domingo, 17 de fevereiro de 2019

Quinze melhores “safras” do Oscar de Melhor Filme


Embora não seja daqueles que acham que o Oscar premia necessariamente o melhor filme, por diversas vezes títulos de gosto bem duvidoso já levaram a estatueta (essa é para você Shekeaspeare Apaixonado), é inegável que a mais importante premiação do cinema diz muito sobre a qualidade da temporada que se encerrou. Assim como muitos, aliás, eu costumo usar o Oscar para definir se tivemos um bom ano cinematográfico. Basta olharmos para os indicados ao prêmio de Melhor Filme, por exemplo, para percebemos que a safra de 2018 teve uma média bem aceitável. Embora, na minha humilde opinião, o drama Roma seja o único longa fora de série da seleção, obras como Nasce uma Estrela, Green Book, Pantera Negra, Infiltrado na Klan e A Favorita são extremamente qualificadas e conferiram uma bem-vinda pluralidade de gêneros a categoria. É inegável, porém, que algumas “safras” conseguiram reunir películas que se revelariam verdadeiros clássicos (modernos ou não) do cinema. Na expectativa para o Oscar 2019, que acontece no próximo domingo (24), neste artigo decidi preparar uma lista com quinze das grandes “safras” do Oscar de Melhor Filme. Como critério, resolvi me concentrar não só no sucesso dos longas em si, mas no alcance, no impacto e no que eles vieram a se tornar nos anos seguintes. Dito isso, começamos com... 

- “Safra” de 1941 (Vencedor: Rebecca)


Nada melhor que abrir a lista com uma “safra” em que dois filmes de Alfred Hitchcock e um de Charles Chaplin figuraram entre os indicados ao Oscar de Melhor Filme. Que privilégio, hein¿ Em 1941, quando dez filmes eram nomeados ao prêmio máximo da noite, a Academia consagrou títulos como o clássico Correspondente Estrangeiro, o visionário thriller Rebecca: A Mulher Inesquecível, a poderosa crítica de guerra O Grande Ditador, o denso drama familiar Vinhas da Ira e a aclamada comédia romântica Núpcias de um Escândalo. Cinco filmes que sobreviveram ao teste do tempo e ainda hoje são lembrados com enorme reverência. Com destaque, óbvio, para O Grande Ditador, que, embora não tenha ganho o Oscar de Melhor Filme, se tornou nos anos seguintes um dos filmes mais críticos e visionários referentes a Segunda Guerra Mundial.


- “Safra” de 1958 (Vencedor: A Ponte do Rio Kwai)


Um salto no tempo e chegamos na década de 1950. Já no modelo que se tornaria o mais tradicional ao longo da história da premiação, em 1958 dos cinco longas indicados ao Oscar de Melhor Filme, três se tornaram obras ainda hoje lembradas por público e crítica. Como não citar, por exemplo, o vencedor A Ponte do Rio Kwai, um imponente drama de guerra que, como se não bastasse a sua influente trilha sonora, entregou um dos desfechos mais realísticos da história do segmento. Um filmaço que, de maneira alguma, fica atrás de dois dos seus outros concorrentes, o inestimável thriller de tribunal Doze Homens e Uma Sentença e o fantástico suspense Testemunha de Acusação. Duas daquelas obras clássicas que insistem em não envelhecer.

- “Safra” de 1963 (Vencedor: Lawrence da Arábia)


Poucas edições do Oscar, entretanto, abrigaram filmes tão “gigantescos” quanto o ano de 1963. Numa época em que o CGI nem sonhava em existir, títulos imponentes como Lawrence da Arábia e O Mais Longo dos Dias representaram a vitória do cinema sobre os limites. Duas produções impactantes, genuinamente épicas, que, embora situadas em momentos distintos da nossa história, conseguiram tirar o máximo do contexto na construção dos seus riquíssimos personagens. O terceiro filme da “safra”, porém, é uma daquelas obras preciosas que nunca e de maneira alguma deveriam cair no esquecimento. Com um dos protagonistas mais justos e marcantes da história do cinema norte-americano, O Sol é Para Todos foi um dos primeiros grandes filmes norte-americanos a jogar uma desconcertante luz sobre a rotina de injustiças e indignidade de um EUA segregado. Um drama judicial ainda hoje devastador, um filme capaz de inspirar e chocar ao mostrar a realidade de muitos no coração da América.

- “Safra” de 1968 (Vencedor: No Calor da Noite)


Quando o assunto é a representatividade, nenhuma edição foi tão corajosa e importante para a luta por igualdade racial em Hollywood quanto a de 1968. Mais do que simplesmente consagrar de vez o astro Sidney Poitier, a “safra” deste ano deu voz ao protagonismo negro ao indicar os magníficos No Calor da Noite e Adivinha Quem Vem Para o Jantar ao Oscar de Melhor Filme. O primeiro um thriller de ação sobre um homem da lei confundido com um criminoso numa preconceituosa cidadela do interior, o segundo um romance dramático inter-racial sobre os efeitos desta relação na rotina de duas famílias separadas pelas barreiras sociais. Duas pequenas grandes pérolas. Embora No Calor Da Noite seja o grande vencedor da edição, outros dois filmes desta “safra” são ainda hoje igualmente lembrados e reverenciados. Considerado por muitos um dos títulos mais transformadores de Holywood, Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas marcou o início de uma revolução na forma de se fazer cinema. Com Warren Beatty e Faye Dunaway como protagonistas, o longa dirigido por Arthur Penn usou a história de dois inimigos públicos dos EUA como o gancho para a construção de um romance contra cultural, violento, ácido, um filme que ajudaria a pavimentar a estrada que levou até a influente Nova Hollywood. E para fechar a lista como não lembrar do realístico romance dramático Adivinha Quem vem para o Jantar. Um relato denso sobre as consequências do impulso juvenil que, no embalo da sua inesquecível trilha sonora, deu a Dustin Hoffman a chance que ele precisava para brilhar. Uma obra muito à frente do seu tempo.

- “Safra” de 1972 (Vencedor: Operação França)


Regida pelos pupilos da Nova Hollywood, a década de 1970 entregou algumas das grandes “safras” da história do cinema norte-americano. O que fica bem claro no ano de 1972, quando vimos (que dizer, meus pais viram) o realístico thriller de ação Operação França, o icônico (e indefinível) Laranja Mecânica, o ‘coming of age movie’ travestido de romance dramático A Última Sessão de Cinema e o musical clássico Um Violinista no Telhado dividirem (pasmem vocês) a mesma categoria. Poucas vezes a estatueta de Melhor Filme foi disputada por obras tão diversificadas e por realizadores (William Friedkin, Stanley Kubrick, Norman Jewison e Peter Bogdanovich) tão gabaritados.

- “Safra” de 1975 (Vencedor: O Poderoso Chefão 2)


E o que falar da “safra” de 1975. Acho que os filmes falam por si só. Num mesmo ano, tivemos na disputa o magistral O Poderoso Chefão 2, o inquietante suspense psicológico A Conversação, o empolgante filme catástrofe Inferno na Torre e o denso clássico ‘noir’ Chinatown. Uma seleção de altíssimo nível. O curioso, aqui, é tal qual em 1941, tivemos um mesmo diretor colocando dois trabalhos entre os melhores filmes. O nome, claro, é o de Francis Ford Coppola, responsável pelo vencedor do Oscar O Poderoso Chefão 2 e A Conversação.

- “Safra” de 1976 (Vencedor: Um Estranho no Ninho)


Outra das grandes “safras” da história do Oscar, a edição de 1976 deu voz não só aos expoentes da Nova Hollywood, mas ao realizador que viria a idealizar o remodelado conceito de ‘blockbuster’. Ele, o ainda hoje influente Steven Spielberg. Numa época em que a Academia se mostrava bem mais aberta ao novo, uma visão moderna que perderia força nos anos 1980 e 1990, o Oscar de Melhor Filme daquele ano foi disputado por títulos do porte de Um Estranho no Ninho, um brilhante drama sobre a amizade e a loucura, Barry Lyndon, um afetado filme de época tocado com cinismo pelo virtuoso Stanley Kubrick, Um Dia de Cão, um intenso thriller de assalto estrelado por Al Pacino e John Cazzale, e Tubarão, um nervoso ‘survival movie’ sobrevivência que ajudou a mudar a forma de se pensar o negócio cinema. Nem preciso escrever muito aqui. O legado destes filmes fala por si só.

- “Safra” de 1977 (Vencedor: Rocky)


Para fechar esta bem-sucedida trinca setentista, a “safra” de 1977 manteve o elevado nível estabelecido nos anos anteriores ao trazer clássicos inquestionáveis do quilate do inspirador Rocky: Um Lutador, uma marca que segue extremamente prestigiada quatro décadas depois do seu lançamento, do afiado Rede de Intrigas, do contundente Taxi Driver e do inestimável Todos os Homens do Presidente. Sem querer parecer repetitivo, mas a lista fala por si só.

- “Safra” de 1995 (Vencedor: Forrest Gump)


Como disse mais acima, porém, ao longo dos anos 1980 e 1990 a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas subiu no pedestal que acabou por afastar o grande público. Os tais “filmes de Oscar” se popularizaram com velocidade, criando uma distorção um tanto quanto desconfortável. Confesso que, durante muito tempo, eu acreditei que o Oscar sempre foi isso, uma cerimônia elitista, com pouquíssimo espaço para os filmes populares. Em 1995, porém, o que vimos foi talvez a “safra” mais descolada da década de 1990. Dando voz aos novos expoentes de Hollywood, entre eles Quentin Tarantino, Robert Zemeckis e Frank Daranbont, a edição revitalizou o então estabelecido ‘status quo’ ao indicar ao prêmio de melhor filme um adocicado drama com toques fantásticos (Forrest Gump), um afiado thriller de ação com um pé na comédia de erros (Pulp Fiction), um adorável romance (Quatro Casamentos e um Funeral) e um dos dramas mais populares da história recente do cinema (Um Sonho de Liberdade). Quatro títulos extremamente acessíveis que, coincidentemente ou não, prepararam o terreno para o que viria no ano seguinte.

- “Safra” de 1998 (Vencedor: Titanic)


Como já disse outras vezes aqui no blog, Titanic é o meu filme favorito. E os motivos são inúmeros. Como se não bastasse as inacreditáveis virtudes estéticas da obra, o longa dirigido por James Cameron se tornou um fenômeno cultural, invadindo todas as mídias da época como poucos títulos conseguem na atualidade. Além disso, diante da enorme procura pelo longa estrelado por Leonardo DiCaprio e Kate Winslet, assistir ao filme num cinema de rua da época foi uma das grandes experiências cinematográficas da infância. Me arrisco a dizer, inclusive, que graças a Titanic eu fui fisgado por cerimônias como o Globo de Ouro e (claro!) o Oscar. Se engana, porém, quem acha que a “safra” 1998 ficou reduzida a este primoroso filme catástrofe. Embora eclipsados por este gigantesco ‘blockbuster’, a edição emplacou outros quatro verdadeiros filmaços ao prêmio de Melhor Filme. Como não citar, por exemplo, o engraçadíssimo Melhor é Impossível, ou então a sarcástica ‘dramédia’ Ou Tudo, Ou Nada. Neste mesmo ano tivemos ainda o denso drama juvenil Gênio Indomável e o enervante suspense ‘noir’ Los Angeles: Cidade Proibida. Filmes que, naquela época, por volta dos meus 11, 12 anos, já me chamavam muito a atenção e que, obviamente, se revelaram ainda melhores nos anos seguintes.

- “Safra” de 2008 (Vencedor: Onde os Fracos Não têm Vez)


E chegamos ao que eu considero a melhor “safra” da história dos indicados ao Oscar de Melhor Filme. Numa seleção eclética e de gosto extremamente refinado, a Academia deu voz a cinco produções poderosas, filmes memoráveis que reforçaram a força do cinema independente norte-americano. Liderado por um dos meus filmes favoritos, o imprevisível Onde os Fracos Não têm Vez, a “safra” 2008 nos presenteou com títulos como o adorável romance dramático Juno, o desconcertante drama de época Desejo e Reparação, o impactante filme de tribunal Conduta de Risco e o agressivo drama familiar Sangue Negro. Cinco produções estilosas, com muito a dizer e a mostrar, que comprovou a força do cinema de autor justamente em meio a catastrófica (para o mainstream) greve dos roteiristas.

-  “Safra de 2010 (Vencedor: Guerra ao Terror)


Na volta da lista com até dez indicados, a “safra” 2010 trouxe um curioso duelo entre dois grandes filmes. De um lado o aclamado James Cameron com o ‘blockbuster’ dos ‘blockbusters’ Avatar. Do outro a sua ex-esposa Kathryn Bigelow, uma realizadora igualmente talentosa que voltava aos holofotes com o intenso drama Guerra ao Terror. Num “duelo” Davi contra Golias, o pequeno engoliu o gigante numa vitória que, hoje, eu não considero nada injusta, afinal de contas Avatar é o tipo de obra nitidamente virtuosa, mas que não envelheceu tão bem. Não se engane, porém, com essa aparente polarização. Os fantásticos Distrito 9, Bastardos Inglórios, Amor sem Escalas e Up: Altas Aventuras conferiram um enorme peso a esta “safra”, mostrando assim as inúmeras facetas de Hollywood.

- “Safra de 2011 (Vencedor: O Discurso do Rei)


Um elogiável padrão de qualidade que se manteve na “safra” 2011, uma edição em que um dos mais irritantes vícios da Academia de fez presente. Ao longo da sua história, esta respeitada instituição ajudou a fomentar a ideia que, numa “dividida”, o clássico levaria vantagem. O que, como disse acima, gerou os conhecidos “filmes do Oscar”. Obras geralmente de época, em sua maioria biográficas, com atores já laureados e\ou muito respeitados, diretores com gosto refinado e um confortável ar inofensivo. Num ano em que títulos como o instigante Cisne Negro, o intrigante A Origem, o denso O Vencedor, o magnífico A Rede Social, o belíssimo Toy Story 3, o revisionista Bravura Indômita e o pesado drama ‘indie’ Inverno da Alma estavam na disputa, o Oscar de Melhor Filme foi para o “apenas” competente O Discurso do Rei. Um filme bonito de se assistir, por vezes inspirador, com grandes atuações, mas que, a rigor, pouco trazia de novo. O fato, porém, é que essa foi uma das melhores “safras” da história recente da premiação, algo que fica bem claro quando percebemos o nível das obras citadas acima.

- “Safra” de 2014 (Vencedor: 12 Anos de Escravidão)


Com nove indicados, a “safra” 2014 mostrou o melhor que Hollywood tem a oferecer. Do ‘indie’ ao ‘blockbuster’, a edição daquele ano deu voz a todos os nichos, reconhecendo a qualidade em gêneros diversificados. O vencedor foi o desconcertante drama de época inspirado em fatos 12 Anos de Escravidão, uma daqueles impiedosos socos no estômago que ora e vez merecemos tomar. Gravidade levou a grandiosidade para a premiação, nos abandonando no meio do espaço ao narrar a jornada de sobrevivência de uma mulher (Sandra Bullock) quando a sua nave é atingida por uma chuva de meteoros. Tivemos ainda Martin Scorsese com o ferino O Lobo de Wall Street, Alexander Payne com o pequeno e independente Nebraska, uma inteligência artificial como protagonista no reflexivo Ela e Tom Hanks soberbo no enervante Capitão Philips. Os seis grandes destaques de uma belíssima “safra”

- “Safra” de 2016 (Vencedor: Spotlight)


Por fim, uma das “safras” mais empolgantes dos últimos anos. Apesar, claro, do vencedor escolhido. Spotlight está longe de ser um filme decepcionante. Muito pelo contrário. É um drama pesadíssimo e brilhantemente atuado sobre uma das páginas mais vergonhosas escrita pela Igreja Católica nas últimas décadas. Por trás da urgência e da importância do tema em questão, porém, estamos diante de um drama de cartilha, um filme retilíneo, com poucas novidades, que, mais uma vez, foi a escolha “segura” num ano de produções muito parelhas. Como, em sã consciência, Spotlight é um filme melhor que o implacável Mad Max: Estrada da Fúria, o emotivo O Quarto de Jack, o fascinante A Grande Aposta, o empoderador Brooklyn, o empolgante Perdido em Marte, ou até mesmo o visceral O Regresso. São filmes melhores, bem mais ousados estética e narrativamente, que, como de costume, esbarrou no tal “filme de Oscar”. É por isso que eu sempre digo. Não se frustre com a Academia. Por trás da cobiçada estatueta dourada existe um jogo de poder ainda hoje sentido, o que explica as muitas injustiças históricas ao longo da premiação. No final das contas, porém, o Oscar segue sendo o termômetro mais significativo do ano cinematográfico, dando relevância a títulos que hoje, em meio ao emaranhado de blockbusters, dificilmente ganhariam uma janela de exibição à sua altura.

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