O que seria do Homem-Morcego se não fosse os seus arqui-inimigos? Esta é o tema central de Lego Batman: O Filme, uma aventura satírica que se debruça com irreverência sobre a persona do mais icônico herói da DC. Apesar do texto infantil e do humor naturalmente inocente, o longa dirigido por Chris McKay propõe um inesperado estudo de personagem ao desvendar os medos mais íntimos do protagonista sob um prisma original e propositalmente exagerado. Além de brincar com características mais populares do protagonista, entre elas a sua personalidade egocêntrica, o seu estilo solitário e a sua inusitada parceria com o fiel escudeiro Robin, a animação presta uma expressiva homenagem à história do cavaleiro de Gotham, nos brindando com uma série de criativas referências ao universo criado por Bob Kane e Bill Finger. Sem medo de rir dos próprios erros, a Warner oferece a McKay a liberdade que talvez tenha faltado nas últimas produções da DC do estúdio, o que fica claro quando percebemos as alfinetadas do roteiro a títulos como Batman e Robin (1997) e o recente Esquadrão Suicida (2016). Em suma, com um Coringa fantástico, um visual extraordinário, um argumento engenhoso e a coragem necessária para trazer algo novo para este concorrido gênero, Lego Batman: O Filme é uma brincadeira que acerta ao resgatar o senso de diversão esquecido nas últimas produções da DC nos cinemas.
Numa mistura de "Nolan" com "Adam West", Lego Batman se passa numa Gotham turbulenta protegida por um autoconfiante Homem-Morcego. Irritado com a personalidade do herói, o ardiloso Coringa decide reunir os principais vilões da cidade para frear o seu arqui-inimigo. Intimamente, porém, o antagonista só queria o reconhecimento do Cavaleiro das Trevas, ter a certeza que ele precisava da sua existência para seguir tendo uma função. Para sua surpresa, no entanto, o alter ego de Bruce Wayne desdenha dos planos do vilão e não encontra dificuldades para salvar Gotham mais uma vez. Com o orgulho ferido, o inteligente Coringa resolve apostar no blefe do seu rival, saindo de cena para testar o impacto da sua ausência na rotina do seu nêmeses. Inicialmente confortável, o distante paladino logo percebe o vazio que tomou conta da sua rotina, principalmente quando a nova comissária de policia, a indomável Barbara Gordon, resolve tomar as rédeas da situação e exigir que ele agisse em conjunto com o governo de Gotham. Temendo o destino do seu protegido, o fiel Alfred decide aproxima-lo de um carismático órfão, o prestativo Dick Grayson, um garoto afetuoso que só queria um pai para chamar de seu. Relutante, Bruce decide usar o garoto num plano arriscado, sem saber que o seu egoísmo poderia se tornar uma perigosa arma nas mãos do paciente Coringa.
Impecável ao seguir a linha lúdica apresentada no divertidíssimo Uma Aventura Lego (2014), vide os criativos "barulhos de tiro", os produtores Phil Lord, Roy Lee, Dan Lin e Christopher Miller mostraram uma afiada veia comercial ao dar um filme solo para o grande ladrão de cenas desta bem sucedida produção. Um dos principais destaques do primeiro filme, o autoconfiante Batman dublado pelo comediante Will Arnett ganhou uma roupagem própria e extravagante, um viés cômico que casou perfeitamente com as características mais absurdas do Homem-Morcego. Com elementos tão promissores em mãos, os roteiristas Seth Grahame-Smith, Chris McKenna, Erik Sommers, Jared Stern e John Whittington esbanjam sagacidade ao investigar os dilemas mais íntimos do herói sob um ponto de vista leve e debochado, abraçando o teor satírico ao traduzir o 'status quo' deste icônico personagem. Sem nunca descaracteriza-lo, o argumento surpreende ao jogar uma luz sobre temas frequentemente esnobados, questões que parecem ter se perdido diante da megalomania que invadiu do gênero. Afinal de contas, o que o Batman faz nas horas vagas? Será que ele tem amigos? Qual o seu maior medo? Em busca destas e outras respostas, Chris McKay foge do lugar comum ao realçar a humanidade do protagonista neste contexto mais leve e irônico. Por mais que as brincadeiras quanto a postura mimada e o comportamento egocêntrico do herói sejam recorrentes, o realizador é sutil ao descortinar os conflitos mais presentes na trajetória do septuagenário personagem, encontrando a sinceridade necessária para aparar algumas das arestas familiares frequentemente mal resolvidas dentro do gênero. É interessante ver, por exemplo, como o longa substitui a raiva pela saudade, o isolamento pela solidão, uma abordagem mais sentimental que rende momentos genuinamente singelos.
Com uma veia cômica ingênua, mas inegavelmente afiada, Lego Batman é certeiro ao introduzir um velho novo antagonista, o carente Coringa. Numa versão que fará Jared Leto chorar de inveja, o afetado vilão dublado por Zack Galfianaskis ganha uma faceta orgulhosa e inteligente, uma roupagem cerebral que se torna o coração desta sequência. Fiel à ideologia do personagem, uma figura anárquica que, ao longo de setenta anos, sempre buscou mostrar que o Batman não era muito diferente dele, Chris McKay é genial ao brincar com esta conexão, arrancando honestas risadas ao traduzir a desilusão do "verdinho" diante do desdém do herói. Sem querer revelar muito, a expressão que ele faz quando o Homem-Morcego revela não ter arqui-inimigos é impagável, um trabalho potencializado pelo inventivo trabalho da equipe de animação. Com enorme respeito pelo passado dos dois, o argumento mostra inspiração ao utilizar a "ausência" do rival como o estopim para os dilemas mais íntimos do Batman, expondo a sua faceta mais egoísta com irreverência ao longo dos excelentes dois primeiros atos. Indo de encontro aos dois últimos filmes da dobradinha Warner\DC, o inchado Batman Vs Superman e o fraco Esquadrão Suicida, o plot aqui é bem arquitetado, engenhoso para uma produção tão descompromissada, um argumento que sabe explorar a vasta gama de heróis e vilões em prol do excelente andamento da trama. Além disso, mesmo com figuras tão populares em mãos, McKay é cuidadoso ao estabelece tanto a cativante relação entre Bruce e Dick, quanto a superprotetora presença de Alfred, elementos que só incrementam este exótico estudo de personagem.
Assim como em Uma Aventura Lego, aliás, Lego Batman é um espetáculo para quem curte cultura pop. Numa inestimável homenagem ao universo do Homem-Morcego, Chris McKay nos brinda com uma série de fantásticas referências, indo além das expectativas ao se voltar não só para o passado cinematográfico do personagem, como também para os mais icônicos arcos das histórias em quadrinhos. Entre trajes memoráveis, poses marcantes e inesquecíveis veículos, o realizador dialoga com o espectador mais experimentado ao resgatar alguns dos maiores símbolos da saga, elementos que só elevam o nível de entretenimento da película. Somado a isso, McKay brilha ao trazer para o centro da trama alguns dos representantes do primeiro escalão da DC Comics. Embora nem todos tenham o espaço merecido, um fato, diga-se de passagem, compreensível, nomes como a "pudinzinha" Arlequina, o corpulento Bane, o cativante Robin e o "solitário" Super-Homem rendem divertidas sequências e se tornam uma espécie de escada para as melhores gags do longa.
O longa, porém, alcança um patamar ainda mais atraente no momento em que decide voltar a sua mira para a cultura pop como um todo. Sem querer revelar muito, o diretor explora um farto "cardápio" cinematográfico ao buscar referências em sucessos do porte de Harry Potter, Gremlins, Jurassic Park, Godzilla, O Senhor dos Anéis e King Kong. Um mérito que, logicamente, precisa ser dividido com o excepcional trabalho da equipe de animadores, magnifica ao recriar estas populares figuras respeitando os traços quadriculados do Lego. Ágeis e expressivos, os "bonequinhos" enchem a tela de carisma ao realçar a faceta mais absurda dos seus respectivos personagens. Enquanto o simpático Robin, por exemplo, surge com olhões afetuosos, o extraordinário Coringa ganha dentes amarelados e pontiagudos, pequenos detalhes que ajudam a compor a personalidade dos protagonistas. Num todo, aliás, as sequências de ação são lúdicas e empolgantes, potencializadas pela explosão de cores vibrantes e pelos contrastes criados por Chris McKay.
Perspicaz ao utilizar os vilões dentro de um contexto mais familiar, uma lição que, infelizmente, chegou tarde demais para o Esquadrão Suicida, Lego Batman ri do gênero super-heroico ao jogar uma irreverente luz sobre o personagem mais "sombrio" e explorado do universo DC. Embora tenha alguns problemas, a maioria deles envolvendo a mediana trilha sonora e o clímax exageradamente edificante, o longa supera expectativas ao dar relevância a temas frequentemente mal explorados, conseguindo traduzir os traumas passados de Bruce Wayne sem precisar apelar para os melodramas e abdicar da sua ingênua veia cômica. Na verdade, ao resgatar o potencial de diversão perdido nas últimas produções da Warner, Lego Batman se revela o melhor longa inspirado nos personagens da DC desde o primoroso O Cavaleiros das Trevas.
Um comentário:
O que posso dizer que amo esse filme que eu amo, me faz rir muito!! Geralmente não colocava atenção na trilha sonora dos filmes até que vi Lego Batman descobri que um bom trabalho com a música pode ajudar que seja um êxito, realmente vale a pena todo o trabalho que a produção fez, cada detalhe faz que seja um grande filme.
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