Um relato autoral e
otimista sobre as relações modernas
Maggie tinha um plano. E ele não era dos mais complicados. Embora jovem
e solteira, ela queria ter um filho. Uma criança via inseminação artificial. O
seu inusitado projeto, entretanto, passa por uma desastrada reformulação no
momento em que ela conhece o "amor". Com base nesta premissa
naturalmente cativante, Rebecca Miller joga uma inventiva luz sobre os
relacionamentos modernos no refrescante O Plano de Maggie. Irônico e levemente
surreal, o longa se revela um relato particular sobre a "bagunça" que
é um casamento, sobre as pressões, a incompatibilidade e as concessões que
cercam uma relação a dois. Impulsionado pela carismática performance da musa do
cinema 'indie', a adorável Greta Gerwig, Miller discorre sobre este complexo
tema sob um ponto de vista ingênuo e otimista, revelando o impacto da desilusão
sentimental na rotina de uma jovem que parecia disposta a viver dentro de uma
bolha.
Na verdade, ainda que num contexto exagerado, Rebeca Miller é criativa
ao voltar a sua mira para a tão comentada geração do desapego, uma turma de jovens que decidiu assumir as rédeas das suas respectivas vidas sem
recorrer às velhas convenções sociais. Embora as questões afetivas estejam no centro desta
divertida comédia romântica, a realizadora foge do lugar comum ao transitar por
temas recorrentes sob um prisma singular, brincando com esta postura
"controladora" ao investigar as consequências de um improvável triângulo
amoroso. Uma abordagem que, diga-se de passagem, é potencializada pela
revigorante presença de Greta Gerwig. Reconhecida no circuito 'indie', a atriz se revela a escolha perfeita para absorver os anseios e as frustrações desta
geração, justamente por nos fazer enxergar a verdade por trás deste
comportamento. Dona de uma luz própria, a talentosa atriz adiciona um charme
especial à película ao dar vida a independente Maggie, uma jovem pura e bem
intencionada que queria fazer tudo do seu próprio jeito. Cansada das desilusões
e dos relacionamentos fracassados, ela resolve se antecipar e ter a sua filha
num inusitado processo de inseminação artificial. Perfeitamente adaptada a sua
confortável rotina, Maggie se depara com um fato novo no momento em que conhece
John (Ethan Hawke), um escritor bem sucedido envolvido num casamento complicado
com a egocêntrica Georgette (Juliane Moore). Disposta a dar uma remodelada no
seu plano, Maggie resolve dar uma chance para esta relação, sem saber que o seu
poder de influência não seria capaz de resolver todos os problemas da sua vida.
Através de diálogos inteligentes, personagens marcantes e uma premissa
naturalmente envolvente, Rebecca Miller esbanja categoria ao extrair o humor por
trás do aspecto mais surreal envolvendo os relacionamentos modernos. Numa
espécie de alegoria sobre as nossas oscilações sentimentais, a diretora ri não
só da falsa sensação de controle da inocente Maggie, como também das idas e
vindas em torno de uma relação a dois. Com uma narrativa leve e despretensiosa,
Miller constrói um irônico e crescente 'mise en scene', realçando o aspecto
mais exótico da trama ao falar sobre a solidão, a maternidade, o divórcio e os
obstáculos impostos por um casamento. Após um primeiro ato mais centrado nos
"planos" de Maggie, o argumento ganha substância no momento que nos
deparamos com o outro lado desta moeda, no caso a dominadora Georgette. Embora
dividam características semelhantes, deste "embate" de gerações nasce
uma relação inusitada e original, um misto de cumplicidade e incompatibilidade
que se torna o grande diferencial desta película. Mérito para o singular
trabalho da equipe de direção de arte, impecável ao realçar os contrastes entre
as duas a partir dos seus respectivos lares. Além disso, Miller preenche a sua
curiosa trama com um texto recheado de significado, fazendo um excelente uso
dos simbolismos ao construir, por exemplo, a simbólica sequência das bolhas. A
entrosada interação entre Maggie e a pequena Lillie, aliás, é tocante e traduz
com louvor a vocação materna da protagonista.
Contando ainda com as carismáticas atuações de Ethan Hawke, Bill Hader e
Juliane Moore, esta última com um impagável sotaque nórdico, O Plano de Maggie
encanta ao abraçar as "maluquices" comportamentais da sua
protagonista com energia e particularidade. Embora esbarre em alguns pequenos
deslizes narrativos, a maioria deles envolvendo o ritmo frouxo do primeiro ato
e o arremate apressado do último, Rebecca Miller constrói uma comédia romântica
com personalidade própria, um longa capaz de refletir sobre questões afetivas
amplamente exploradas sob um prisma descolado e inesperadamente inédito.
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