quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Fugindo do Hype | Homem-Aranha: Longe de Casa

Os super-heróis entraram em férias

Uma das peças mais queridas dentro do MCU, o Homem-Aranha se tornou um elemento dramático decisivo na dobradinha Guerra Infinita e Ultimato. Repentinamente, o amigão da vizinhança, um personagem leve, irônico e altruísta, se tornou sinônimo de luto, raiva, vingança. Um dos muitos fantasmas para assombrar Tony Stark na sua tentativa de desafiar aquele que dizimou metade da população da Terra. Um dos inúmeros elementos que fizeram de Endgame (no original) o “filme evento” que todos ansiavam. O MCU, no entanto, precisava seguir adiante. O show tinha que continuar e nada melhor do que nas mãos\teias de um dos seus heróis mais populares. Definitivamente, Peter Parker estava precisando de férias... Com a difícil missão de fechar a épica (e sem precedentes) Fase 4, Homem-Aranha: Longe de Casa trouxe tudo aquilo que o Universo Vingadores precisava para se reoxigenar. Novamente na direção após o descolado De Volta para Casa, Jon Watts encontra o meio termo perfeito entre a comédia e a ação ao nos brindar com um filme de férias com a cara do MCU. Hilário, empolgante e esteticamente impressionante. 


Sem a intenção de ficar preso ao universo do personagem, uma preocupação que pautou De Volta ao Lar, Longe de Casa apara as arestas dos imponentes últimos longas da Marvel com dinamismo e originalidade, realçando o fator aventura ao colocar Peter Parker como uma improvável última linha de defesa da Terra contra os Elementais. Todas as pequenas dúvidas quanto ao destino da Terra durante o embate com Thanos são respondidas com esperteza aqui numa obra que desta vez não se intimida em se assumir como parte integrante do MCU. Com pulso narrativo e um invejável ‘timing’ cômico, Jon Watts consegue avançar o arco dramático do Amigão da Vizinhança sem esquecer de extrair o máximo do escapista ‘plot’ assinado por Chris Mckenna e Erick Sommers. Peter (Tom Holland) desta vez só queria se divertir, conquistar MJ (Zendaya), curtir uma viagem pela Europa com o seu amigo Ned (Jacob Batalon), esquecer tudo o que aconteceu na batalha contra Thanos. Mais uma vez, Watts encontra o Homem-Aranha dos quadrinhos. O jovem inseguro, indeciso quanto ao seu papel no mundo, em busca de um novo mentor. Um predicado potencializado pela cativante presença de Holland, impecável ao traduzir o misto de fragilidade, timidez, imaturidade e euforia juvenil do seu personagem. Por mais que a vocação bem humorada da produção salte aos olhos, Watts é cuidadoso ao investigar as sequelas do embate na identidade de Peter. E isso sem nunca se render ao sentimentalismo barato. Além de explorar a morte de Tony com sutileza, o elo entre pupilo e mentor segue muito forte, o longa é perspicaz ao usar esta lacuna como um agente catalisador para a relação entre o acuado herói e o pró-ativo Mysterio (Jake Gyllenhaal). O que funciona de maneira surpreendente. 


E o novo personagem faz jus as expectativas ao se tornar o principal acerto de Homem-Aranha: Longe de Casa. Graças a malandragem do roteiro em testar as nossas expectativas, Jon Watts entrega aquilo que o público esperava, mas não dá forma com que esperávamos, comprovando o desapego do MCU quanto alguns símbolos dos quadrinhos. Sem querer revelar muito, o cineasta é astuto ao flertar com a metalinguagem, ao questionar o viés espetaculoso do gênero. Os devastadores Elementais não são apenas a ameaça genérica de grande escala da vez. Embora perca algumas oportunidades aqui, em especial de rir dos clichês em torno do universo Vingadores, é legal ver como sem explicações profundas o roteiro não só resolve os segredos em torno da ameaça, como também se arrisca ao redefinir o conceito de heroísmo sob uma óptica um tanto quanto distorcida. O super-herói mais altruísta do panteão do MCU está em dúvidas e o argumento sabe como explorar elas. O que fica bem claro, em especial, quando nos deparamos com o marcante antagonista. Um dos melhores vilões destas quatro fases do MCU, um personagem com motivações simples, mas totalmente compreensíveis. Assim como já havia acontecido em De Volta ao Lar, Watts é novamente habilidoso ao ADAPTAR um personagem vilanesco para o atual mundo de Peter Parker (e do MCU por consequência), alcançando um resultado tão expressivo quanto o Abutre de Michael Keaton. Com todo respeito aos puristas, ele ficou legal para caramba. Se Longe de Casa peca em algo, na verdade, isso acontece nos pequenos detalhes e em soluções no mínimo convenientes. Embora, por diversas vezes, o longa assuma os seus “atalhos” narrativos com uma bem-vinda dose de humor, em outros as saídas encontradas pelo roteiro são no mínimo discutíveis. Por mais que Watts acerte ao traduzir a crise de confiança de Peter pós-Guerra Infinita, a relação do personagem com um objeto deixado pelo seu mentor não condiz nem com a personalidade rebelde\confiante do herói, nem tão pouco com o vínculo afetivo construído com Tony. Talvez o único grande momento do longa em que Watts se distancie da essência do protagonista obrigado pela necessidade de ter que fazer a trama avançar. O erro, porém, não deixa de fazer parte da jornada...


Nada que, de fato, reduza o fator diversão da obra. Até porque, fora estes pequenos deslizes, Homem-Aranha: Longe de Casa se revela uma aventura empolgante narrativamente e principalmente visualmente. Indo muito além da comicidade ‘teen’ e do escopo reduzido do antecessor, Jon Watts redimensiona a figura do herói dentro do seu próprio universo numa obra com um gigantismo calculado. O que, diante da já elogiada ameaça, faz todo o sentido. Com um CGI em sua maioria expressivo, uma palheta de cores vibrantes e imagéticas cenas diurnas, o realizador extrai o máximo do antagonista e da sua habilidade na construção de situações capazes de transcender a barreira da realidade do herói. Sem amarras, Watts, por exemplo, é criativo ao traduzir os medos de Peter de forma mais visual. Tal qual num parque de diversões, o realizador consegue ir da Montanha Russa ao Trem do Medo num piscar de olhos. Uma opção que, embora didática por natureza, impressiona graças ao ímpeto com que é explorada. Algo que, de certa forma, ajuda a nos lembrar que, no fim do dia, Peter ainda é um garoto, com grandes responsabilidades, mas um garoto. Recheado também de empolgantes sequências de ação, o balé aéreo de Peter ganha um novo conceito estético nas paisagens europeias, Homem-Aranha: Longe de Casa captura como poucos a energia juvenil do seu protagonista num filme revigorante, genuinamente engraçado, mas nunca despretensioso. Uma continuação consciente do novo ‘status’ do Amigão da Vizinhança dentro do MCU. 

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