Como o tempo passa rápido. Em
julho de 2008, há dez anos, eu resolvi tornar público as minhas análises sobre
cinema neste despretensioso espaço. Um pouco antes, em abril deste mesmo ano,
chegava aos cinemas o surpreendente Homem de Ferro, um filme de super-herói com
uma identidade original, uma descompromissada aura ‘cool’ e um protagonista que
o ‘mainstream’ já parecia ter esquecido. Sem os seus principais personagens,
“distribuídos” anos antes para estúdios como a Fox (X-Men, Quarteto
Fantástico), a Universal (Hulk) e a Sony (Homem-Aranha), a Marvel Studios
resolveu entrar na “brincadeira” sem grandes pretensões, revigorando o segmento
ao investir num filme solo com um quê anti-heróico. Enquanto a concorrência
faturava rios de dinheiro com o Wolverine, o Magneto e o Homem-Aranha, a “casa
das ideias” resolveu mostrar a sua força com o então esquecido Tony Stark, o
milionário egocêntrico e genial que, graças a estupenda performance de Robert
Downey Jr., ajudou a pavimentar a estrada do que viria a se tornar o gigantesco
Universo Cinematográfico da Marvel. Contra todas as expectativas, Homem de
Ferro se revelou um estrondoso sucesso de público e crítica, estabelecendo o
formato escapista\irônico que se tornaria uma marca das produções do selo
Marvel Studios. O que se viu nos anos seguintes foi a construção de um império
fílmico. Seja com personagens icônicos (Capitão América, Thor), seja com heróis
quase desconhecidos do grande público (os Guardiões da Galáxia e
Homem-Formiga), a Marvel Studios enfileirou ‘hits’ com um enorme senso de
coesão, arriscando cada vez mais na construção de uma engrenagem se tornou um
modelo de sucesso dentro da indústria do entretenimento. Para celebrar os dez
anos do fantástico MCU (Marvel Cinematic Universe, no original), neste artigo
listamos dez das mais memoráveis cenas que ajudaram a transformar a saga
Vingadores num verdadeiro símbolo do cinema ‘blockbuster’ moderno. Por ordem
cronológica, começamos com...
E nada mais justo do que começar
com a cena que, a meu ver, moldou a aura descolada do Universo Vingadores. Sob
a batuta de Jon Favreau, Homem de Ferro (2008) tem várias cenas que,
facilmente, poderiam fazer parte desta lista. Como não citar, por exemplo, a
magnífica sequência da fuga do cativeiro com a versão ‘old-school’ da armadura,
ou então o primeiro voo de Tony Stark. Foi no último take do longa, entretanto,
que Robert Downey Jr. mostrou a pegada anárquica\egocêntrica do seu Homem de
Ferro. Após salvar o dia e ser obrigado a esconder a real identidade do herói
por trás da armadura, Tony Stark não resiste às luzes dos holofotes e quebra
todas as expectativas como uma simples sentença: “Eu sou o Homem de Ferro”.
Boom! Um desfecho direto e impactante que se tornou a cereja do bolo num dos
melhores e mais autorais títulos do MCU.
- Vingadores Unidos (Os Vingadores)
Durante muitos anos os fãs de quadrinhos (e dos blockbusters em geral) esperaram por uma produção do porte de Os Vingadores (2012). Após anos de filmes solos e algumas promessas nunca cumpridas, a expectativa da reunião de super-heróis do porte de Capitão América, Thor, Hulk e Homem de Ferro, numa só produção, gerou um ‘hype’ inacreditável. Uma expectativa, diga-se de passagem, perigosíssima. O que Joss Whedon e Kevin Feige fizeram, no entanto, foi revolucionar o universo dos super-heróis do cinema com Os Vingadores (2012). Existe um antes e um depois deste gigantesco blockbuster. Após estabelecer cada um dos seus super-heróis com esmero e paciência nos filmes solos, a Marvel Studios atingiu todas as elevadas expectativas ao entregar uma aventura ímpar, um filme grandioso com uma identidade própria, com espetaculares sequências de ação, um memorável antagonista e as brechas necessárias para poder trabalhar a disfuncional dinâmica entre os heróis. Uma cena, em especial, sintetiza tudo o que eu escrevi acima. No momento certo, na hora certa, Whedon reuni os Vingadores pela primeira vez num mesmo quadro. Num fluído plano sequência, o realizador gira a sua câmera em torno dos heróis ao som da subestimada trilha sonora de Alan Silvestri, os tratando como a implacável última linha de defesa da Terra contra a ameaça alienígena liderada por Loki. Uma cena arrepiante que, na minha opinião, não só segue sendo a melhor e mais impactante do MCU, mas uma das mais incríveis da história da Sétima Arte. O símbolo máximo da retomada de um gênero.
- Nick Fury luta pela vida (Capitão América: O Soldado Invernal)
O Batman: Cavaleiro das Trevas (2008) da Marvel, Capitão América: O Soldado Invernal (2014) trouxe a seriedade para o MCU num filme urgente, implacável e agressivo. Com espetaculares sequências de ação, os irmãos Anthony e Joe Russo chegaram para ficar com uma obra intensa, um thriller de espionagem que ajudou a recalcular a rota da franquia com decisões corajosas e um dos roteiros mais sólidos da franquia. O ponto alto do longa, entretanto, ficou para a marcante primeira aparição oficial do Soldado Invernal e a incrível cena do sequestro. Num ‘mise en scene’ enérgico e extremamente realístico, Anthony e Joe Russo tiraram do papel uma sequência digna dos grandes filmes do gênero, buscando inspiração em nomes como Michael Mann (Fogo Contra Fogo), Peter Yates (Bullitt), William Friedkin (Operação França) e porque não Christopher Nolan ao narrar a desesperada luta Nick Fury (Samuel L. Jackson) preso no seu carro “inteligente” contra uma ameaça implacável. Uma cena antológica.
- O sacrifício de Groot (Guardiões da Galáxia)
Guardiões da Galáxia é provavelmente o meu filme favorito do Universo Star Wars. Em meio a tantos heróis muito conhecidos, o inventivo diretor James Gunn conseguiu em um filme dar completa relevância a um super-grupo b dos quadrinhos, entregando uma ‘space opera’ engraçadíssima e genuinamente empolgante. Com personagens criativos, uma influente aura pop e um visual singular dentro do universo MCU, Gunn extraiu o máximo deste peculiar grupo de heróis, estreitando os laços entre eles através de sequências como a cena da fuga da prisão, a batalha aérea em Xandar e (claro!) o sacrifício de Groot. Numa só cena, diante do caos, James Gunn reforça o vínculo construído na película num take sensível, esteticamente belo e muito emocional. “We are Groot” se tornou a grande marca registrada de Guardiões Da Galáxia, alcançando o ápice no viés cômico\altruísta proposto pelo longa.
- Visão ergue o Mjolnir (Vingadores: Era de Ultron)
Vingadores: Era de Ultron é um dos filmes mais injustiçados da Marvel. Sigo achando que foi aqui que o MCU ganhou uma aura mais drástica, passou a lidar com as inconsequências do até então infalíveis super-heróis. Ultron é um baita vilão, as sequências de ação são insanas é o clímax à altura do ‘status’ da obra. Diante de tantos momentos dignos de nota, entretanto, o grande destaque do longa ficou pelo nascimento do Visão (Paul Bettany). Numa sequência impactante, Joss Whedon é cuidadoso ao capturar o misto de temor e expectativa em torno da aparição da nova criação de Tony Stark, uma cena imponente que alcança o seu ápice no momento em que sem qualquer esforço o novo Vingador levanta o martelo do Thor e “brinca” com ele. Um momento extremamente importante não só pela sagacidade do diretor em rapidamente estabelecer a índole do recém-introduzido personagem, mas principalmente por dialogar com a fantástica cena do ‘happy hour’, quando, num raro momento de descontração, os Vingadores se esforçam para manusear o lendário Mjolnir.
- Time Homem de Ferro vs Time Capitão América (Capitão América: Guerra Civil)
O que falar da grandiosa
sequência do aeroporto em Capitão América: Guerra Civil? Na maior reunião de
super-heróis até então vista no mundo do cinema, os irmãos Anthony e Joe Russo
capturaram a aura dos quadrinhos ao criar uma batalha entre “irmãos” por
motivos ideológicos, escancarando as rixas internas dos Vingadores numa cena
empolgante, visualmente estonteante e recheada de pequenos\grandes duelos. Como
se não bastasse a formação original do super-grupo, vimos o Pantera-Negra em
ação, a versão gigantesca do Homem-Formiga e aguardada aparição do “teioso”
Homem Aranha de volta ao Universo Marvel. Uma batalha recheada de expectativas
que, ao longo dos seus quase 15 mins, entrega tudo aquilo que um fã de
quadrinhos gostaria de ver num “encontro” deste porte. Embora Guerra Civil não
dependa exclusivamente desta cena, principalmente pela propriedade dos
diretores em solidificar os intensos conflitos por trás da crescente rixa ente
o time Homem de Ferro e o time Capitão América, a sequência do aeroporto é um
dos capítulos mais bem-sucedidos do MCU e está facilmente entre os maiores
momentos deste universo.
- O adeus do(a) Ancião(a) (Doutor Estranho)
Nem só de momentos espetaculares
vive o universo Marvel. Muito pelo contrário. Sempre que possível, os diretores
ganharam carta branca para investir em sequências densas e\ou com uma forte
carga dramática. O que fica bem claro, em especial, na comovente despedida
do(a) Ancião(a) em Doutor Estranho. Sob a intimista batuta de Scott Derickson,
o realizador extrai o máximo das marcantes performances de Benedict Cumberbatch
e Tilda Swinton numa cena exemplar. Aliando a força do texto ao visual, o realizador
usa a condição da mentora do Drº Stephen Strange para refletir sobre o tempo, o
destino do herói e a nossa relação com a vida, buscando inspiração em títulos
como Blade Runner (1982) ao trazer o existencialismo para o cinema ‘mainstream’.
Um momento de rara sensibilidade que ajudou a fazer de Doutor Estranho uma das
peças mais singulares da engrenagem Marvel. Vide as psicodélicas viagens de
Stephen e a nada ortodoxa batalha final, duas cenas que, facilmente, poderiam
também fazer parte desta lista.
- O “grito” de liberdade de Killmonger (Pantera Negra)
Um dos filmes de super-heróis
mais preciosos e representativos dos últimos anos, Pantera Negra fez jus ao
legado histórico deste clássico personagem, criado por Stan Lee e Jack Kirby no
auge da luta pela igualdade racial nos EUA, ao não se furtar da
responsabilidade de refletir sobre a condição do negro americano nos dias de
hoje. Comandado com um misto de ferocidade e realismo por Ryan Coogler, o longa
conquistou o público e a crítica não só pela aura ‘badass’ do protagonista, o ‘hi-tech’
visual de Wakanda, os cativantes coadjuvantes e pelas fantásticas sequencias de
ação, mas principalmente pelo complexo arco do vilão Killmonger. Um produto do
seu meio, o antagonista vivido por Michael B. Jordan surge como o agente
catalisador da trama, o único capaz de revelar a face mais contraditória do
jovem rei T’Challa (Chadwick Boseman) e do seu império. Inteligente,
questionados e urbano, o vilão rouba a cena sempre em que está nela, o que fica
claro na sua comovente última cena. Nela, sem querer revelar muito, Killmonger
escancara a sua amargura num diálogo forte e doloroso, daqueles que vêm das
entranhas do oprimido, uma fala poderosa que ecoa alto e entra para o panteão
dos grandes diálogos do gênero. Wakanda Forever!
- Thor com sede de vingança (Vingadores: Guerra Infinita)
E por fim chegamos ao terceiro filme
evento da Marvel Studios, o novo ápice de uma saga minuciosamente construída ao
longo de dez anos. Com Vingadores: Guerra Infinita, o MCU ofereceu tudo aquilo
que os fãs e os detratores esperavam ver ao trazer o caos a partir da tirânica
presença do aguardado Thanos. Impecável ao desenvolver os arcos dos principais
personagens sem sacrificar o implacável ritmo da trama, os irmãos Anthony e Joe
Russo colocaram os Vingadores diante do seu maior vilão, extraindo o máximo
deste nefasto antagonista ao torná-lo o principal trunfo da película. Após
mostrar o quão perigoso e calculista poderia ser o titã louco, a dupla de
realizadores entrega uma das grandes sequências do MCU ao tornar a “entrada
triunfal” de Thor no campo de batalha um verdadeiro grito de vingança deste
poderoso super-herói. O “Bring me Thanos!” sacode a batalha de Wakanda tal qual
um trovão, mostrando o quão ‘bad-ass’ poderia ser Thor ao lado dos seus novos
amigos Groot e Rocket Racoon. Uma parceria que só a Marvel Studios seria capaz
de tirar do papel.
- O estalar de dedos de Thanos (Vingadores: Guerra Infinita)
É impossível não concluir esta
lista, entretanto, com outra destruidora sequência de Vingadores: Guerra
Infinita. De longe a cena mais corajosa do Universo Marvel, e porque não dos
filmes de super-heróis recentes, o estalar de dedos do Thanos sacudiu o MCU ao
se revelar uma espécie de Apocalipse deste vasto universo. Os diretores Anthony
e Joe Russo não se contentam somente em quebras as expectativas do público. Na
verdade, eles a destroem ao entregar um clímax desesperador, um desfecho à
altura de todas as promessas sugeridas ao longo destes dez anos de Universo
Cinematográfico da Marvel. Independentemente do que venha a acontecer nos
próximos capítulos, as consequências por trás deste ínfimo gesto seguem
agitando as discussões dos fãs meses após o lançamento da película, mostrando o
quão impactante foi a decisão de Kevin Feige e sua turma nesta desconcertante
sequência em especial.
Menções Honrosas
- Thor tem os seus
poderes tomados (Thor)
Um momento singular por mostrar a
face mais falível\humana do personagem sem os seus poderes.
- O adeus a Yondu (Guardiões da Galáxia Vol. 2)
Ao som de “Father and Son”, de
Cat Stevens, James Gunn esmigalha o coração do espectador numa despedida
memorável.
- Thor vs Hulk (Thor: Ragnarok)
Taika Waititi coloca dois “amigos
do trabalho” num embate à altura das expectativas.
- Conheça o Papai (Homem-Aranha: De Volta para Casa)
Que reviravolta para o jovem Parker! Numa sequência marcante, Jon Watts revela a
identidade do Abutre para o amigão da vizinhança num momento recheado de tensão.
- Hulk desmoraliza Loki (Os Vingadores)
Talvez o momento mais catártico de Vingadores, a surra que o
Hulk aplica no Thor é uma das cenas que ajudaram a definir o Universo Marvel.
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