de uma das principais polêmicas do Oscar 2015, quando foi
completamente esnobado nas principais categorias individuais, Selma é um
daqueles relatos preciosos sobre uma decisiva batalha na luta pela igualdade
racial em solo norte-americano. Indicado ao Oscar nas categorias Melhor Filme e
Melhor Canção Original, com a vencedora 'Glory', o longa dirigido por Ava DuVernay
é contundente ao mostrar a marcha liderada por Martin Luther King Jr. da cidade
de Selma a Montgomery. Se esforçando para destacar todos os detalhes em torno
deste episódio marcante, a realizadora britânica aposta numa estética "nua
e crua" ao evidenciar a violência e o preconceito racial imposto pelo Sul
dos EUA. Por mais que o argumento peque em alguns momentos, principalmente por
não encontrar o equilíbrio ideal entre as questões políticas e as mais humanas,
DuVernay é habilidosa ao pintar um retrato intimista sobre um reticente Dr.
King.
- Longe Dela (2006)
Humano e comedido, Longe Dela é um relato comovente sobre a perda
iminente. Conduzido com sutleza por Sarah Polley, o longa encanta ao acompanhar
os devotados passos de um marido prestes a perder o seu grande amor para uma
devastadora doença. Com um texto intimista e recheado de sentimento, a
realizadora canadense é habilidosa ao revelar os conflitos dos seus
personagens, o impacto do alzheimer num casamento de quase cinquenta anos,
utilizando a doença como o ponto de partida para uma análise bem mais reflexiva
e profunda. Através de um envolvente recorte não linear, Polley se debruça
sobre a identidade do casal, expondo a proximidade, as falhas e a devoção mútua
sob um ponto vista sincero e particular. Além disso, a diretora e roteirista é
madura ao desvendar as nuances dos humanos personagens, permitindo que o
público crie uma honesta identificação com eles. Fazendo um excelente uso da
iluminada fotografia fria de Luc Montpellier, Polley captura a beleza física
dos seus personagens com enorme requinte, utilizando a expressão dos seus
comandados para realçar a pureza e a conexão entre os dois veteranos.
E que elenco! Soberba em cena, Julie Christie absorve o misto de
sentimentos da sua Fiona com enorme elegância, se esquivando das lágrimas
fáceis ao traduzir a deterioração emocional da adoentada. Sem querer revelar
muito, a sequência em que ela diz "estou desaparecendo" é de cortar o
coração. Já Gordon Pinsent esbanja sensibilidade ao interiorizar os conflitos
do seu Grant, um homem altruísta e devoto a sua esposa que passa a refletir
sobre esta longínqua relação no momento em que se afasta dela. Introspectivo e
silencioso, o magnético personagem divide espaço com alguns interessantes
coadjuvantes, entre eles a sincera enfermeira interpretada por Kristen Thomson,
a adolescente de cabelos coloridos vivida por Nina Dobrev e a prática mulher
interpretada por Olympia Dukakis. Em suma, Longe Dela é uma história de amor em
sua mais pura essência. Uma obra original sobre um casal experiente disposto a encarar
as consequências de uma desoladora doença.
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