Emancipação e frustração
O vilão, aqui, é um executivo. É o homem que manipula as cordas. Um tipo que “aprisiona” mulheres em prol de uma missão. Ele é um predador. O paralelo com a realidade da indústria do cinema fica evidente quando notamos o modus operandi de Dreykov (Ray Winstone) e a sua busca insaciável por jovens. Natasha (Scarlett Johansson) foi “apenas” mais uma destas vítimas. Treinada para matar em nome da URSS, ela conseguiu se libertar das garras de um regime opressor e se tornou uma Vingadora. Todo mundo conhece essa história. A verdade, porém, é mais ambígua. O roteiro assinado por Jac Schaeffer e Eric Pearson é sagaz ao sugerir um contraponto. O fato da trama se passar logo após a rixa causada em Capitão América: Guerra Civil (2016) tem muito a dizer sobre a realidade da protagonista. Ela se libertou mesmo? Ou se tornou refém de um novo regime opressor? Disposta a fugir do radar do General Ross (William Hurt), Natasha volta para “casa” na tentativa de ter um pouco de paz. Isso até descobrir que a sua “irmã” Yelena (Florence Pugh) era mais uma vítima da Sala Vermelha e do odioso homem que a transformou numa impiedosa máquina de matar.
O rompante de coragem em Viúva Negra está na maneira com que Cate Shortland usa este plot envolvendo a exploração do feminino para repercutir a fragilidade de Natasha dentro do universo que ela habitava. De longe o elemento mais sólido do roteiro, a arredia relação entre irmãs aquece esta discussão. Yelena ora e vez coloca o dedo em feridas que testam a diegese da trama. Seria Natasha, aos olhos do MCU, uma destas agentes “manipuladas” a serviço de algo maior? Nós percebemos a consciência crítica do texto quando a empoderada personagem vivida pela magnética Florence Pugh zomba das “poses” da sua irmã em combate . O filme trabalha com a certeza de que Natasha era negligenciada por seus amigos e também por seus “criadores”. A diretora sugere uma ruptura neste senso de plasticidade masculinizado. Yelena é o futuro. Ela não tolera ser usada. Natasha, por outro lado, é o passado. A passagem de bastão, aqui, deixa o sabor amargo da oportunidade perdida. Este filme deveria ter sido em lançado em outro contexto...
No momento em que coloca a jornada de libertação das demais agentes em segundo plano, Viúva Negra se torna um filme
frustrantemente comum.
Um fato que Cate Shortland, convenientemente, se recusa a abordar. O que, de certa forma, ajuda a explicar a falta de peso do filme enquanto um thriller de espionagem e o frouxo senso de ironia da obra enquanto comédia sobre uma disfuncional prole de espiões. O Guardião Vermelho, em especial, é uma piada que não emplaca. E a culpa não é do carismático David Harbour. O roteiro nunca se compromete com a decadência do Capitão América da URSS. A composição do idealista personagem é melhor que o seu desenvolvimento. Um problema que, aliás, respinga também na ação. Viúva Negra carece de momentos de genuína empolgação. Shortland é competente ao conduzir as lutas num ambiente micro. A fotografia em gélidos tons de branco e vermelho de Gabriel Berinstain (Blade 2) emoldura o funcional jogo de câmera com vigor. As sequências vertiginosas são dignas de nota. Radiante como de costume, Scarlett Johansson sustenta o protagonismo neste filme solo com uma naturalidade revigorante. A química entre ela e Florence Pugh é incendiária.
Quando resolve expandir a ação, contudo, a cineasta peca pela artificialidade. O senso de geografia é um problema. Os personagens somem e ressurgem ao bel prazer do roteiro. A realizadora parece podada em vários momentos. Nada é muito definitivo. Nada é muito profundo. Nada é muito memorável. Tudo, no fim, segue sendo parte de uma engrenagem maior. Viúva Negra, entretanto, defende uma transformação. O longa impacta enquanto instrumento de emancipação feminina dentro do MCU. A mudança está acontecendo. Dentro da ficção e fora dela. Uma pena que a “libertação” tenha chegado tardiamente para Natasha Romanoff.
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