quinta-feira, 9 de março de 2017

O Plano de Maggie

Um relato autoral e otimista sobre as relações modernas

Maggie tinha um plano. E ele não era dos mais complicados. Embora jovem e solteira, ela queria ter um filho. Uma criança via inseminação artificial. O seu inusitado projeto, entretanto, passa por uma desastrada reformulação no momento em que ela conhece o "amor". Com base nesta premissa naturalmente cativante, Rebecca Miller joga uma inventiva luz sobre os relacionamentos modernos no refrescante O Plano de Maggie. Irônico e levemente surreal, o longa se revela um relato particular sobre a "bagunça" que é um casamento, sobre as pressões, a incompatibilidade e as concessões que cercam uma relação a dois. Impulsionado pela carismática performance da musa do cinema 'indie', a adorável Greta Gerwig, Miller discorre sobre este complexo tema sob um ponto de vista ingênuo e otimista, revelando o impacto da desilusão sentimental na rotina de uma jovem que parecia disposta a viver dentro de uma bolha. 



Na verdade, ainda que num contexto exagerado, Rebeca Miller é criativa ao voltar a sua mira para a tão comentada geração do desapego, uma turma de jovens que decidiu assumir as rédeas das suas respectivas vidas sem recorrer às velhas convenções sociais. Embora as questões afetivas estejam no centro desta divertida comédia romântica, a realizadora foge do lugar comum ao transitar por temas recorrentes sob um prisma singular, brincando com esta postura "controladora" ao investigar as consequências de um improvável triângulo amoroso. Uma abordagem que, diga-se de passagem, é potencializada pela revigorante presença de Greta Gerwig. Reconhecida no circuito 'indie', a atriz se revela a escolha perfeita para absorver os anseios e as frustrações desta geração, justamente por nos fazer enxergar a verdade por trás deste comportamento. Dona de uma luz própria, a talentosa atriz adiciona um charme especial à película ao dar vida a independente Maggie, uma jovem pura e bem intencionada que queria fazer tudo do seu próprio jeito. Cansada das desilusões e dos relacionamentos fracassados, ela resolve se antecipar e ter a sua filha num inusitado processo de inseminação artificial. Perfeitamente adaptada a sua confortável rotina, Maggie se depara com um fato novo no momento em que conhece John (Ethan Hawke), um escritor bem sucedido envolvido num casamento complicado com a egocêntrica Georgette (Juliane Moore). Disposta a dar uma remodelada no seu plano, Maggie resolve dar uma chance para esta relação, sem saber que o seu poder de influência não seria capaz de resolver todos os problemas da sua vida.


Através de diálogos inteligentes, personagens marcantes e uma premissa naturalmente envolvente, Rebecca Miller esbanja categoria ao extrair o humor por trás do aspecto mais surreal envolvendo os relacionamentos modernos. Numa espécie de alegoria sobre as nossas oscilações sentimentais, a diretora ri não só da falsa sensação de controle da inocente Maggie, como também das idas e vindas em torno de uma relação a dois. Com uma narrativa leve e despretensiosa, Miller constrói um irônico e crescente 'mise en scene', realçando o aspecto mais exótico da trama ao falar sobre a solidão, a maternidade, o divórcio e os obstáculos impostos por um casamento. Após um primeiro ato mais centrado nos "planos" de Maggie, o argumento ganha substância no momento que nos deparamos com o outro lado desta moeda, no caso a dominadora Georgette. Embora dividam características semelhantes, deste "embate" de gerações nasce uma relação inusitada e original, um misto de cumplicidade e incompatibilidade que se torna o grande diferencial desta película. Mérito para o singular trabalho da equipe de direção de arte, impecável ao realçar os contrastes entre as duas a partir dos seus respectivos lares. Além disso, Miller preenche a sua curiosa trama com um texto recheado de significado, fazendo um excelente uso dos simbolismos ao construir, por exemplo, a simbólica sequência das bolhas. A entrosada interação entre Maggie e a pequena Lillie, aliás, é tocante e traduz com louvor a vocação materna da protagonista.


Contando ainda com as carismáticas atuações de Ethan Hawke, Bill Hader e Juliane Moore, esta última com um impagável sotaque nórdico, O Plano de Maggie encanta ao abraçar as "maluquices" comportamentais da sua protagonista com energia e particularidade. Embora esbarre em alguns pequenos deslizes narrativos, a maioria deles envolvendo o ritmo frouxo do primeiro ato e o arremate apressado do último, Rebecca Miller constrói uma comédia romântica com personalidade própria, um longa capaz de refletir sobre questões afetivas amplamente exploradas sob um prisma descolado e inesperadamente inédito.


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