segunda-feira, 12 de julho de 2021

Crítica | Rua do Medo: 1978

Uma homenagem com vida própria

Rua do Medo: 1994 garantiu a minha curiosidade. Rua do Medo: 1978 conquistou a minha atenção. Embora custe a engrenar enquanto filme de horror, a continuação mais uma vez dirigida por Leigh Janiak supera as expectativas ao resgatar a estética suja dos slashers dos anos 1970\80 numa obra que não se envergonha dos clichês do subgênero. Estamos diante de uma verdadeira carta de amor a Sexta-Feira 13 (1980). A cineasta se orgulha em assinar uma produção que faça parte deste universo. As referências são de quem entende. Repare, por exemplo, como Janiak empodera o seu antagonista ao longo da trama. Nós já o conhecíamos assassino com máscara de pano do primeiro filme. Lá ele era apenas uma ameaça sem identidade. Aqui ele é o serial killer.

A brutalidade com que ele aniquila as suas vítimas contrasta com o cuidado com que a cineasta constrói o vilão. O toque especial está na maneira com que a roteiro assinado pela própria diretora, ao lado de Zak Olkewicz, primeiro personifica o Jason da vez para só depois, tal qual em Sexta-Feira 13, estabelecer o que ele representa. Uma máquina de matar imparável e, confesso, bem sinistra. Esqueça a aura por vezes inofensiva do primeiro filme. Em Rua do Medo: 1978, Leigh Janiak não perde uma oportunidade de explorar a classificação 18 anos. Os ataques são viscerais. As mortes têm peso. A fotografia com baixa luminosidade torna tudo mais tenso e sugestivo. O assassino não destroça adultos travestidos de adolescentes. Os alvos são crianças. Ela nos permite sentir pelos personagens. Ela usa a vulnerabilidade deles para potencializar o horror. Tem uma cena aqui que (sem spoilers) me partiu o coração...

O melhor de Rua do Medo: 1978, contudo, está na maneira com que o longa se encaixa dentro da trilogia. Por trás da nova história de sobrevivência  existe a mitologia. A cineasta encontra um equilíbrio interessante entre o presente e o futuro ao tratar o acampamento quase que como um personagem. As descobertas estão em todo lugar. O roteiro encontra atalhos inteligentes para se aprofundar nos elementos introduzidos no filme anterior e sugerir o que está por vir. A complexa relação entre as irmãs, a centrada Cindy (Emily Rudd, convincente) e a rebelde Ziggy (Sadie Sink, elétrica), tem muito a dizer sobre o todo. A rixa entre elas nasce da disfuncionalidade familiar gerada pela desigualdade. A briga entre elas permite que a trama costure o social ao paranormal com desenvoltura. Apesar do deslocado flerte com o sentimentalismo (o subplot romântico envolvendo o jovem policial Goode é insosso), Leigh Janiak solidifica a mitologia sem sacrificar o desenvolvimento das novas protagonistas. A maldição ganha um contexto mais íntimo aqui. O mal fantasioso se confunde com o mal da realidade. Mesmo que de maneira superficial e expositiva, a cineasta estuda o subtexto escondido na raivosa presença da “bruxa” Sarah Fier. É interessante ver, aliás, como o filme promete tridimensionalizar a figura da antagonista. Rua do Medo: 1666 já tem a minha expectativa.

O único senão desta continuação, de fato, fica pela construção dos demais personagens. Indo de encontro ao antecessor, o longa nunca dedica o tempo necessário para desenvolver as microdinâmicas entre os jovens. Os coadjuvantes são peças vazias à serviço do horror. O que ajuda a explicar, em especial, o ritmo arrastado do primeiro ato. Ainda assim, é legal ver como a cineasta (sem grande alarde) aborda a desigualdade entre os moradores de Shadyside e Sunnyside dentro das convenções do cinema de horror. Um slasher movie de respeito, Rua do Medo: 1978 conduz a história para o (agora aguardado) último capítulo ao sugerir uma inteligente subversão do status quo até aqui construído. O futuro como resposta ao passado. Gostei! Um “filme de meio” com vida própria (e uma trilha sonora empolgante) que tem tudo para abrir as portas do subgênero para uma nova geração de fãs.


Post originalmente publicado no meu Instagram. Me siga por lá: @blog_cinemaniac.

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