É impossível deixar o vínculo
afetivo de fora deste texto. São onze anos de filmes. São onze anos de MCU. São
onze anos de Cinemaniac. Embora a criação deste blog não tenha qualquer tipo de
conexão com o início do Universo Vingadores, numa daquelas coincidências do
destino tive o privilégio de ao longo deste período escrever sobre uma das
maiores franquias da história da Sétima Arte. Acompanhar de perto as notícias.
Elogiar o que deveria ser elogiado. Questionar o que tinha para ser
questionado. São centenas de texto sobre uma saga que soube construir um elo
com o seu público. Uma trajetória que alcança o seu ápice, como esperado, no
épico Vingadores: Ultimato. Uma obra sem precedentes dentro da poderosa indústria
da cultura pop. É um filme que não é só UM filme. Avengers: End Game (no
original) traz consigo uma parte da essência dos vinte e um capítulos
anteriores do Universo Cinematográfico da Marvel. É a síntese de uma saga
construída com esmero, com respeito aos fãs, com apreço pelos detalhes. Os
irmãos Anthony e Joe Russo encontram aqui a oportunidade de exaltar tudo o que
de melhor o MCU tem a oferecer. O senso de diversão. A riqueza de personagens. A
dinâmica entre eles. O peso dramático. A ambição narrativa. O virtuosismo
estético. E, claro!, muito altruísmo. Muito mesmo. O que, a meu ver, talvez
seja o principal predicado de Ultimato. O maior filme de super-herói de todos
os tempos é também o de maior coração. Não importa o tamanho da escala das
batalhas. Não importa a imponência do vilão. Não importa o senso de urgência. Neste
impactante fim de ciclo, Vingadores: Ultimato é retumbante ao reverenciar a
jornada dos seus humanos personagens, a importância de cada um deles (do menor
ao maior) e o efeito catártico causado por eles junto ao público. Mais MCU
impossível.
Eu tentei fugir do hype. Deixei a
euforia das primeiras semanas passar. E graças a isso tive uma grande certeza.
Vingadores: Ultimato é uma obra tão espetacular, tão única, tão emotiva que se
tornou imune aos spoilers. E isso é algo inacreditável. A jornada, aqui, é o
elemento primordial. Falo por experiência própria. Graças a falta de respeito
de alguns, incluindo grandes portais de comunicação, fui assistir ao longa
sabendo, por exemplo, que a destemida Viúva Negra iria morrer, que Tony Star se
sacrificaria no fim (o que era até óbvio) e que o Capitão América iria empunhar
o martelo do Thor. Isso, porém, em nada prejudicou a minha experiência. Nada! Após
onze anos e vinte e dois filmes, Anthony e Joe Russo entenderam que a jornada
deveria estar em primeiro lugar. E como as próprias prévias de EndGame
anunciavam, parte importante dela é o fim. O que fica bem claro, em especial,
no inclemente primeiro ato. Mais do que simplesmente explorar as sequelas do
impiedoso ataque de Thanos (Josh Brolin), a dupla de cineastas conseguiu ir
além ao transformar o luto em raiva. O altruísmo parece ter se esfarelado com o
estalar de dedos do Titã Louco. Tony Stark (Robert Downey Jr.) surge disposto a
apontar o dedo. Abatido. Devastado. No fim, de fato, ele tinha razão. A
ingenuidade cobrou um preço caro. A rixa causada pela Guerra Civil (2016) nunca
foi tão pesada quanto neste terço inicial. Steve Rogers (Chris Evans), talvez
pela primeira vez, errou. A sua falta de visão sobre o todo expôs aqueles que
ele mais amava. A visão pessimista de A Era de Ultron (2014) nunca fez tanto
sentido. Capitã Marvel (Brie Larson) chegou tarde demais... Thor (Chris
Hemsworth) só queria vingança. Movidos por sentimentos pouco explorados dentro
do MCU, quer dizer, sob a perspectiva dos protagonistas, os heróis tentam uma “reação”
derradeira, culminando numa sequência pesada, brutal e nada super-heroica. Um início
totalmente condizente com o desfecho de Guerra Infinita (2018). Contrariando as
minhas expectativas, os irmãos Russo não fugiram da raia ao tratar as
consequências do capítulo anterior com a contundência esperada.
Confesso, inclusive, que cheguei
a temer pelo restante do longa. Era óbvio que, como um exemplar do MCU, o senso
de diversão logo teria vez. A mudança de tom, no entanto, era um desafio. O
escapismo não poderia sacrificar o que havia sido estabelecido previamente. O
peso dramático, pelo menos neste primeiro momento, deveria prevalecer. A sacada
encontrada pelos irmãos Russo, felizmente, foi excelente. E comprova o quão
decisivo foi o esmero de Kevin Feige e sua turma na construção do gigantesco
quebra-cabeça que é o MCU. Como escrevi lá atrás, na minha crítica de
Homem-Formiga e a Vespa (2018), a Marvel ousou ao encontrar numa
descompromissada aventura o sopro de esperança. Uma aura de leveza que “impregna”
Vingadores: Ultimato gradativamente à medida que Scott Lang (Paul Rudd)
reaparece cinco anos depois com aquela que poderia ser a solução. Sem a
necessidade de se explicar demais, algo que já havia sido feito em Ant-Man and The Wasp (no original), a dupla de cineastas é habilidosa ao transformar o então
subestimado vingador num elemento chave dentro da trama. Ao lado do cativante
Hulk inteligente (Mark Ruffalo) e do sempre impagável Rocket Racoon (Bradley
Cooper), o grande ladrão de cenas do filme, Scott resgata o humor do grupo. O
que, dentro do contexto, faz todo o sentido, até porque ele praticamente não
sentiu os efeitos do estalar de Thanos. Sem querer revelar mais do que o necessário,
a aparentemente tola sequência da foto no restaurante, por exemplo, representa
a esperta virada de chave na trama. Uma mudança de rumo potencializada pela “forma”
corajosa com que os irmãos Russo tratam o devastado Thor. Sob o claro efeito
Taika Waititi e o seu Ragnarok (2017), a dupla destrói as nossas expectativas
ao pontuar a transformação do deus nórdico no principal elemento cômico da
franquia. Com a sua sede de vingança saciada, o Rei de Asgard ganha uma
inacreditável nova versão, uma roupagem imatura\desleixada que diz muito sobre
o acerto da Marvel ao enxergar nele um potencial irônico muito maior do que
épico. Thor melhora enquanto personagem a cada novo lançamento.
Ao longo das envolventes quase
três horas de produção, inclusive, impressiona outra vez o cuidado de Anthony e
Joe Russo na condução dos seus personagens. Dos mais populares aos mais novos. Assim
como já havia acontecido em Vingadores: Guerra Infinita, os irmãos extraem o
máximo de cada um deles ao encontrar tempo para que o arco deles siga
avançando. Não estamos diante de um clímax de 180 minutos. Existe uma nova
história a ser contada. E ela passa muito, pasmem vocês, pela complexa figura
da Nebulosa (Karen Gillan). Tal qual a sua irmã Gamora (Zoe Salgana) em
Infinity War (no original), a filha cyborg do Thanos adiciona peso ao arco
central quando se vê obrigada a tocar em velhas feridas para finalmente se tornar
uma Vingadora. Uma daquelas personagens que, sorrateiramente, cresceram muito
ao longo dos últimos anos, Nebulosa é repentinamente alçada a posição de
protagonistas, se tornando a peça que os irmãos Russo precisavam para apimentar
as coisas. A ponte perfeita entre os heróis e os vilões. Destaque para a
cativante relação entre ela e Tony no espaço. O mesmo, aliás, podemos dizer de
um dos personagens mais “desvalorizados” do Universo Vingadores. Presente desde
a Fase 1, o Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) sempre foi uma peça subaproveitada
dentro do MCU. Um herói humano com família, com algo a perder, consciente da
sua fragilidade ao decidir lutar lado a lado com gênios da ciência, indivíduos geneticamente
modificados, deuses e alienígenas. Por mais que os conflitos do seu personagem
tenham sido tratados com maior respeito em A Era de Ultron, Clint Barton
merecia um espaço maior. E, para a minha surpresa, ele veio em Ultimato. Apesar
da escala épica da obra, os Irmãos Russo encontraram no Gavião Arqueiro um belo
gatilho para entender o drama daqueles que sobreviveram e verdadeiramente
perderam. Capitão América perdeu a batalha, mas seus principais amigos
sobreviveram. Homem de Ferro perdeu o seu pupilo, mas ganhou uma família. Clint
não. Perdeu sem lutar. De surpresa. Alheio a tudo ao que acontecia. Logo na
fantástica sequência de abertura, é legal ver o cuidado do argumento assinado por
Christopher Markus e Stephen McFeely em escancarar através dele a vulnerabilidade
dos Vingadores. É dele a sentença mais pesada da obra. “Não me dê esperanças...”
diz Clint, agora como o violento Ronin, no momento em que a resliliente Viúva
Negra (Scarlett Johansson) surge com um plano que poderia reverter o ataque do
Thanos. Ele não aguentaria perder de novo. Juntos, os velhos agentes da SHIELD
embarcam na jornada mais tênue e espinhosa da obra. Nada mais justo para uma
das relações de amizade\companheirismo mais sinceras dentro do MCU.
O coração de Vingadores:
Ultimato, de fato, está na maneira comovente com que Anthony e Joe Russo tratam
os seus principais personagens. Mesmo diante da gigantesca escala da obra, a
dupla de realizadores consegue se aprofundar no drama de cada um dos Vingadores
originais, respeitando o legado construído ao longo de uma década enquanto
investiga o impacto do sacrifício na identidade de cada um deles. O sentimento
de altruísmo nunca foi tão forte. O que fica bem claro, em especial, quando nos
deparamos com o arco do Homem de Ferro. Pedra fundamental da iniciativa
Vingadores, Tony Stark já foi de tudo. Egocêntrico, irresponsável, mimado,
líder, tutor, derrotado. Nunca, porém, esteve tão certo. Diante do que Thanos
causou, as sequelas ocasionadas pelo projeto Ultron se revelaram irrisórias.
Ele teve a certeza que não deveria ter pausado as suas pesquisas. A ameaça tão antecipada
por ele chegou e os Vingadores não estavam preparados para contê-la. O rancor
era claro. É fácil entender a nova posição de Tony. Ele agora é pai, marido, um
homem finalmente comum. Sem responsabilidades. Sem o peso da armadura que
carregava. Até por isso, talvez pela primeira vez dentro do MCU, ele nunca teve
tanto a perder. No embalo da poderosa performance de Robert Downey Jr, que, ao
lado de Josh Brolin, Chris Evans, Scarlett Johansson e Jeremy Renner, encaram
com intensidade a missão de absorver a carga dramática do plot, os Irmãos Russo
dão ao Homem de Ferro o desfecho que o seu personagem sempre mereceu. Ele nunca
esteve tão exposto, tão desarmado e tão HUMANO. Desta vez é a humanidade dele
que move a trama. O que não quer dizer, entretanto, que Steve Rogers fique
atrás. Muito pelo contrário. Símbolo máximo de altruísmo dentro da saga, o
Capitão América surge como o elo do grupo. Após anos de relutância, agora
(finalmente) ele sabe por quem e pelo que lutar. Sem bandeiras, sem fins
bélicos, sem manipulações. Se Tony é o coração de Ultimato, Steve é a alma. A
chama que não se apaga. O líder que os Vingadores precisavam. Responsável por
algumas das passagens mais catárticas do longa, Capitão América faz jus ao
legado do saudoso Stan Lee ao tirar do papel a sequência que todo fã de
super-herói sempre sonhou em ver.
Muita da catarse causada por
Vingadores: Ultimato, aliás, está na forma honesta com que Anthony e Joe Russo
exploram o ‘fan-service’. Neste sentido, na verdade, vai ser difícil algum
filme superar o efeito gerado pela apoteótica conclusão da Saga do Infinito.
Consciente do status construído pela franquia ao longo dos últimos onze anos,
os diretores surpreendem ao olhar para dentro do MCU sob uma perspectiva já
reverente. E com toda justiça. Numa sacada inteligente, o já antecipado
artifício da viagem no tempo é explorado com originalidade, revisitando outros
capítulos da saga com extremo dinamismo. No melhor estilo Homem-Formiga, a
ideia de transformar o segundo ato num intrépido ‘heist movie’ deu aos Irmãos
Russo a oportunidade de olhar para trás com perspicácia, resgatando alguns dos
melhores personagens em participações pontuais e nunca dispensáveis. Uma
solução que funciona seja dentro do contexto cômico, como na hilária volta a
batalha de Nova Iorque, seja sob uma perspectiva mais emotiva, como no
comovente reencontro entre Tony e o seu pai, Howard Stark (John Slattery).
Mesmo se sustentando em algumas soluções convenientes, por que os heróis não
foram buscar mais partículas Pym antes de iniciar este ousado plano, é inegável
que a ideia funciona, principalmente pela maneira esperta com que os Russo
brincam com os clichês dos filmes de viagem no tempo. As referências são inúmeras
e surgem como um bem-vindo respiro narrativo. Outro ponto que agrada, e muito,
é a maneira com que os personagens se “movem” pelo passado. Anthony e Joe
invadem o cenário de algumas das mais famosas cenas do MCU sob uma nova
perspectiva, capturando alguns detalhes que se tornaram menos importantes em
cada uma dessas obras. Como não se escangalhar de rir, por exemplo, com o Hulk raivoso
esmagando um carro de forma aleatória em meio a batalha de Nova Iorque, ou em
assistir a prisão de Loki (Tom Hiddleston) numa nova e curiosa perspectiva, ou
com o ‘insight’ de Tony Stark ao perceber que o uniforme de Steve não realçava
os seus atributos físicos. A ideia não é simplesmente resetar as coisas. Por
trás da solução encontrada existe humor, existe aventura, existe drama.
Reencontros e despedidas. Após o pesado primeiro ato, aqui vemos o MCU raiz.
Imperfeito, escapista e estupidamente divertido. Como pouquíssimos títulos
conseguem ser na atualidade.
É impossível não finalizar este
texto, entretanto, sem se aprofundar no antológico clímax de Vingadores:
Ultimato. Algo totalmente inédito. Nunca antes uma obra moveu tantas peças relevantes
de forma simultânea como acontece aqui. É óbvio que a cultura pop já viu
embates em escala até maior. O Senhor dos Anéis, por exemplo, entregou algumas
das mais épicas batalhas da Sétima Arte. A questão não é só essa. O tamanho se
torna menos importante quando vemos a espantosa habilidade dos irmãos Anthony e
Joe Russo em trabalhar com quase cinquenta personagens (protagonistas\antagonistas)
ao mesmo tempo e extrair o bastante de cada um deles em momentos dignos de
aplausos coletivos. E isso em meio ao caos de um embate tão imponente quanto o de
Guerra Infinita. Tudo, porém, começa pequeno. No melhor estilo Três Homens em
Conflito (1966) de Sérgio Leone. O embate se inicia olho no olho. A partir do esforço
de Thor, Capitão América e Homem de Ferro na implacável batalha pessoal contra
Thanos, os irmãos Russo conseguem ressaltar o quão ‘bad-ass’ é o vilão central
da Saga do Infinito, causando um misto de tensão e euforia ao entregar algumas
das sequências mais catárticas do MCU. Uma mix de sentimentos que só se afloram
quando Anthony e Joe decidem entregar aquilo que qualquer fã de quadrinho
sempre sonhou ver na tela grande. Não existem artifícios aqui. Não tem para
onde fugir. Os Vingadores estão unidos. E o que vemos é algo difícil de se
traduzir em palavras.
Ultimato culmina numa sucessão de cenas fantásticas
guiadas pela grandiloquente trilha sonora de Alan Silvestri. Todos, volto a
frisar, ganham o espaço necessário para brilhar. Gostei de ver, aliás, como a
estupidez de Peter Quill (Chris Pratt) no capítulo anterior foi castigada. Com
efeitos visuais de arrepiar, enquadramentos imagéticos e uma primorosa montagem,
a explosão de superpoderes enche a tela de forma magnânima, capturando a escala
do combate com clareza e muito dinamismo. A câmera dos Irmãos Russo “passeia”
entre os personagens com assertividade, indo do micro ao macro num verdadeiro
piscar de olhos. Em meio a tudo isso, eles conseguem extrair o humor da
situação, a raiva de alguns personagens, o desespero, o medo, a empolgação, o ‘girl
power’. Valkiria (Tessa Thompson), Okoye (Danai Gurira), Capitã Marvel (Brie
Larson) e a Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen), por sinal, roubam a cena. O
senso de urgência é claro. Thanos, como o próprio diz, é inevitável, e Ultimato
consegue nos fazer enxergar isso. Ele nunca esteve tão irritado, tão convicto,
um sentimento capturado com brilhantismo pelo CGI. A expressividade do Titã
Louco é outro ponto sem precedentes de End Game.
O que vemos, no fim, é um
desfecho superlativo, mas que nunca sacrifica a emoção. Vingadores: Ultimato
nos seus trinta minutos finais vai da alegria à tristeza. Da empolgação ao
comedimento. Da euforia ao luto. Não é fácil dar adeus. Uma missão dificultada
pela sensibilidade com que os irmãos Anthony e Joe Russo pontua o arco de
alguns dos mais queridos heróis do MCU. Com uma sutileza digna de elogios, a
dupla reverência o legado dos Vingadores originais enquanto estabelece a sua discreta
passagem de bastão, conseguindo numa só cena unir o passado, o presente e o
futuro do Universo Cinematográfico da Marvel e capturar a estreita conexão entre
eles. O resultado é de uma clareza inquestionável. O sentimento ali é puro e transpassa
a quarta parede ao atingir o público. Embora a fase 4 já esteja começando a
ganhar forma, Vingadores: Ultimato marca o fim de um ciclo. De um capítulo
inesquecível dentro da cultura pop. De uma experiência cinematográfica difícil
de ser igualada.
Obrigado, turma. Obrigado, Marvel.
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