O Relatório não é um filme fácil.
Num momento em que os EUA (e o mundo como um todo) lidam com uma nova gama de
problemas, os devastadores atentados de 11\09 já não causam tanta repercussão
assim. Ainda mais quando o assunto é o ‘modus operandi’ da CIA (a Central de
Inteligência Americana) contra aqueles que pretensamente ameaçavam a segurança
nacional do país. Deveriam, mas não causam. Com dinamismo narrativo e grandes atuações, porém, o longa
dirigido por Scott Z. Burns coloca o dedo na ferida ao descortinar os fatos
envolvendo uma das mais infames armas dos EUA na luta contra a Al Qaeda: a
tortura. Principal colaborador de Steven Soderbergh nos últimos anos, o cineasta constrói um drama
intenso e crítico sobre os bastidores da investigação do Senado dos Estados
Unidos que revelou aos olhos do mundo práticas anticonstitucionais usadas pela
CIA na busca pelo paradeiro de Osama Bin Laden.
Indo de encontro a título
aclamados como A Hora mais Escura (2012), thriller dirigido por Kathryn Bigelow
que, embora questionasse a violência dos agentes na busca por informação,
abraçou o velho “os fins justificam os meios”, O Relatório é categórico ao usar
o estudo assinado por Daniel Jones (Adam Driver) para refutar a eficácia da
tortura nos violentos interrogatórios supervisionados pela CIA. Com uma
moderada visão política, Scott Z. Burns é assertivo ao refutar o senso comum,
ao desqualificar as ações da agência que ganhou carta branca para agir no pós
11\09. Mais do que questionar o óbvio, o diretor é corajoso ao, seguindo os
passos do seu protagonista, levantar dúvidas sobre a negligência daqueles que
deveriam se antecipar aos fatos. A sensação de que tudo era evitável é
reforçada com clareza. Ainda que o argumento peque pela unidimensionalidade
quanto a representação dos agentes, o realizador compensa ao traduzir os atos
de tortura, ao tornar tudo gráfico o bastante. Só assim entendemos bem a
indignação que move o protagonista em busca da verdade. Somado a isso, o
argumento é habilidoso ao, gradativamente, analisar também o jogo político em
torno da investigação. Sem a intenção de apontar culpados, Burns encontra
bem-vindas brechas para explorar o “Fla x Flu” entre Democratas e Republicanos,
realçando o pesado impacto da burocracia num processo que deveria ser tratado
com urgência. A verdade, em alguns casos, cobra um preço muito caro e nem todo
mundo está disposto a arcar com ele.
Nas entrelinhas, inclusive, O
Relatório é imparcial ao tecer comentários sobre a inércia do republicano
George W. Bush e do democrata Barack Obama durante os fatos\investigação, escancarando
o quão pesada poderia ser esta chaga para a imagem dos Estados Unidos. Os dois lados,
de certa forma, possuem culpa no cartório e Scott Z. Burns evidencia isso. Por
mais que o contestador Daniel Jones de Adam Driver conduza o ritmo da obra com
intensidade e um convincente olhar de incredulidade diante dos fatos, é o “apaziguador”
Denis McDonough de Jon Hamm que melhor
traduz o espírito da coisa. Sem querer revelar muito, a sequência em que ele
estabelece com franqueza o eventual preço da verdade só comprova o desafio que
é fazer política num ambiente de extrema sensibilidade moral. Faltou a Burns, porém,
a perspicácia em enxergar que esse talvez devesse ser o mote da sua obra. Personagens
como a moderada senadora Feinstein vivida por Annette Bening merecia mais tempo
de tela, assim como os “sumidos” representantes do lado republicano. No fim,
embora escorregue no terreno do idealismo patriótico no terço final, algo que, além de
enfraquecer o teor crítico da obra, revela certa dose de ingenuidade de Burns,
O Relatório surge como um inteligente contraponto a muito do que foi
dito\exposto nos últimos anos sobre a guerra contra o terror.
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